quarta-feira, 7 de julho de 2010

Uma forma mais elevada de amar


O amor tende a ser egoísta. Ou melhor, a forma como eu amo tende a ser egoísta.
Quando olho para trás vejo que amei muito as pessoas a quem amei, mas, essencialmente, fi-lo por aquilo que elas me podiam dar. Reconheço que isto não abona muito a meu favor, e não há nada que eu possa dizer que consiga atenuar a gigantesca dimensão do meu ego, harmonicamente proporcional ao tamanho do meu umbigo.
Em regra penso, não no que posso fazer pelos outros, mas no que podem eles fazer por mim. Foi neste contexto que me relacionei com amigos, os grandes e os pequenos, e até com os meus pais, que me dedicaram o mais abnegado dos sentimentos. Já eu, pouco propensa a altruísmos, tenho amado, mas dentro da reserva do possível (os juristas saberão do que falo),atendendo à minha hipotética felicidade. Note-se bem: não é que o meu sentimento seja menos verdadeiro, ou até menos leal. Simplesmente, não atingiu aquele grau de desprendimento que sempre tive como uma mais elevada forma de gostar.
Até ao momento, disse eu.
Não sei se da idade, se das cabeçadas na vida, ou se até do mero passar dos anos, fui atingido uma outra forma de amar. Dou por mim a fazer coisas que sei de antemão que me vão magoar, mas faço-as assim mesmo. Não por masoquismo, conquanto tenha a minha dose de dor auto-infligida. Não por bondade, que não tão generosa assim. Mas porque retiro – sim, de novo euzinha – para mim algum tipo de satisfação do facto de contribuir para o contentamento de alguém outro que não eu. Compreendo que para a maior parte de vós este sentimento será familiar, mas para mim, que vivo concentrada em mim, é qualquer coisa de muito novo e que ainda me desconcerta.
Passo a concretizar com um exemplo.
Admito que os amores in the edge têm o sal e pimenta necessários para fazer vibrar uma paixão durante uma vida inteira. Já pensaram o que será ter sido amada pelo Jean Jacques Custeau? Pelo Neil Armstrong? Pelo Nelson Mandela? Desçamos com os pés à terra: admito que ser namoradinha de um médico que salve vidas todos os dias, de um bombeiro herói, de um arqueólogo que viaje pelo mundo, de um artista muito requisitado, há ter o seu encanto. Mas um encanto na hora da despedida, porque, em última instância, será sempre hora da despedida. É que este tipo de pessoas fascinantes têm vidas complicadas, cheias de solicitações, e nós haveremos de aparecer lá no finalzinho da lista de prioridades. As pessoas verdadeiramente interessantes dificilmente se apegam a alguém, e passam por nós como uma borboleta que se limita a poisar de vez em quando. Aposto que a cara metade destas pessoas há-de ter muito orgulho nelas, falar nos seus feitos horas a fio, extasiar-se com a sua presença e ouvir incansavelmente os seus relatos. Mas nunca a terá para si.
Já eu… eu quero a serenidade de um amor tranquilo. Quero alguém que esteja ali para mim. Sempre. Que me inscreva em primeiro lugar na sua lista. Que passe comigo fins de semana, férias, Natais e Novos Anos. Que vá comigo à mercearia. Simplificando: que esteja presente.
Mas entre aquilo que eu quero e aquilo que eu consigo vai uma distância brutal. E os amores que eu consigo alimentar são sempre pelas tais pessoas que são imensas como o mundo. A tendência natura será prende-las a mim. Pelo menos tentar. E algumas vezes é-se de facto bem sucedida. Mas se o outro fica por causa de nós, abdicando assim dos seus sonhos, que espécie de amor lhe estamos a dar? De facto, ele está aqui. Mas é como se não estivesse, tal era a importância daquela parte dele que conseguimos roubar-lhe. E volto à minha pergunta de sempre: se o outro for mais feliz sem nós, não será que o devemos deixar ir? Mesmo que para isso o tenhamos que empurrar?
Neste momento dou por mim a desejar que ele desapareça, que voe como o vento. Que parta e seja feliz. Depois tenho aqueles longos instantes em que sinto pena de mim até à medula. Lamento a minha solidão, as minhas escolhas, as minhas necessidades. E por breves momentos quase que volto atrás, e me agarro à perna dele, e choro baba e ranho. Mas depois caio em mim e percebo que não posso ter o que nunca será meu. Quando muito teria um despojo do dia. E a partir daí recomeço o meu esforço sub-humano para que ele realize o seu sonho. Como se fosse o meu sonho. Que não é. É o meu pesadelo. Mas nesta forma mais elevada de amor aquele torna-se o meu sonho, aquela torna-se a minha felicidade e até eu me torno, por um bocadinho, uma pessoa melhor.

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