quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Eu era feliz e não sabia


Sempre desejei ter o que não tenho. Passei grande parte da minha vida demasiado ansiosa com os objectivos que queria alcançar e com a vida que queria ter para conseguir efectivamente desfrutar aquela que tinha. E depois, quando finalmente, conseguia a tal vida ansiada, desejada e lutada, vinha a descobrir que, afinal, era só mais uma vida, nem sequer tão boa quanto aquela que eu tinha.
A minha mãe lidava com a esta inquietude minha suavizando-a com um conselho que me recordo de ouvir desde pequenina: “Cuidado com o que desejas, porque podes alcançá-lo”. No fundo, aquilo que na sabedoria popular é conhecido como o velho adágio “Só damos valor às coisas quando as perdemos”. Mas a forma mais sublime de expressar esta mesma ideia foi-me há dias recordada por um amigo, que, curiosamente, já me fez muito feliz a mim. E reza assim. “Eu era feliz e não sabia”.
Quantas vezes nos queixámos de amigos irritantes e até aproveitadores para depois mudarmos de cidade e sentirmos falta dos seus mimos e do seu apoio? Quantas vezes procurámos uma nova casa que substituísse aquele rés-do-chão bafiento e sem garagem para nos dormirmos num apartamento frio e húmido, onde nem os estores fecham? Quantas vezes maldizemos a nossa vida às 8h da manhã, no caminho para o emprego, mas mais tarde damos por nós sem nada para fazer às 8h da manhã, ao meio-dia, às 8h da noite, apenas muitos programas da Júlia Pinheiro e da Fátima Lopes para ver na televisão? Quantas vezes nos lamentámos pelas faltas do nosso suposto perfeito namorado, e agora que olhamos para o lado e não o vemos percebemos que na sua imperfeição tornava a nossa felicidade perfeita?
A história é esta:
Ela passou o tempo a dizer-lhe como a sua vida era desditosa, como ele era incapaz de a fazer rir, como cada dia era tão entediantemente igual aos outros, como nunca poderia aspirar àqueles momentos perfeitos que via nas amigas e nas vizinhas, como os filhos a fazia ficar mais velha e mais desgastada. Um dia ele cansou-se. Cansou-se das lamentações, das discussões, da frustração de não conseguir estar à altura. E disse: “Chega!”. Ela nem queria acreditar. Ficou ali no meio da sala parada a olhar para ele. E agora? Por breves instantes julgou-se livre com um passarinho e até lhe invejou a coragem de conseguir pôr fim àquilo que ela tinha suportado com pesar mas desprovida da valentia que lhe permitiria fugir. Mas depois passou um dia, e outro, e mais outro. Ela continuou sem se rir. Continuo velha e desgastada, as crianças continuavam irritantes. Os tais momentos felizes de contos de amigas – ou de contos de fadas talvez – nunca apareceram. E no meio de tudo isto, estava sozinha. À noite enroscava-se sozinha nela mesma, e com ela discutia, e dela se entediava. Porque naquele mundinho tão sozinho só mesmo ela existia. E assim, tão infeliz, percebeu o feliz que tinha sido.
Não que a felicidade e a infelicidade estejam assim tão separadas uma da outra. Na maior parte das vezes convivem juntas na mesma vida, ora se sobrepondo o sorriso, ora as lágrimas, frequentemente separados uns dos outros por um mero instante, uma sensação, uma palavra, um pensamento que seja. Ou nunca vos aconteceu estarem a saborear um daqueles momentos de intensa felicidade, que parece que não vão acabar nunca, mas depois uma resposta inesperada e acutilante é suficiente para vos deixar em estado catatónico? E a certa altura já não rimos por rir, mas rimos para não chorar.
Não que eu não admire a infelicidade. Admiro-a, e de certa forma até a desejo Reconheço que em boa parte esta minha sedução pela tristeza tem qualquer coisa de masoquista. Mas tem principalmente muito de pragmático. Porque se não fosse ela nunca conheceria a felicidade. Só consigo apreciar a alegria que enche a minha existência porque nem sempre a tenho comigo.
O bicho humano é o mais estranho de todos. Consegue ser tremendamente feliz e nem se aperceber disso, a não ser quando perde essa felicidade. Could it be more ironic?
Só sabes que é – perdão, eras – feliz quando deixas de o ser. Mas enquanto isso não acontece sentes-te a pessoa mais desgraçada, patética, miserável deste planeta.
Se assim é, quererá isto dizer que neste preciso momento eu sou, na verdade, dotada de uma felicidade extrema, mas não percebo? Serei eu hoje feliz sem saber?

4 comentários:

  1. Não se iluda, na verdade não é feliz e não é provável que venha a ser… eu acabei por não preencher as papeladas das cegonhas. Lol

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  2. Cito: "... e não é provável que venha a ser..."
    Sinto-me sempre incentivada pela fé que as pessoas tenham em mim!

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  3. Não é uma questão de fé nem foi uma afirmação em exclusivo para si, é apenas a confiança na inabalável capacidade que cada um tem de transformar o bom em normal e o suficiente em mau, transformando uma vida agradável numa existência miserável e sofrida.

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  4. Cada dia contém um momento de felicidade… Todos os dias é feliz, mesmo que não note: é feliz em cada momento que ri sem estar à espera, em que os seus olhos brilham e se sente bem consigo mesmo, em que num simples raio de sol pensa, “Vale a pena sair de casa”… A felicidade não é planejada, ela acontece diariamente em cada toque sincero, num acto de ternura… Ela simplesmente acontece!

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