sexta-feira, 29 de outubro de 2010

First dates: do júbilo à angústia


Ah, a magia dos primeiros encontros. A vaga sensação de que a nossa vida pode mudar depois daquela noite, quando acreditamos que tudo é possível, desde primeiros beijos à luz das velas até setas de cupido a atravessar aurículos e ventrículos. Para depois cairmos na realidade passado um mês, uma semana, ou mesmo umas horas, quando descobrirmos que aquele é, afinal, só mais um desgraçado à procura de sexo e uns copos, com alergia a compromissos e incapaz de pronunciar um “até que a morte nos separe”. Mas durante breves instantes tudo isso foi uma realidade na nossa cabecinha tonta.
Tudo começa com aquela excitazãozinha, aquele frio na barriga, cá dentro tudo a borbulhar como se fosse uma taça de champanhe. Segue-se o pânico: o que vamos vestir? O que vamos dizer? Como reagiremos a uma rejeição? Caramba, ainda hoje me pergunto como é que alguém sobrevive a estes tormentos.
Não sei ao certo como a coisa se desenrola no masculino, mas para nós, meninas, os preparativos começam cedo. Afinal, queremos ir apresentáveis, elegantes, sexys, mas não vulgares. Mostrar pele, para dar a entender que debaixo deste colosso intelectual está uma hot babe. Mas não demais, não vá o tipo pensar que lhe estamos a dar luz verde para encontros carnais na primeira noite. É que ainda que essa ideia nos passe pela cabeça todos os manuais a desaconselham vivamente, sob pena de nunca mais nos livrarmos da etiqueta de “miúda que papei logo que a conheci”. É triste, tacanho e patético, mas é mesmo assim. Ai, quão mais fácil é a vida para os meninos, especialmente num país de machos latinos, onde sexo na primeira noite não só é aceite, como incentivado.
Continuando, temos a questão do cabelo. Tenho para mim que deve ir solto, para causar mais impacto. Maquilhagem para nos esconder as imperfeições, mas que não nos esconda o sorriso. Saltos altos são imprescindíveis. Faço notar que podem perfeitamente ir de ténis, jeans e boné, e estou até em crer que a coisa correria melhor, porque logo à partida descobriríamos se o tipo está interessado na nossa inner beauty, ou nas nossas inner clothes. Mas perdia-se boa parte da magia do first date. De modo que desde que o mundo é mundo que as meninas se enchem de glamour para a baralha do primeiro encontro.
O meu maior problema sempre foi delinear a conversa. É que nos primeiros encontros há que fazer conversa. Um silêncio mais prolongado pode matar qualquer hipótese de passarmos 20 anos juntos. Ora, aqui é que me defronto sempre com problemas, porque acho as conversinhas do primeiro encontro mais complicadas que a tese de doutoramento. Senão, vejamos: há que ser suficientemente interessante para o tipo não nos confundir com uma alga, mas não tão interessante a ponto da boa da alminha se sentir intimidada. Este é um equilíbrio dificílimo de alcançar, que repousa no difícil ponto arquimédico do “quanto baste”. Estou profundamente convicta que os homens não gostam de mulheres estúpidas, limitadas, dependentes, passivas, fracas. Admiram uma personalidade forte, dois dedos de testa, sentido de humor, uma carreira. Mas, alto lá! Nada que os faça passar para segundo plano. Por isso muita atenção no momento de falar dos vossos feitos, dos achievments no trabalho, nas viagens sozinha, enfim, nessas coisas todas que nos tornam tão especiais.
No fundo, o primeiro encontro é quase como uma entrevista de emprego, onde dispomos de pouco mais de uma hora (uma longaaaa entrevista de emprego!) para fazer com que o fulano fique com vontade de nos ver de novo, e de nos contratar, a título permanente, para sua cara-metade. Com a diferença de aqui não há referências nem CV’s que lhes possamos esfregar na cara. O que, diga-se de passagem, até me beneficia, porque o meu Curriculo Vitae amoroso revela, na verdade, um bicho muito complicado.
Vai para mais de um ano que não tenho um primeiro encontro. Mas já passei (ou penei) por vários e todos eles foram, de certa forma, memoráveis. No sentido negativo da coisa, entenda-se, ou não fosse eu dona de uma vida bastante desengonçada.
