terça-feira, 21 de setembro de 2010

Só um bocadinho desastrada


Sou um bocadinho desastrada. Nunca atropelei ninguém, mas já perdi a conta aos beijinhos que dei com o carro. Nunca perdi a cabeça, mas vivo cheia de nódoas negras, uma mulher maltrada pela sua própria deselegância. Nunca quebrei nenhuma peça de museu, mas venho rachando a lascado tudo o que atravessa no meu caminho.
Senão, passemos em revista os incidentes desta semana:
Em dia indefinido durante esta semana fui comprar pão antes de chegar ao lar, doce lar, após a labuta diária, e no momento de pagar ia deitando abaixo o inteiro estandarte junto à caixa. A estrutura começou a tremer, mas a coisa, felizmente, ficou por ali, Baixei os olhos, esbocei um sorriso tímido e lá pedi desculpa, acrescentando ainda, em jeito de explicação, que sou um bocadinho desastrada.
Na 5.º feira estava eu no cabeleireiro a fazer as unhas (um grande bem-haja aos amiguinhos brasileiros), fazer o buço (sim, até eu, este colosso de mulher, tenho buço) e arranjar as sobrancelhas, e a meditar na vida, enquanto a menina de serviço me espalhava cera quente pela cara. Sentada na cadeira de lavar cabeças, com a dita encostada para trás para facilitar o trabalho de arrancar o pelo onde deve ser arrancado, começo eu a pensar se me devo ficar pelas unhacas da maneta ou antes tratar dos pés também. É que em regra sou eu que pinto as minhas unhas dos pés, na convicção de que ninguém vai olhar muito para as sacaninhas e para aquelas pinceladas de verniz que me entram pela pele dentro, que eu nunca fui muito de colorir dentro do risco. Naquela posição indefesa decidi que devia confirmar o estado dos pezinhos. Mas como não podia levar os olhos ao pé a única solução era levar o pé ao olho. Vai daí, levanto a perna tão alto quanto a minha agilidade de ex-ginasta russa me permite - e, acreditem, ainda é bastante porque até consigo chegar tocar com o pé na cabeça, e eis senão quando dou por mim a dar um pontapé monumental na mesinha da manicura, fazendo voar pelo cabeleireiro vernizes, limas, tesouras, algodão, a tacinha da água tépida. No meio do silêncio que se seguiu a este episódio alguém disse “pode acontecer a qualquer um”, mas logo de seguida outro alguém argumentou que, porém, nunca tinha acontecido.
Para coroar esta semana profícua em malabarismos físicos a cereja no topo do bolo foi a conferência. A coisa começou mal ao almoço, quando outra mão desastrada que não a minha me encheu de vinho tinto. Sim, nem vinho branco, nem leite, nem cerveja. Só vinho tinto. Que, como toda a gente sabe, custa mais a sair da roupa do que eu a sair de uma sapataria. Prestes a iniciar a minha intervenção ele era tintol por mim abaixo, de tal forma que até a minha roupa interior me fazia recordar um dia de menstruação. E o cheiro… digamos apenas que poderia ser confundida com uma jovem inglesa em férias no Algarve. Pensei de mim para mim que não seriam aqueles pouco-pequenos incidentes a perturbar a minha concentração. De modo que lá fui, formosa e não segura, fazer a minha intervenção. Literalmente não segura, porque depois de ter apresentado tudo sem me atrapalhar, lá vou a sair do púlpito dos oradores, atrapalho-me com os saltos altos (mais valia ter levado umas ballerinas) e tropeço de uma tal forma que fui cair nos braços do conferencista ao lado que, por uma nesga de sorte me estendeu de facto os braços, senão tinha-me estatelado no chão. Seria, certamente, a intervenção mais memorável de todo o congresso, apenas não pelos melhores motivos.
Ora, quando regressava a casa num daqueles Alfas que me matam de enjoo com tanta oscilação pensava para comigo em que noutros planos se manifestava esta minha “desastreza”. A verdade é que eu não passo a vida apenas a cair para cima das coisas. Parece que também caio para cima dos meus planos, das minhas aspirações, das coisas boas que tenho. Os meus tropeções e as minhas cabeçadas não ma fazem só galos na cabeça, mas sobretudo no coração. Sim, sou um desastre ambulante. E a própria existência parece um desastre desse tipo, porque as coisas boas tendem a durar-me pouco antes que eu as auto-boicote, as pise, as deite abaixo.
Estou a tentar disciplinar-me. Ser mais cuidadosa. Mais atenta ao que me rodeia. Também na vida e nas relações tento andar com mais cuidado. Acontece que quem nasce com pata de elefante dificilmente passa a pézinhos de lã.
Sou só um bocadinho desastrado. Têm que me amar assim mesmo.

1 comentário: