sábado, 18 de setembro de 2010

Não sou tão inesquecível assim


Há momentos em que dou por mim a pensar que se desaparecesse neste momento tudo parava. Enfim, o metro continuaria a andar, o Carlos Queiroz continuaria a fazer-se de Calimero e o Sporting continuaria a perder, porque há coisas que nunca mudam. Mas a vida das pessoas que gostam de mim parariam. Essas vidas, na minha fantasia paranóica, ficaram semi-devastadas pela minha ausência.
Acho que a primeira vez que esta ideia me passou pela cabeça foi em vésperas da minha ida para Angola, quando comecei a meditar em quão triste e vazia seria a vida dos mais papás sem mim, filha única desde que nasci. E senti-me quase, quase, culpada por deixá-los sozinhos. Mas eis que os dois se aproximaram ainda mais, e tenho para mim que desde essa altura vivem existências mais bem preenchidas, quase como namorados casados há mais de 30 anos. Depois, pensei nos meus amigos, aqueles que tão estupefactos e tristes ficaram no dia em que anunciei a decisão de partir. Admito a hipótese de terem ficado apenas estupefactos, e de eu ter confundido com tristeza o espanto por tão insana e súbita decisão. O certo é que as suas respectivas vidas continuaram de forma plácida e serena, namoraram e desnamoraram, casaram, tiveram filhos, mudaram de casa, de emprego e de cidade (de sexo, creio eu que nenhum), e quando regressei, esperando encontrar a minha vida tal como a deixara, como se o tempo tivesse parado ali, eis que dou por mim num mundo novo, uma espécie de 6.º dimensão, onde toda a gente tinha metido a vida a andar e a avançar. Sem mim. Porque, afinal, ninguém é insubstituível.
Ainda há bem pouco tempo voltei a reviver esta traumatizante experiência. Peguei nas armas e bagagens (nunca percebi a expressão da “mudança de armas e bagagens”… é suposto levar comigo a caçadeira do meu pai?) e rumei a uma cidade diferente, onde conhecia duas ou três almas, e onde, once again, comecei do zero, do menos um, direi mesmo. Nos momentos mais difíceis batia à “porta” dos amigos que deixei para trás. Não havia telefone, mail ou sms que aguentasse a força da minha solidão e das minhas saudades. Para espanto meu todas essas pessoas continuaram as suas vidas como eu se eu nunca tivesse feito parte delas. Quando lhes ligava estavam soterradas por agendas ocupadíssimas. Ou tinham outra chamada em espera. Ou respondiam por monossílabos. E quantas vezes ouvia eu o som de um teclado do outro lado da linha enquanto lhes abria o coração ao telefone.
O que mais estranheza me causa é que parece que as pessoas que mais toquei foram aquelas que menos tempo conviveram comigo. Ainda hoje mantenho amizades fortes e firmes com amigos de outros países, com os quais convivi meros dias, semanas ou meses. Já os amigos de longa data parecem ter-me apagado das suas memórias. Que quererá isto dizer? Serei eu melhor na versão “amostra de perfumaria” do que na versão “frasco inteiro”? Será que as pessoas se apaixonam por mim à primeira vista mas se desenganam à segunda?
Porque ficarei eu triste quando parto? Porque deixo de ter as pessoas na minha vida? Porque deixo de ocupar a vida delas? Porque sinto que as abandono? Ou porque me dói que não se sintam abandonadas?
E assim se mistura o sentimento de culpa com megalomania e egocentrismo. Confesso: custa reconhecer que não sou o centro do mundo. Nem sequer o centro do mundo de alguém.

5 comentários:

  1. Não sejas tótó!
    Sentimos todos a tua falta. Até eu... que se pode dizer ter conhecido mais a versão amostra de perfumaria que frasco inteiro :) Por isso é que vamos falando de ti, de como estarás... Por isso é que quase toda a gente vem ao blog... mesmo que não comente... Por isso é que, às vezes, quando bebo café pelas chávenas que deste à D. e ao G., tenho uma certa pena de não te ter conhecido melhor, de não estares mais naquele grupo quase tribo que se formou. Porque de certezinha que ia valer tanto a pena...
    Beijinhos, oh lamechas :)

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  2. Ohhh... agora fiquei de lágrima ao canto do olho!
    Espero que ao menos me guardem um toucado de penas e um cachimbo como membro honorário da tribo.

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  3. Sabes... por vezes dou por mim a pensar exactamente no mesmo. Não que me importe significativamente que os outros me esqueçam, se o fizeram é porque afinal não gostavam assim tanto de mim. E quando falo em esquecer, é esquecer mesmo... porque tenho amigos que, apesar de não darem noticias ou perguntarem como estou, podemos não nos ver durante um ano inteiro e no jantar de natal ou na visita fugaz das férias estão lá de braços abertos prontos a continuar a conversa que deixámos a meio.

    Esses devaneios começam normalmente com a célebre expressão popular "Quem não aparece... esquece" e sempre que penso nisso chego à conclusão que não é por essas pessoas terem vidas muito ocupadas ou preenchidas (por vezes até é exactamente o oposto) é por razões tão diversas e muitas vezes tão improváveis como rancores por pensarem que nós é que deixámos de comunicar ou nos afastámos, não gostarem efectivamente de nós, não gostarem de ninguém além delas mesmas... and so on... E ultimamente dou comigo a achar que de talvez seja porque as pessoas são más, foco desiludido, triste e deixo de penar nisso!

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  4. Olá!
    Muito triste, mas muito belo o seu texto! Me identifiquei bastante, tenho pavor de solidão...
    Passe lá pelo meu blog: http://querocorrercomoslobos.blogspot.com
    Beijos
    Vero

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