Recordo hoje com um sorriso (mas na altura com muitas lágrimas e soluções à mistura) o meu first date depois de muito tempo. Estava completamente destreinada! Sei que dizem que nunca se lhe perde o jeito, que é como andar de bicicleta, mas em abono da verdade nunca fui grande ciclista. Pois bem: a tarde inteira a escolher uma roupa que me tornasse apetecível, mas não demais. Vi-me ao espelho, ensaiei posses, combinei com o meu melhor amigo a melhor estratégia de conversação, sentei-me e levantei-me do sofá. Até que finalmente chega a hora e entro no carro de uma pessoa que mal conheço, naquela vã expectativa de que seja o último encontro do resto da minha vida. Tremia tanto naquele carro que me parecia que ele iria ouvir o pum-pum do meu coração. Mas a noite até decorreu de forma bastante agradável. Nunca nos faltou conversa e rapidamente me senti suficientemente confortável para falar de mim, sem encenações nem fachadas. Olhos nos olhos toda a noite, e no final até selei a despedida com um beijo, quase uma amostra do que poderia, eventualmente, hipoteticamente, vir a suceder. Depois, sentada no sofá, telemóvel nas mãos, esperei em vão por aquela mensagem que definitivamente nos dá a pontuação da noite. É dado comummente aceite pela comunidade cientifica que depois de um bom primeiro encontro se recebe uma mensagenzinha a dizer qualquer coisa do tipo: “Boa noite, gostei muito”, ou “Quando repetimos?”, em suma, uma reacção positiva às nossas hormonas. Na ausência da mensagem, mais vale apagar o número. A minha nunca chegou. Em desânimo limpei a maquilhagem, vesti o pijama e, voltei para o meu ritual nocturno: trabalho. De repente o meu msn começa a piscar e o meu acompanhante lá escreve finalmente que gostou muito de noite, ect e tal, mas a páginas tantas deixa escapar que não éramos compatíveis. Que eu era demasiado confiante, disse ele. Que se tinha sentido intimidado, argumentou ele. Que não estava habituado a mulheres como eu, explicou-se ele. Uau, a rejeição dói! Especialmente quando se traveste com as minhas melhores qualidades. Desde quando ser confiante, bem-sucedido e batalhadora é um handicap? E, cheguei à conclusão que nunca deixamos de ser aquilo que somos, e que eu iria o resto da minha ser, simplesmente, too much.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Show me the money


Há tópicos que se devem evitar, sob pena de levarmos com um olhar de esguelha no meio da conversa: diarreias, prostituição, esgotos, cancro ou qualquer outra doença potencialmente mortal, pornografia, lixo e dinheiro. Não falamos destas coisas, nem sequer as referimos em voz alta, guardamo-las para aquele espaço privado que é o nosso pensamento. E se calha a virem à baila em qualquer converseta, mais vale pronunciá-los de forma breve e indolor, preferencialmente baixando o tom de voz e pousando os olhos no chão ou, em alternativa, olhando desconfiadamente e como um esquilo para todos os lados, de forma suspeita. Alguns destes temas estão proibidos porque nos enojam, outros porque nos amedrontam, e outros, mais estranhamente, porque nos seduzem mais do que gostaríamos e do que conseguimos confessar perante os outros. O dinheiro encaixa nesta última categoria.
Há umas semanas atrás dei uma conferência onde toda a minha audiência era composta por médicos. Eu bem avisei que ia ser provocadora nas minhas palavras, mas mesmo assim os pobrezinhos ficaram de olhos arregalados ao ouvir-me dizer que a medicina era um negócio. How did I dare? Pois se todos sabemos que os médicos, tal qual outro qualquer mortal, vão trabalhar de manhã por pura abnegação pessoal, bondade caritativa e amor ao próximo. Isto é, atendem pacientes (chatos, hipocondríacos e doidos) pela bonita cor dos seus olhos.
Ora, como já tantas vezes disse, eu sou uma médica aprisionada no corpo de uma jurista. Vale isto por dizer que admiro imenso os médicos, me encanto com as suas palavras e cada dia aprendo qualquer coisa com eles. Por isso me sinto tão confortável em olhá-los nos olhos (e foram centenas de olhos) e dizer-lhes que, efectivamente, o que eles fazem é um negócio, uma indústria, e assim deve ser regulada. A questão é que os médicos, como o comum mortal, não suportam ser acusado de gostar de dinheiro. De querer ganhar dinheiro. Como se este intento excluísse o outro, ao qual se vincularam no julgamento de Hipócrates.
