quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Aquilo que não me incomoda na Casa dos Segredos


Parece que durante meses a fio metade de Portugal andou presa das palavras e dos actos de uma certa casa cheia de gente insana. Note-se: não mais insana do que qualquer um de nós. Poderemos dizer que aceitar submeter-se a tamanha experiência sociológica e psicológica denota fraquíssima capacidade de discernimento, mas, certamente não muito menor do que a demonstrada pelo bom povo português em diversos actos eleitorais. Ou a demonstrada por todos aqueles que perderam serões a ver quem comia quem e quem era comido por quem.
Ora, devo começar por dizer que nunca, até à noite da cerimónia final, pousei os meus olhinhos no programa. E não o digo por vergonha ou por um falso sentido de superioridade intelectual. Não vi porque nem percebi bem a ideia da coisa. O que sabia do dito era o que aparecia escarrapachado nas capas de revistas e dos comentários que apanhava nas conversas alheias. Por isso parece-me ainda particularmente estranha a forma como o ecrã de televisão me hipnotizou enquanto um grupo animado ali ao meu lado se preparava para as festividades do último ano das nossas vidas. Eu queria deixar de ver aquilo. Queria mudar de canal, ligar um som, encher-me de caipirinhas… e no entanto fiquei viciada no espectáculo da vida real.
Podia manifestar aqui a minha pouco abonatória opinião sobre algumas das personagens da casa. Podia. Mas não vejo necessidade disso porque já toda a gente manifestou as suas opiniões, cada uma mais ofensiva do que a outra, de modo que a minha seria apenas mais uma opinião ofensiva, porventura nem conseguiria ser a mais ofensiva de todas elas, de modo que se diluiria na multidão de opinião de psicólogos de bancada e críticos televisivos de sofá. Depois, porque me arriscava a ter um processo em cima, e neste momento não me da jeito pagar indemnizações.
Porém, dada a fraca experiência de espectadora não tenho muito para dizer sobre a casa. Segundo consta é um drama horrendo, cruel, pornográfico e aberrante. Além do mais – e creio ser esse o seu maior vício – desinteressante. É que tanto quanto sei (e sei o que está oficialmente no site) os segredos daquela malta são capazes de fazer adormecer um hiperactivo em último grau de entediantes que são.
Desde quando ter sido salvo por um milagre é um segredo? Só se for um dos segredos de Fátima, vá lá. E o facto de se ser um casal com outra pessoa da casa? Só é segredo porque se omite, mas a verdade é que a publicidade que rodeava o programa dava a entender que teria daqueles segredos bem secretos que não podemos contar a ninguém, de tão obscuro e escabroso, e não simplesmente de factos que são omitidos porque a produção do programa assim o dita, mas que todos aqueles que fazem parte do nosso circulo já conhecem. Mas o mais ridículo deste leque de segredos pobrezinhos é o daqueles que fingem ser um casal porque a produção assim o diz mas afinal… não são. Please….!!! Aquele batalhão de gente iluminada da TVI não arranjou gente mais interessante para meter no programa? Ou será que o requisito era ter mamas grandes e muito pouco pudor em as mostrar? Às mamas ou ao que seja, diga-se já, porque segundo parece o show televisivo tornou-se mais famoso por um célebre puxar de collants levantando a saia acima da cabeça sem ter roupa interior por baixo (convenhamos que se era para mostrar deveria ao menos estar limpinha e depilada) e por uma sessão de sexo-oral-ai-não-era-porque-afinal-só-lhe-estava-a-dar-beijinhos-na-barriga-mas-gosto-de-ir-subindo-ebaixando-a-cabeça-no-entretanto do que pelos segredos que, in the end of the day, eram o objectivo daquele circo todo.
Vai-se a ver e melhor teriam feito os produtores em ter enviado lá para dentro o suposto filho do suposto estripador e já não precisavam de recriar uma cena digna de Linda Lovelace na Garganta Funda para conseguir audiências.
Segredos mórbidos, sumarentos e arrepiantes. “Ah, sou uma freira transexual”. “Ah, gosto de batatas fritas com bife de carne humana”. “Ah, tenho quase 30 anos e sou virgem”. Espera, este era mesmo um segredo da casa. Afinal a coisa lá se salva.
Em suma, a mim nada me incomoda. Nem as cenas de sexo e os palavrões. Se é suposto ser o drama da vida real não se está à espera que digam “Com a breca, que maroto” e que passem as noites a jogar xadrez. A vida real não é uma série dos anos 60. Quem não quer ver não vê, desliga a televisão ou muda de canal. Nem sequer me incomoda que por lá ande uma senhora que esteja indecisa se África é um continente, um país ou mesmo uma nova cor de batom (e porque não?). Mais uma vez, o drama da vida real exige pessoas reais e quem conhece minimamente o bom povo português sabe que por estas bandas há mais um ou dois cidadãos como ela. Ou um ou dois milhões talvez. O que me incomoda é a pobreza dos segredos.
Ah. E já agora, incomoda-me também que estas beatas de meia tigela se incomodem tanto com as pilinhas e os pipis, e de certeza que até argumentaram que pode haver criancinhas a ver aquelas coisas feias e que assim ficam a saber os mistérios dos birds and the the bees. Mas depois ninguém se incomoda com a violência, o racismo e a fome que constantemente invade os canais. Incomodem-se antes com isso. Fuck and let fuck so to say.

1 comentário:

  1. Se houvesse segredos do género: "Fui eu que raptei a Maddie" ou "Fui eu que matei o Sá Carneiro", até era capaz de ler os resumos do programa numa dessas revistas enquanto estou no cabeleireiro....

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