domingo, 23 de janeiro de 2011

Direitos de autor, propriedade intelectual e miúdas giras


Todo aquele que usufrui de um serviço, bem ou criação deve pagá-lo. Esta é uma obrigação básica da sociedade hodierna, justificada por conceitos como “prestações contratuais”, “preço de venda ao público”, “direitos de autor” ou “propriedade intelectual”. Ora, se assim é, porque motivo os homenzinhos que desfrutam da nossa presença não hão-de pagar os momentos de prazer estético e intelectual que lhes proporcionamos pelo simples facto de sermos nós?
Enfim, rectifico. Não pelo simples factos de nós sermos nós, porque o mero “nós” pode não ser particularmente interessante, ter olheiras e borbulhas, ser lisas que nem tábuas, ter celulite ou pernas gordas, cabelito ralo, em suma, podemos não ser geneticamente perfeitas.
Mas eis que as maravilhas das técnicas, dos ginásios, da maquilhagem e dos salões de beleza têm poder bastante para transformar seres potencialmente maravilhosos em criaturas efectivamente maravilhosas.
Ora, é isto que os homens não percebem: nós não nascemos exactamente assim como eles nos vêm. Parecidas sim, mas não rigorosamente iguais. E tudo isto que fazemos para lhes alegrar o dia de cada vez que pousam em nós aqueles olhitos não só exige esforço pessoal como, além disso, custa caro.
De modo que não se percebe porque não hão-de eles, que beneficiam da nossa presença – seja ao jantar, ou ao cruzarmo-nos com eles na rua, ou meramente quando nos avistam do outro lado do restaurante – pagar o justo preço desse beneficio. Chamem-lhes “direitos de beleza”, “taxa de utilização visual” ou (custo de produção pessoal”, chamem-lhe o que quiserem, mas, pelo amor da santa, exigem a retribuição que vos é devida.
A questão é esta: se eu não posso fazer o download de um filme da internet porque com esse comportamento estaria a violar os direitos de propriedade intelectual da pessoa que o fez, como se explica que o fulano que hoje se cruzou comigo na passadeira e que quase me deitava abaixo, tal a fúria com que quis passar pertinho de moi meme, não pague a vista que teve?
E que tal se em vez dos célebres chamamentos religiosos (“Ai Jesus!”) ou familiares (“Ai mãezinha!) abrissem a carteira, sacassem do Visa e dissessem. “Obrigada por este momento minha senhora. Gostei muito, especialmente da cor do batom. Aqui tem o pagamento que me cabe. Pode passar o cartão”? Vai dai, nós puxávamos da maquineta onde se passam os cartões de crédito (dada a minha ignorância não sei o nome técnico da coisa, de modo que doravante será conhecida como a “maquineta”) e debitávamos o devido valor correspondente ao gasto que tivemos naquele dia para ficarmos assim (leia-se, “maravilhosas”), custo este crescido dos direitos de autor que qualquer criador cobra por obra sua. Não que o pagamento seja muito – enfim, há-de ser proporcional à obra – mas pelo menos daria para passar nos saldos da Zara e comprar umas daquelas malhas básicas. E se o dia nos tivesse corrido bem quem sabe se não daria até para uns sapatinhos de pele ou uma sessão de massagens…
À luz desta nova concepção acabaram-se as contas de jantar partilhadas depois do fulano ter podido desfrutar do prazer da nossa companhia (entenda-se, da nossa vasta cultura adquirida ao longo de muitas horas na net de banda larga generosamente paga, enquanto batíamos as pestanas com rímel Channel, que não é propriamente dado), e os piropos de pedreiros sem a seguir levar para casa uma saquinha de cimento a título de devido pagamento.
Ora, se o mundo se regulasse por este novo princípio nem me incomodaria assim tanto o tipo que insiste em subir as escadas atrás de mim para me tirar as medidas. Queres ver? Força tarado. Mas já agora pagas a minha mensalidades no Holmes Place. É que não há almoços grátis nem há rabiosques grátis. Aliás, assim até teria um incentivo adicional naquele momento doloroso em que subo para a elíptica: a minha conta bancária.
Acham que esta teoria é sexista e humilhante par as mulheres? Longe disso. Também me prontifico desde já a pagar cada olhar guloso que lançar para ao coleguinha de ginásio que insiste em fazer flexões na minha (míope) frente. A cada um o que é seu (o que me vale a mim, e à minha carteira, é que muito raramente perco o olhar na carne alheia).
Moral da história: nem nos importamos particularmente das horas a fazer abdominais, de depilação com cera a escaldar, de fazer esfoliações, e agachamentos e máscaras para a pele, e de fechar a boca à segunda fatia de bolo de chocolate. Nem nos importamos disso. Mas não se atrevam a mandar-nos piropos para justificar a vossa suposta masculinidade e a utilizar-nos como devaneio de solitários divertimentos nocturnos, e depois não pagar direitos de autor pela fantasia sexual que vos proporcionamos.

6 comentários:

  1. Passaram por ti e não repararam. Safados!

    ResponderEliminar
  2. acho que já inventaram isso...Pay per view?

    ResponderEliminar
  3. Só tu é que reparas meu amigo Andrézinho. E só muito de vez em quando.

    ResponderEliminar
  4. ehehehhehehe. mas fiquei aqui a pensar... para que raio querias tu a saquinha de cimento??? :)

    Apoiado, a 200 %.

    Vou já ali comprar um POS ( a maquineta!)

    um beijinho

    ResponderEliminar
  5. Ó miuda, precisar, o que se diz precisar... não preciso. Mas quem me diz a mim que um destes dias não quero meter um betoneira aqui entre a cama e a mesa de cabeceira??? Dava jeito ter um cimentinho para enfeitar a dita.

    PS - ficaste impressionada com a betoneira? Posso não saber de POS, mas de máquinas de construção sei eu.

    ResponderEliminar