sexta-feira, 24 de setembro de 2010
Todos sangramos da mesma forma
If you cut me, do I not bleed?
Frase recorrente dos filmes americanos. E a verdade é que – e a não ser que sejamos um daqueles super seres humanos que temem criptónio – todos sangramos da mesma forma, pelos mesmos motivos, com a mesma dor. Ou, recorrendo ainda a outra expressão tão cara aos anglo-saxónicos, todos vestimos as calças da mesma forma: uma perna depois da outra.
Após esta introdução quero começar a minha reflexão por uma afirmação sobe mim: Eu sou uma viajante. Gosto de andar por aí, de ver, conhecer, sentir, experimentar. Claro está que, não tendo muito dinheiro e estando sempre atolada em trabalho (que não de má dinheiro, curiosamente, mas isso é outra história) tive que encontrar uma forma inventiva de poder conhecer o mundo sem esfolar as minhas parcas poupanças nem me sentir rigorosamente em férias, o que seria catastrófico para uma workaholic como eu. De modo que viajo em trabalho. Sou sempre a primeira a candidatar-me para estas coisas, conferências aqui e ali, tudo o que me possa meter num avião e pôr-me a milhas (e pôr milhas também no meu cartão).
De modo que tenho a sorte de já ter estado em muitos sítios, uns mais estranhos e curiosos do que outros. Bem compreenderão que se eu meter o meu pezinho em França ou em Espanha, na Itália que seja, ninguém me pergunta “como foi?”. É que, basicamente, somos bastante parecidos. Mais churro menos churro, mais croissant menos croissant, mais cornetto menos cornetto, a coisa não difere muito das nossas farturas.
Mas volta e meia aterro em paragens mais longínquas, se não geograficamente, pelo menos culturalmente. Gente que no nosso imaginário tem um olho na testa, faz sacrifícios humanos e come criancinhas ao pequeno-almoço. A verdade é que alguns povos – pela sua história, pelos seus hábitos, ou mesmo devido ao pouco que sabemos deles – aparecem aos nosso olhos como bichos de sete cabeças.
E vai daí não cessam de me perguntar porque raio quero eu ir para lá, que interesse poderá aquilo ter, avisa-me para me desdobrar em cuidados não vá ser assaltada. E eu bem percebo estes temores. É que, obviamente, não existe país mais interessante do que o nosso, onde as pessoas não são assaltadas, muito menos pelo Governo. Mas, ainda assim, lá vou eu. Porque é muito diferente saber as coisas porque se leu num livro, ou mesmo se assistiu a um documentário do National Geographic, ou sabê-las porque alguém que lá esteve, as presenciou e cheirou, nos conta aquilo que viu e sentiu na suave melodia de um copo de vinho. De modo que vos posso assegurar com toda a ciência do mundo que, in the end of the way, we are all the same.
A minha amiga angolana explicava-me como fazer para manter o interesse do marido após um casamento de anos. Porque em todos os lugares do mundo as mulheres querem continuar a ser amadas pelos seus maridos.
O meu amigo mexicano vai religiosamente ao ginásio antes do pequeno-almoço, ensonado e quase de rastos. Porque em todos os lugares do mundo os homens bonitos têm medo de ficar gordos.
A minha amiga da África do Sul fala dos filhos como sendo o sol da sua vida. Vive para eles e por eles. Porque em todos os lugares do mundo as mães amam os filhos, talvez mais do que a si próprias.
O meu amigo de Cabo-Verde quase não sai quando a mulher viaja. Porque em todos os lugares do mundo até mesmo os maiores playboys se comportam como cachorrinhos quando se apaixonam de verdade.
Estou neste momento sentada no meu modesto quartinho na Trasilvânia onde, mais uma vez, vim em trabalho. Ora, que sabemos nós sobre os romenos? Sabemos que o Ceauşescu tinha em casa torneiras de ouro. Conhecemos um ou outro episódio escabroso das meninas romenas que entram e saem daquelas casas sérias na Duque de Loulé. E sabemos que durante anos e anos a fio foram um país fechado sobre si mesmo, gloriosamente fechado nas malhas do capitalismo. Ah, e agorinha falamos um bocadinho mais deles porque o Sarkozy nos recordou a todos que temos um problema por resolver, e que não basta enviar o povo cigano para a Roménia para dar a questão por concluída, porque isso mais não é do que esconder na pia a louça por lavar.
Mas eu sei um bocadinho mais do que isso. Sei que a minha amiga romena pará junto à montra das lojas e se queixa por não ter podido ir aos saldos, isto de ter filhos pequenos já se sabe… É que em todas as partes do mundo as mulheres param para admirar as montras. Mas deixam de fazer compras para acudir aos filhos. Sei que os meus amigos romenos se debatem com a questão de encontrar uma casa nova, que não fique longe do trabalho, nem do dele nem dela, nem da creche dos filhos, com uma preocupação exactamente igual à minha na busca da ansiada casa (bem, excepto na parte dos filhos, que aqui vamos substituir pelo “ginásio”). Porque em todas as partes do mundo as famílias tentam estar juntas. O comunismo, o pós-comunismo, o pós-whatever, não muda o ser humano. Também aqui as pessoas sofrem desgostos de amor. Vão às compras. Comem gelados. Ouvem U2.
Botton line: todas as pessoas do mundo deitam sangue quando a faca lhes escorrega das mãos ao descascar uma maçã. E se as magoarem muito fundo todas elas sagram cá dentro.
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