Esta ideia vem da nossa moralzinha católica, segundo a qual o vil metal seria o culpado de todos os males do mundo. Os protestantes tiveram neste aspecto a vida mais facilitada, mas sem dúvida que espertos foram os judeus. Será a religião judaica menos respeitável pelo facto de não excluir o comércio, o lucro, por outras palavras, o dinheiro? Serão os católicos mais merecedores de felicidade por se despojarem, ou tentarem despojar, das riquezas terrenas? (rectius, esta última asserção não vale, obviamente, para o Vaticano)
A questão é que, entre nós, falar de dinheiro nunca foi visto como sendo de bom tom. Especialmente do dinheiro que ganhamos. Porque gera inveja dos outros e demonstra vaidade da nossa parte. Mas também do dinheiro que os outros ganham, porque revela o mesquinhos que somos.
E, sobretudo, nunca falar a alguém do dinheiro que essa pessoa nos deve. É certo e sabido que aquela amigável conversa que estávamos a ter até então assumirá subitamente um tom azedo. A pessoa vai olhar para nós com o arzito mais superior do universo, como se sentisse algum repúdio face a gentinha como nós, que fala em… dinheiro. Dinheiro. Em vez de coisas elevadas fala em dinheiro. Por isso, da última vez que alguém assim me olhou, como se fosse totalmente descabido da minha parte pedir o dinheiro que de direito é meu, tive que explicar ao pobre coitado que falava nessa coisinha insignificante que era o dinheiro porque todos os meses me chegavam a casa uma ampla panóplia de contas insignificantes, de coisinhas insignificantes como a água, a luz, o gás e a renda de casa. Para não esquecer aquele pequeno, pequenino pormenor, de eu ter que comer todos os dias. Uma falha minha, sem dúvida. Fosse eu mais perfeita e alimentar-me-ia de sentimentos puros e de pensamentos profundos.
Quase se pensaria que o dinheiro é uma questão de somenos, a little detail cuja mera menção é sinal de tacanhez. Um pequeno detalhe que faz com que algumas pessoas se casem com algumas outras pessoas que não amam, abandonem o sonho de criança de cuidar de bichos ou de flores para abraçar uma fulgurante carreira na banca, trabalhem 14h por dia sem espaço para filhos, namorados ou amigos. Esse pequeno detalhe pelo qual há quem viva, quem morra, e inclusivamente quem mate.
Dedicar a vida – ou a morte – a um punhado de notas é triste. Triste para quem assim se imola, claro está. Mas também para nós como sociedade. Porém, tenho para mim que a forma de darmos a volta a isto não é fingir que o dinheiro não existe e que pagamos as contas com beijinhos e abraços (e daí, também há quem as pague, mas costumam estar numa esquina). Não é deixando de falar nele, ou ofendendo-se com a sua mera referência, mas sim assumindo que desempenha um papel importante na nossa vida.
É certo que o dinheiro não compra tudo. You can’t buy me love. Ou talvez até possas. Mas tenho-me em melhor conta se assumires isso do que se, simplesmente, continuares a insistir que it’s not about money.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O dia em que deixares de gostar de mim


Há muitas vidas atrás (tantas como as de um gato) sentaram-se em frente a mim num restaurante e disseram-me: “Fica tranquila. No dia em que perceba que a minha felicidade não passa por ti digo-te logo”. Enfim, não sei se a frase foi exactamente esta. Não asseguro se começava com “não te preocupes” ou com “fica tranquila”, se terminava com “serás a primeira a saber” ou com “digo-te logo”. Mas o meio da frase corresponde exactamente àquilo que transcrevi “perceber que a minha felicidade não passa por ti”.
Ele um dia percebeu isso. Não sei quando, porque não mo disse. Sei que um dia, outro dia, eu percebi que ele já tenha percebido. E aí percebemos todo o tempo que perdemos e a dor que causámos.
