domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cinderela pregando aos peixes


Se a Cinderela fosse o Padre António Vieira também pregaria aos peixes. Não para mostrar as desvirtudes humanas, ou para que tenha especial apreço ou especial desprezo pelos peixes (pelo contrário, gosto muito de um peixinho), mas porque muitas vezes entramos em conversas onde o nosso interlocutor está ao nível de um peixe que, como sabe, não é uma criatura especialmente inteligente. Excepto o golfinho, alegarão agora os peixes, o que bem demonstra o peixes que são, já que o golfinho é um mamífero.
É claro que nem todos os interlocutores têm necessariamente que estar ao nosso nível intelectual. Alguns são um bocadinho mais inteligentes que nós, outros um bocadinho menos inteligentes, e assim vamos passando os nossos dias, umas vezes aprendendo, outras ensinando.
Depois temos as não-conversas. As não-conversas são basicamente discussões de assuntos com peixes. Isto porque a pessoa do outro lado da conversa não faz a puta ideia do que se está ali a discutir e a certo ponto damos por nós a pensar: “que raio estou aqui a fazer?”.
Comecemos por esclarecer que sou uma das pessoas mais tolerantes que conheço no que respeita às opiniões. Irrita-me até à unha do pé gente que parte para uma conversa com o intuito de evangelizar. Isto porque não há coisa que mais aprecie do que um bom esgrimir de argumento. Pode dar-se o caso de no final da batalha argumentativa a outra parte acabar por me dar razão e lá fico eu feliz e contente. Ou então sou eu que lhe dou razão a ela, e fico ainda mais feliz e contente porque naquele dia adquiri uma nova perspectiva das coisas. Mas em regra a coisa termina com um “we agree in disagree” e cada um vai à sua vida ciente das suas convicções.
Assim é que eu, que acho que o embrião não é pessoa, tenho amigos que defendem acerrimamente que sim. Eu, que sou pelo amor entre as pessoas, qualquer que seja o sexo, porque não é o género dos cônjuges que faz um casamento, tenho amigos que acham que este é um negócio jurídico reservado a um homem e a uma mulher. Eu, que adoro sapatos, tenho amigos que detestam futilidades. Eu, que sou lagarta, tenho amigos lampiõeozinhos. E idem, idem.
O que quero dizer com isto é que estou habituada à discordância e à discussão. Não sou intransigente com aqueles que pensam de forma diferente. Muito pelo contrário, são aqueles que se situam no extremo oposto do meu leque de valores que mais coisas me ensinaram e já por diversas vezes me fizeram questionar muitas das ideias que tinha como assentes na minha cabeça.
Mas – e este é o tal MAS – esses outros têm que pensar. Recusou-me terminantemente a desperdiçar os meus argumentos com gente que atira umas larachas e lhes dá foros científicos. Que pretende impõe uma ideia mas sem se preocupar em justificá-la. E incomoda cada caracol meu os supostos salvadores da pátrias, os mensageiros divinos que clamam pelos direitos das criancinhas, dos embriõezinhos, das beatazinhas que vão à missa para dizer mal do senhor padre, das mocinhas virgens que se dedicam ao cybersex, dos paizinhos de família que batem na mulher e na amante. É que quem hasteia com tão vigor a bandeira da moral e dos bons costumes faz-me duvidar dos bons valores que marcham naquelas cabecinhas.
Dito isto, devo dizer que é sempre com grande moléstia intelectual que ouço certas vozes espalhar a sua infinita sapiência acerca da maternidade de substituição. E enquanto a ouvia falar daquela vil corja das pessoas inférteis que se aproveitam das coitadinhas das mães de substituição pensei para mim mesma que os canais televisivos deste mundo devem atirar à sorte quem vão convidar para debater as questões, porque só assim se explica a presença da dita num debate de tão suma importância. Caramba, como é que lhes dão tempo de antena quando há por aí tanta gente interessante para ouvir rebater as minhas ideias?
Note-se: defender a proibição absoluta da maternidade é uma posição perfeitamente legitima, tanto quanto a minha o é. E de certeza que existem bons argumentos para a sustentar, embora eu não veja quais. Simplesmente, de certeza que serão pregadores destes que me os irão explicar, porque quem compara a maternidade de substituição à escravatura e ao tráfico de pessoas nitidamente entrou num patamar de devaneio com o qual não posso pactuar. Quem me diz que os homossexuais não podem adoptar porque são todos uns tarados pedófilos que iriam abusa das criancinhas está para além de toda a discussão, de toda a troca de ideias, enfim, da intelectualidade tal como a conheço.
Para mim, que venho de uma escola de argumentação, de retórica, de debate de ideias, entrar neste tipo de argumentação é qualquer coisa de inconcebível. Mais depressa descaço eu os meus sapatinhos e vou pregar aos peixes. Certamente daria o meu tempo por mais bem empregue.

