sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O mundo visto aos caracóis


Para nós, que atravessamos o mundo com uma pilha de caracóis na cabeça, a vida não é fácil.
Bem sei que me vão atirar agora à cara os milhares de milhões de mulheres que neste preciso momento estão a gastar os seus tostões numa permanente. E ainda bem, para que os cabeleireiros deste mundo possam viver, bem como os fabricantes de óleos para frisar, e de bigudis e de toda a panóplia de negócios associados. E ainda bem também (bem, bem, bem) porque a variedade cria riqueza.
Mas depois desta frase semi-filosófica, vamos à dura verdade: curly hair sucks.
Admito que já fiquei paradinha a olhar para um belo par de caracóis. Aqueles bem definidos e brilhantes que parecem formar uma almofadinha de penas em cima da cabeça. A questão é que, em regra, estes que me fascinam são os falsos caracóis, feitos com muito ferro de enrolar, muitos produtos e muitas horas de cabeleireiro. Nós, as tais que nascemos com o cabelo aos caracóis, temos que defrontar cada manhã uma dura batalha que em regra termina com a derrota brutal e humilhante de amarrar o cabelo com um elástico ranhoso e assim passar o dia.
Nunca em atrevi com o alisamento definitivo, ou que raio se chama a coisa. Já estive tentada a isso mas, que diabo, eu até já estive tentada a passar o meu cabelo com o ferro de engomar, de modo que ainda bem que por vezes (mas só por vezes) leva a melhor sobre as minhas tentações. Mas não resisto a de quando em vez passar no cabeleireiro e esticar o cabelo (que estas mãozinha de fada servem para folhear livros mas são absolutamente incapazes de derrotar a caracolagem).
E quando me olho ao espelho e vejo cabelos lisos, brilhantes como seda, que me caem sobre o rosto ao invés de o esconder numa confusão danada, transformo-me. E sou mais bonita. E mais interessante. E mais poderosa.
Porém, assim como não há sofrimento que nunca acabe, tão-pouco há felicidade que sempre dure. No caso, a minha dura até tomar banho, apanhar umas gotas de chuva, transpirar ou mesmo, meramente, receber os vapores de um tacho no lume enquanto cozinho o jantar (das pouquíssimas vezes que eu efectivamente cozinho, claro está). Ou desde que passem mais de 24h, mesmo que nada disso aconteça, até porque mal rebolo com a cabeça na almofada logo o meu cabelo recém-lisinho e recém-brilhante se entrelaça, cria nós, e … encaracola. De modo que, nesses dias em que sou uma “straight hair girl” saio de casa armadilhada com chapéu de chuva, pente, escova e mais um ou dois frascos de produto supostamente alisante.
Recordo que há muitos anos atrás vi o “The Way We Were”, um filme de início dos anos 70 que entre nós ficou conhecido por “O Nosso Amor de Ontem”. O filme relata a atribulada história de amor entre a Barbara (Streisand) e o Robert (Redford), feita de encontros e desencontros ao longo de uma vintena de anos. Mas recordo com particular precisão o momento em que a nossa heroína, mulher de nariz longo e um profuso cabelo aos caracóis, depara com o seu amor de longa data do outro lado da rua, acompanhado por uma moreno de luxuriante cabelo longo e liso, e verbaliza este pensamento lapidar: “São sempre as de cabelo liso que ficam com os bons rapazes!”.
Enfim, não sei precisar se estas foram as suas exactas palavras, mas a ideia é esta: o mundo é mais cor-de-rosa para as mulheres de cabelo liso. Podem apanhar toda a chuva do mundo sem parecem caniches. Podem apanhar o cabelo de forma negligente e são lindas madeixas lisas que lhes emolduram o rosto. Podem tomar duche ou ir à praia e secar o cabelo como bem entenderem, ou nem secar de todo, ao invés de andar com difusores e cremes atrás. Podemos usar chapéu sem receio de serem confundidas com uma vassourinha. Podem tudo, na verdade.

5 comentários:

  1. :) Só tu!

    Sempre tive essa relação de quase-ódio com os caracóis. Agora, sinceramente, estou-me nas tintas. Até porque cada vez mais toda eu sou uma grande confusão e cabelos lisos apelam a uma calmaria que praticamente desconheço. Era enganar as pessoas apresentar-me assim tão irrepreensível :)

    Beijinhos e xis :)

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  2. Miúda, tu és juristas. Que mais fazes senão enganar as pessoas? (sorry, sorry, sorry, mas esta oportunidade era boa demais para desperdiçar)

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  3. Interessante o problema de uma mulher com caracóis. Não pude deixar de pensar na analogia com as pessoas. A mesma liberdade, independencia, irrascibilidade. Haverá príncipes domáveis como os cabelos lisos?

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  4. Se houver quero saber onde vive e qual o numero de telefone. Estou farta de coisas complicadas.

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  5. ah, sempre era uma questão de ductilidade...

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