segunda-feira, 26 de julho de 2010
Não venhas tarde
“Não venhas tarde!”,
Dizes-me tu com carinho,
Sem nunca fazer alarde
Do que me pedes, beixinho
“não venhas tarde!”,
E eu peço a deus que no fim
Teu coração ainda guarde
Um pouco de amor por mim.
Quando gostamos de alguém, mas sim gostar a sério, mesmo a sério, o ponto alto do nosso dia é aquele em que estamos juntos. Telefonamos insistentemente para saber quando é que ele chega, começamos a contar os minutos com o coração palpitante e olhando várias vezes pela janela, quase levando a crer que vivemos com maior entusiasmo esse momento de ansiedade e espera do que a sua efectivação. A antecipação gera mais exultação porque guarda promessas de coisas maravilhosas que, afinal, nuca chegam a acontecer, mas cuja expectativa – e, porque não dizê-lo, a fé, alimenta as nossas horas de solidão e nos incentiva a agurdar um pouco mais.
Tu sabes bem
Que eu vou p’ra outra mulher,
Que ela me prende também,
Que eu só faço o que ela quer,
Tu estás sentindo
Que te minto e sou cobarde,
Mas sabes dizer, sorrindo,
“meu amor, não venhas tarde!”
A traição não tem que vir necessariamente de outra mulher. Ou de outro homem. Em regra vem dos amigos. Continua a ser assustados aos meus olhos de “a última das românticas” que alguém prefira uma sandes de couratos com os um bando de rebarbados na roulotte da esquina, enquanto arrota e bebe mais uma imperial, mas se há coisa que a vida em ensinou é que dificilmente os homens trocam esse fabuloso programa de fim de semana para estar comigo. Certamente haverá no planeta – quem sabe, quem sabe, na minha rua, atrevo-me mesmo a dizer com este mesmo homem – mulheres que conseguem esse feito de conseguir prender a sua atenção ao ponto de ofuscar todas as maravilhas do mundo masculino. Essa mulher nunca fui eu.
Por isso fico em casa, na minha versão moderna de fazer crochet e cozer meias – leia-se, trabalhar na tese e escrever no blog – enquanto espero que ele abra a porta. E continuo a pedir-lhe para não demorar muito naquela outra vida que ele tem, tão paralela a mim mas ao mesmo tempo tão distante.
“Não venhas tarde!”,
Dizes-me sem azedume,
Quando o teu coração arde
Na fogueira do ciúme.
“não venhas tarde!”,
Dizes-me tu da janela,
E eu venho sempre mais tarde,
Porque não sei fugir dela
E eu, tonta, incentivo as coisas. As fugas de moto. Os jogos de futebol. As jantaradas com os amigos. As férias sem mim. Porque há lado deste egoísmo imenso sobrevive aquela parte que o quer feliz. if you love somebody set them f.ree
Sem alegria,
Eu confesso, tenho medo,
Que tu me digas um dia,
“meu amor, não venhas cedo!”
Por ironia,
Pois nunca sei onde vais,
Que eu chegue cedo algum dia,
E seja tarde demais!
E quando esse dia chegar - em que eu já não olhe para o relógio, em que não anseie pelo barulho da chave na fechadura, e lhe diz, em voz cansada, “vem quando quiseres” – nesse dia saberemos que chegou ao fim.
E quando ele finalmente chegar e irei sempre achar que chegou cedo demais.
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