Mas naquela noite eu acreditei que ia ser mesmo assim. É que nessa altura eu ainda acreditava que as pessoas eram, no mínimo, honestas. Já sabia – já se tinham encarregado de me ensinar – que as pessoas não gostam durante toda a vida. Um dia acordam e, “prontos”, aquilo, a coisa, já não está lá. Aprendi a viver com isso, embora fosse contra tudo o que os contos de fada, os livros, e os filmes a preto e branco (já viram que nesses filmes todas as histórias têm finais felizes? Ai, se ao menos a nossa vida fosse um filme a preto e branco!) me tinham ensinado. Mas ainda acreditava que quando esse momento chegava as pessoas nos diziam. Nos chamavam e diziam “Olha, gostei muito do restaurante de ontem. E o soufflé estava óptimo. Por falar nisso, e antes que me esqueça, descobri que já não gosto de ti. Posso utilizar a tua paste de dentes?”. Qualquer coisa deste tipo…
Afinal, as pessoas honestas são como os estados democráticos. Já reparam que todas as repúblicas que incluíram o “democrática” na designação oficial são tudo menos isso? República Democrática Popular da Coreia, vulgo, Coreia do Norte. Tão democrática que ainda hoje pensam que venceram a nossa selecção devido à isenção noticioso que impera no país. República Democrática do Congo. Do mais democrático que há, e sem massacres. República Democrática Alemã. A democracia era tanta que gerou uma intoxicação democrática e o povo, que é quem mais ordena, arriscava a morte para fugir para o lado de cá.
Pois as pessoas honestas são exactamente assim: quanto mais se vangloriam da sua rectidão pessoal e dos seus valores, mais escondem e mais mentem. Àquelas que nos garantem ser transparentes como um espelho de água, que passeiam pelo mundo fora afirmando que não são rudes mas sim brutalmente honestas, em boa verdade, escondem o rabinho entre as pernas quando chega o momento de mostrar de que material somos feitos.
Porque ninguém é culpado por não gostar. O sentimento é um “fenómeno” transcendente, divino até, que a ciência ainda não conseguiu dominar. Ainda não se descobriu o “amor in vitro”, que solucionaria muitos dos nossos problemas, e aqueles inférteis no romance poderiam finalmente encontrar a sua meia-laranja. De modo que choramos até à exaustão, batemos com a cabeça na parede, ficamos de cama uma semana e perdemos 5 kg, mas depois, eventualmente, seguimos a nossa vida. Porque sabemos que estas coisas acontecem e não há como apontar o dedo. Mas, pelo contrário, todos somos responsáveis por quem cativamos, sejamos pequenos príncipes ou princesas não tão pequeninas. Devemos-lhes, no mínimo, honestidade, lealdade, respeito. E por isso devemos enfrentar as nossas próprias fraquezas e dizer, cara a cara, que tudo acabou.
Uma amiga minha soube que o seu casamento de mais de uma década tinha terminado por sms. Há quem termine por e-mail, por post it, por interposta pessoa. Há quem nunca termine e simplesmente desapareça. Há quem nunca termine e simplesmente arranje uma companhia para o exercício físico. Há quem nunca termine e em momentos de maior honestidade diga que afinal, a paixão passou, mas depois chore como um menino, volte atrás e nos peça perdão, arrastando esta tragi-comédia anos a fios, prendendo-nos à vaga esperança de não saber qual das versões é a verdadeira. Há quem nunca termine e simplesmente se resigne a passar o resto da via com uma pessoa que não ama, ter filhos com ela, comprar um casa e um carro, e talvez uma Bimby.
No dia em que deixares de gostar de mim diz-me depressa. Sem hesitações nem pudores, nem palavras de melaço. Porque assim mais depressa eu morro e mais depressa vivo outra vez.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Desapareceu misteriosamente de minha vida…


Ela perguntava-me (de olhos bem abertos e, juraria eu, com uma lágrimas prestes a rebolar-lhe pela face) se eu acreditava naquilo. E eu acreditei. Porque chegada a esta idade e depois de ter visto o que vi (esta foi só para dar ares de mulher experiente) eu já acredito em tudo. Como podia eu duvidar que aquele homem tinha entrado subitamente na vida dela, sem súplicas de compromisso nem algemas de presença, para depois desaparecer ainda mais repentinamente? Tenho motivos par não acreditar que se tenha recusado a qualquer conversa explicativa, nem sequer lhe atendendo o telefone? Como posso eu duvidar, se já ouvi (e até vivi) histórias destas.
E enquanto ela falava, aninhada no meu sofá, com as palavras a tropeçar-lhe na boca, eu só conseguia pensar num trecho televisivo que me acompanhou enquanto crescia. Rezava assim: “Desapareceu misteriosamente de sua casa fulano tal e tal, no dia tantos do tanto. Vesti na altura camisa assim e calças assado. A quem souber do seu paradeiro pede-se que informe…”. Recordo-me de medir menos de metro e meio e de assistir a este anúncio na televisão enquanto jantava. Sempre enquanto jantava. Como se aquele momento familiar fosse uma boa altura para nos recordar que algures por aí existia um elo fora da corrente. Aqueles que já passaram os 20 anos partilharão certamente comigo esta memória: os avisos de desaparecimentos emitidos pela Policia Judiciária na televisão estatal, a única existente à data.
