sexta-feira, 9 de julho de 2010

O que a Cosmo diz


O mundo das revistas femininas entra nas nossas vidas por voltas dos 14, 15 anos e, apesar das caretas que fazemos ao vê-las quando nos encontramos em público (especialmente com público masculino), estou em crer que grande parte de nós as arrastará consigo até conseguir ter olhos para as ler, que mais não seja escondidas debaixo da cama, por entre caixas de sapatos e leggings de trazer por casa.
Assim de repente veio-me à ideia a Cosmos, mas aqui cabem igualmente a Elle, a Máxima, a Activa, and so on. Excluo a Maria, porque afinal qualquer revista que se digne a responder se é ou não possível engravidar com um beijo não se destina a mulheres, mas ou a imbecis ou a crianças de 5 anos (e note-se que não os estou a equiparar).
Uma menção especial para a revista Happy. Que as revistas de meninas falam sobre sexo, já toda a gente sabe e neste aspecto a Happy não veio inovar. O apport criativo prende-se com as cenários: Paris, Dubai, Nova York. É que é completamente diferente fazer badalhoquices ali na Amadora, ou faze-las num hotel na Cidade Luz. Trair o marido com o melhor amigo durante a lua de mel (e que raio fazia o amigo connosco na lua de mel???) seria foleiro e ordinário caso a facadinha matrimonial ocorresse ali no Ibis de Alfragide, agora, se for no Four Seasons, já é muito in e sinal de gente moderna e depreendida de preconceitos.
A estrutura destas revistas não varia muito, e quase se pode adivinhar o que espreita ao virar da página. Começam em regra com uma cartinha da editora, depois as mensagens das leitoras, em regra a elogiar a publicação, seguem-se páginas e páginas de produções de moda, muitas vezes tentando criar com os modelitos das lojecas cá do bairro o que se passou na passerelle. Esta parte merece um esclarecimento adicional. É que se a ideia é aproximar o bom gosto da girl next door (eu, tu, a empregada do café da esquina) não me parece que sugerir malas de 1200 euros ou sandálias que custam uma coisa chamada “preço sob consulta” (o preço deve ser tão alto que até está doente) seja uma boa forma de nos tornar a todas fashion divas a preço de saldo.
Mas a parte que em deixa mais bem-disposta (sim, há outras coisas, para além de sapatos, que me deixam bem-disposta) são as páginas dos mandamentos. Chamo “mandamentos” àquelas famosas dicas que qualquer revistucha que se preze tem que ter, para a coisa ter um ar… educativo, digamos assim.
“20 formas de o conquistar”
“30 truques para perder 10 quilos em 30 dias”
“As 22 melhores dicas de compras da estação”
“Ele está a enganá-la? 15 sugestões para o descobrir”
“Como fingir ter menos 8 quilos do que na realidade tem em 8 tempos”
A verdade é esta: se eu seguisse os benditos mandamentos a minha vida estaria toda ao contrário: a minha anterior relação teria acabado em casamento (e passado o estado de graça, em divórcio) e a minha actual relação teria terminado um mês depois de iniciar; provavelmente já me tinha despedido, deixado de falar com perto de uma dezenas de amigos, perdido 5 quilos e depois voltado a ganhar outros 7, já teria feito uma lipoaspiração e, provavelmente ponderaria em mudar de sexo.
Isto para dizer que as revistas femininas têm que ser lidas com granu salis. Com muitas ponderação e particular atenção. Pelo menos é assim que eu leio. São sempre momentos circunspectos. Eu, besuntada de óleo bronzeador por tudo quanto é sitio, com o meu 1,63 espalhado na areia, a ler as ditas enquanto tento ouvir a conversa dos vizinhos da toalha. Ou então, sentada na sanita, a lê-la enquanto tiro verniz das unhas. Ou, por último, num gabinete de dentista, de cabeleireiro ou de depilação, algures por essa cidade. Porque, basicamente, estes são os meus momentos mais solenes: praia, casa-de-banho e salas de espera.
A minha última incursão pelo profundo mundo feminino deu-se numa bela de uma praia, com o grupinho de donzelas da praxe. Depois de termos dado pontuação aos corpinhos Danone que por ali andavam, de comermos opiparamente na esplanada como se não houvesse bikini pequeno demais para nós, e de sobrevivermos à sessão de conselhos sentimentais, saquei a revista do meu saco de Sport Billy e, enfim, foi o fim do mundo tal como o conhecemos. Espero que as crianças em redor fossem todas surdas, ainda que momentaneamente, porque o que se disse naquele bocado de praia tinha direito a uma bolinha vermelha no canto superior de um céu muito azul. É que o artigo do dia referia-se a “dicas para apimentar o sexo”. Cada sugestão era pontuada com malaguetas. Basta dizer que algumas foram premiadas com três malaguetas. Não uma. Não duas. Mas três. Aquilo fez de mim uma mulher!
Mas os meninos não se ficam a rir. É que as vossas revistas são bem mais obscenas (pardon my frech) do que as nossas. Certamente terão leituras ao nível da nossa Vogue, mas recordo sempre com um sorriso (de desdém, sublinho) aquela vez que em que tirei à socapa a revista que MBF (My Best Friend) tinha pedido no balcão de leitura do aeroporto. Não cito o nome da revista sob pena de me cair um processo em cima, mas a verdade verdadinha é que a dita tinha um artigo, cujo título, em letras bem gordas, era qualquer coisa do tipo: “Como comer a melhor amiga da sua namorada sem ela saber”. Ecco. Palavras para quê? É uma revista masculina, e está tudo isto. Ah, não termino este parágrafo sem dar conta de uma outra peça igualmente inesquecível e de alto relevo jornalístico: páginas e páginas com fotos de pénis de perfil (parece que tal como as caras, também as pilinhas têm frente e perfil, e tudo está em saber qual o enfoque mais fotogénico), descrevendo cada curvatura, cada centímetro. Aprendi mais com aquele artigo do que em anos de manuais de biologia.
Todos temos o nosso calcanhar de Aquiles. Aquelas coisas que fazemos quando mais ninguém está a ver. Seja meter o dedo no nariz, tirar o cuequinha do rabiosque ou ler revistas que, não fazendo de nós pessoas mais inteligentes, funcionam como uma espécie de fast-food intelectual. Se até as modelos quebram a sua rigorosa dieta de alface e água mineral para de vez em quando enfiar um BigMac pela goela, porque não podemos nós interromper as nossas leituras elevadas (Kundera, Sarte, as grandes obras de direito, economia ou medicina) e deixar cair o olho para a Cosmos. O Tico e o Teco agradecem o descanso.

5 comentários:

  1. "FHM" já não é de homem - Merece uma leitura atenta :D

    http://www.ionline.pt/conteudo/49529-fhm-ja-nao-e-homem-autopsia-s-revistas-masculinas

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  2. Eu até acho bastante útil ler as ditas "revistas masculinas" enquanto estratégia para me infiltrar no campo do inimigo ;)

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  3. Atenção à contra-espionagem, o inimigo anda sempre atento :D

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  4. Atento mas discreto. Como uma Mata-Hari.

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  5. Quem espera sempre alcança :P

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