10 comentários:

  1. apelidar de vil corja os que têm opinião discordante da sua, não é lá grande sinal de gosto pela troca de argumentos...

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  2. Eu até aprecio a crítica aos escritos de moi meme, mas de preferência que me leiam bem. Percebem quem eram a tal "vil corja"? é que eu
    às vezes recorro a uma coisa chamada s-a-r-c-a-s-m-o.
    De qualquer forma obrigada por ler, ainda que não gostando.

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  3. Não lhe chame sarcasmo, nem a cara Vera acredita em tamanha laracha, de que chamar vil corja era sarcasmo....É notório que despreza quem não lhe dá luta na argumentação.
    Não disse que não me agradava a sua escrita, antes pelo contrário, apenas aproveitei o facto de a Vera ser previsível... sabia que iria reagir ao comentário e como tal dar inicio comigo ao que chama de troca de argumentos...

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  4. Bem, não posso falar por si mas eu tenho hábito de reagir quando me atribuem coisas que não disse. Por isso que lhe peço que, se tiver paciência, leia de novo o texto e tente perceber qual o sujeito a que se refere a "vil corja".
    Note bem, as criticas são coisas boas no sentido em que são sinal de que somos lidos. Mas eu posso aceitar a crítica de quem me leu linha por linha e não na diagonal.
    Desculpe se fui previsivel na minha resposta, mas eu escrevo para falar com aqueles que me lêm, não para ignorar

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  5. Porque haveria eu de a ler na diagonal? Eu gosto do que escreve, e faço-o de forma atenta, gosto do toque de superioridade intelectual que transmite, Portugal está repleto de falsas modéstias.
    Porém e queira me desculpar, quando diz que quem está contra a maternidade de substituição tem em mente que as pessoas inférteis são a vil corja... digamos que é redutor para com quem tem opinião distinta da sua...

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  6. Não tenho nada contra a sua opinião, nem mesmo sobre a “tal pretensa superioridade intelectual”. Cada uma faz as interpretações que bem entender. Agora, a de não entender a que sujeito se refere a tal “vil corja”... é deixa-me perturbada. Mas não vou alimentar este “diálogo” com uma pessoa que não conheço, não me conhece, e com a qual nem sequer consigo aquele mínimo de entendimento para prosseguir uma conversa. Somos o que se diz "INCOMATIVEIS".

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  7. O entendimento está todo cá, apenas estou a tentar o seu instinto de reagir, e ao que parece funciona! Eu continuo a dizer que gosto do que escreve e mais, concordo consigo na maioria. Como pode dizer que somos "INCOMATIVEIS" se tal como disse, e muito bem, sou um anónimo que nem conhece...

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  8. Isso é que não percebo. O desocupada e entediada que pode estar uma pessoa quando não tem nada melhor para fazer do que "tentar o instinto de reagir" de outra, mas ao invés de o fazer com argumentos que fazem sentido imputa-lhe coisas que ela não escreveu, sabendo, obviamente, que é um golpe baixo. Sobretudo porque eu falaria consigo da mesma forma se me imputasse coisas que efectivamente escrevi e talvez me desse até de reler o comentário antes de o publicar para não ser... como disse... incomativel, que certamente deve ser uma coisa incomestivel que me passou pela cabeça na altura.

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  9. Não sei porque acha assim tão descabido e uma perda de tempo tentar o seu instinto, quando a Vera escreve com toda a certeza que também pensa em quem a lê, o gosto pelo inflamar do ego está na natureza humana, e quando escreve tem vontade de ser lida, tal como eu tenho quando aqui comento.
    A Vera lá saberá aquilo que considera incomestivel, mas com certeza não era o meu comentário, pois acabou por o "comer" e dar-lhe troco...

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  10. Apenas para dizer que passei por aqui novamente a ler os seus posts...

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