O que se passa é que esses desaparecimento diziam em regra respeito a homens de idade avançada, e de não menos avançado estado de demência. Nos de hoje a demência mantém-se (não quero ser rude, mas só pode ser psicopatia), mas os homens estão em idade de acasalar e, pelos vistos, sofrem de uma enorme incapacidade em encarar essa circunstância.
Entram de rompante nas nossas vidas, sem o pedirmos. Enche-nos de mimos e de flores. Alguns apresentam-nos até às famílias. Arrastam-se atrás de nós como cães sem dono, indiferentes ou imunes ao (por vezes aparente) desprezo com que os brindamos. E depois um dia… nada. Primeiro inventam que o cão da prima da tia da avó foi atropelado, e por isso não podem vir jantar. Depois, deixam de ligar. Finalmente, deixam de nos atender. E aqui emergem uma série de dados curiosos e perguntas por responder. Como é que um homem que parecia beber o ar que eu respiro perde instantaneamente o interesse? E porque é que eu, que me sentia até incomodada com aquela sombra constante atrás, dou por mim a sentir a sua falta? Mas, mais importante: porque é que ele nem sequer os tem no sítio para me explicar o desaparecimento?
Note-se que qualquer um de nós é livre de fazer o que bem entenda e gostar de quem lhe dê na realíssima gana. O 25 de Abril trouxe-nos a liberdade política, mas há muito que a liberdade emocional fez a sua revolução. Não podemos exigir que ele esteja aqui connosco. Mas podemos exigir uma explicação. Uma razão. Que não gosta de nós. Que perdeu a pica. Que conheceu uma modelo de 1,80m. Que descobriu que afinal é gay. Que lhe apareceu uma borbulha no lábio e não poderá dar beijos durante os próximos 4 anos. Sei lá, qualquer coisa. Mas que apareça, que dê sinais de si, que mostre algum respeito por quem está do outro lado.
Eu própria já desapareci. E não me orgulho disso. Creio que lhe dei uma explicação concludente, mas nem disso estou certa. Porque o fiz? Porque a sua mera presença me dava urticária. E foi mais ou menos isto que lhe disse. Sei que não é muito explícito, mas nem eu própria sabia mais do que isto. O importante, sublinho, é que eu apareci. Tive a tal conversa. Quero com isto dizer o que já repeti milhentas vezes: eu tenho-os mais no sitio do que quem nasceu com eles.
Durante estas minhas reflexões ela continuava agitadamente a falar. E a atirar hipótese para o ar. E se…? E se esse…? E a massacrar-se por pensar que a culpa fora dela. Pode a situação ser mais surreal?
Novo anúncio: “Desapareceu subitamente de minha vida um homem que eu nem queria nela presente. Nem me recordo do que vestia na altura. Agradece-se a quem tiver notícias dele que as guarde para si porque eu, francamente, estou-me nas tintas”.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Menina não. Senhora, por favor.


Bem sei que nenhum de nós quer ficar velhinho. Mas daí a que me chamem “menina” vai uma grande distância. Passo a explicar o incidente:
Quando chegou a minha vez do senhor do banco (cujo nome não divulgo, nem direi que começa por “M” e termina em “N”) me atender, mal levantou os olhos do que estava a fazer. Semi-contrariado por ter que atender outro cliente lá me remeteu para o colega. Assinei os papéis que tinha a assinar e vim embora, pouco convicta com o nível de serviços prestados pela chafarica. E, de facto, foram tão bem ou tão mal prestados que tive que regressar um par de dias depois porque, afinal, faltava uma assinatura. A mesmíssima gentileza no fino trato do senhor funcionário do banco, coroada com a seguinte resposta final, quando perguntei se era tudo. “Sim Vera, é tudo”.
Alto!!!!!!!!!! Pausa. Vera? Só “Vera”? Mas de onde é que nos conhecemos? Em que escola fomos colegas? Desculpem, mas sou só eu que desconheço as regras gerais de boa educação, que mandam que o nome de pessoas que nos são estranhas seja antecedido de “senhor” ou “senhora”? Sobretudo quando contactamos com elas a nível profissional?
