terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ponto de açúcar


Não sei se alguém aqui é versado em culinária. Eu, de todo, não sou. Mas tenho algumas ideias de algumas coisas que aprendi a ler alguns livros, e que aprendi melhor ainda com alguns desastres de cozinha. Uma delas é esta: pontos de açúcar não são coisa simples de fazer.
Não pode ferver de menos ou fica uma caldela líquida com um bocado de açúcar no fundo do tacho. Não pode ferver de mais ou acabamos com uma pasta castanha e peganhenta em mãos, tipo sola de sapato agarrada ao tacho. Bottom line: é tudo uma questão de equilibro.
Correndo o risco de recorrer a uma comparação corriqueira vou dizer o óbvio: as relações são como um ponto de açúcar e também elas precisam desse equilíbrio perfeito, o qual varia de uns para outros.
Creio que grande parte de nós parte do seguinte principio: as relações começam bem e terminal mal. De modo que se não estão bem agora tudo o que pode acontecer é piorarem ainda mais e descerem numa desesperante espiral.
Este é o dogma. E devidamente fundado em factos da vida real, diga-se já. Porque a verdade é que grande parte das relações que conheço, e nas quais estive envolvida até, começou como um conto de fadas e acabou como um filme do Freddy Krueger.
De início tudo é simples, todos os defeitos são suportáveis e como ainda não estamos suficientemente à vontade esforçámo-nos para esconder as nossas próprias falhas e contemo-nos até à unha do pé para baixar o nível de exigências. Mas passados uns meses o verniz estala tal qual o verniz de uma unha pintada há mais do que uma semana. De repente aquele barulho que o outro faz enquanto come batatas fritas torna-se ensurdecer, as suas pequenas manias são demasiado irritantes para ficarmos calados, já não estamos para aturar saídas com amigos nos sábados à noite nem projectos de férias a solo. Entretanto deixámo-nos engordar, não pomos os pés no ginásio há décadas e os serões são passados a comer bolachas. Cada vez estamos mais rezingonas/rezingões e até já nos damos ao luxo de opinar sobre a família dele, e (como nos atrevemos?), sobre os amigos dele, o que é praticamente um crime de lesa pátria.
O desfecho? Adeus, foi bom enquanto durou. Ou melhor, foi bom ao início e mau no fim.
O contra-dogma: há relações que evoluem exactamente ao contrário. Isto é, começam, como uma brincadeira de uma noite, amigos de almofada que se juntam para you know what e que dão por si num clima de Romeu e Julieta de fazer apaixonar as pedras da calçada. Outras começam para criar ciúmes a ex’s e ex-ex’s, uma coisa encenada e forçada, e de repente acordam um dia apaixonadas e felizes. Outras vezes a coisa começa como uma autêntica guerra, em que cada uma das partes quer exactamente aquilo que a outra não quer, as discussões sucedem-se todos os dias… até ao dia em que não discutem mais.
Tudo isto acontece também na vida real. Este último cenário é, para mim, o mais bizarro, mas atesto que a coisa se dá exactamente como a descrevo.
A coisa passa-se como conto. Logo após o brevíssimo período de lua-de-mel o drama instala-se. Tudo é motivo de discussão, desde o lixo que ficou em casa até um jantar de aniversário. Chega a um ponto que não percebemos porque estamos sequer juntos tal é o abismo que nos separa. Claro que cada discussão mais aguerrida traz consigo novas promessas de mudança, mas a verdade e que é muito difícil mudar porque nenhuma das partes tem razão ou deixa de ter, simplesmente, não foram feitos um para o outro. De modo que parece que a única forma de a coisa correr bem seria mudando a pessoa que cada um ou, uma alternativa mais simples e fazível, fazer a trouxa e ir cada um à sua vida.
Depois um dia tudo muda. Um dia banal. Nenhum deles esteve às portas da morte e viu a luz, e que eu saiba tão-pouco se deu a visita do anjo Gabriel. Ou seja, nada de extraordinário aconteceu. Ou melhor, uma coisa extraordinária aconteceu, mas sem que exista algum extraordinário evento para a explicar. É como se alguém estivesse a mexer este tacho e tivesse subitamente encontrado o nosso ponto de açúcar.

1 comentário:

  1. Todos os meus relacionamentos (sérios) sempre foram com amigos de infância, pessoas que me conhecem melhor que todos os outros. Note-se que nem esse conhecimento prévio leva à estabilização da relação… penso que a única vantagem é saber ‘toda’ a história de vida da contraparte. Tudo começa bem, tudo acaba mal… mas nunca prometi mudar por saber que tal seria quase impossível. Por isso caminho em frente, sem promessas de mudanças e ouvindo música: “Preciso agora de um bem/pode ser que amanhã eu me esqueça/ e a olhar da janela de um trem um novo amor me apareça” (Jorge Palma/Pierre Aderne). Até que dias melhores brotem.

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