O que se passa é o seguinte: as pessoas tiram muitas deduções de situações que desconhecem porque se limitam a julgar pela aparência. Acreditem, sei do que falo. Eu, os meus piercings, as minhas tatuagens, o meu cabelo ex-pink, as minhas cores divertidas, sabemos do que falamos. No banco o que os senhores engravatados e de ar carrancudo viram foi uma miúda de sabrinas, com um piercing no nariz, cabelo rebelde, e uma mochila (sorry… deveres de ginásio). Por conseguinte, acharam por bem pôr de parte as normas gerais de bom trato e manter comigo o mesmo relacionamento que mantêm com as filhas e as sobrinhas. Só faltou o tu-cá, tu-lá, mas certamente não tardaria em chegar.
Sublinho e (re)sublinho que de todo não quero ser tratada por “dra.”. Essa é uma designação profissional que deve ser relegada exclusivamente para esse plano: as relações profissionais. Fico doida quando no meu dentista me chamam por “Dra. Vera”, mas reclamei tantas vezes, e sem sucesso, que resolvi deixar o caso como está sob pena de tornar o incidente maior do que na verdade é. Mas, meus amigos, faço questão de ser “senhora”. Porque em sítios onde sou cliente e onde dou dinheiro a ganhar exijo, e não recuo, ser tratada com o mesmo respeito com que eu trato as pessoas que me dão a mim dinheiro a ganhar. Ou agora entra-me um cliente pelo escritório e chamo-lhe “Zé”?
Digo mais, exijo ser tratada com o mesmo respeito com que eu trato todas as pessoas que ganham dinheiro comigo. Para mim, os senhores que trabalham no banco foram sempre “os senhores”, não obstante nesta altura estar mais inclinada para os tratar por sujeitinhos. Qualquer empregado de mesa é para mim “senhor” ou “senhora”. Tenho por abolidos chamamentos na 2.ª pessoa do singular, porque quem serve merece exactamente a mesma deferência de quem é servido.
Nem nunca me ouvirão chamar alguém por “menina”. Só em situações muito específicas (por exemplo, no Porto, carago), de determinados contextos sociais, esta designação é correcta, e quiçá mesmo gentil. Fora disso, é abusiva. E por causa dela já me peguei com um certo grupo de advogados, num certo restaurante, porque teimaram em chamar de “menina” a senhora que nos trazia a ementa, o que me fez pensar nos ditos com meninos mal-educados.

domingo, 17 de outubro de 2010

Moet chandon e sandocha de atum


É oficial: estamos em guerra. Em guerra contra a crise, a fuga ao fisco e os luxos excessivos. Há que reconhecer que este é um propósito no qual todos nós nos revemos. O Estado, se quer continuar a ser estado de Direito Social (e note-se que sempre fui cautelosa com este epíteto e com as supostas virtualidades, mas claro que sendo eu uma adepta do laissez faire admito que não tenho opiniões isentas neste plano), tem que estabelecer prioridades e, pelos vistos, as nossas são o combate ao despesismo e aos excessos.
Por isso não me choca que os ginásios transitem para a taxa de IVA normal. É com muito custo e sacrifício pessoal que reconheço esta necessidade porque sempre defendi que o exercício físico torna uma pessoa – e por conseguinte, uma população – mais feliz e mais produtiva e porque a mim, que não sou fã de jogging no parque, me toca directamente.
E levo a mal os comentários daquelas pessoas azedas que se indignaram com esta medida. Meus amigos, os ginásios são um produto de luxo. Doravante (outra das minhas palavras preferidas) quem quiser estar de bom humor e de bom tamanho corporal que pegue nas perninhas e faça piscinas na Baixa. Mas, sobretudo, o que me faz defender esta opção governamental até à medula é perceber que, no fundo, isto é apenas uma peça do glorioso plano do tio Zé. Sim, que esta história de subir o preço do ginásio tem que ser lida em conjugação com o aumento do preço dos produtos alimentares. Uma coisa era se o ginásio aumentasse mas as tentações mantivessem o preço ou mesmo, Deus nos livre, se tornassem mais acessíveis. Obviamente que em breve seriamos um povo obeso, e mais gastos acarretaríamos para o Serviço Nacional de Saúde. Mas não, nunca o nosso líder faria tamanha malvadez. A pensar em nós e no nosso bem-estar, eis que aumentam os preços dos bens alimentares. Não há exercício físico, mas também não faz falta nenhuma porque uma parte da população também não terá muito para comer.
Enfim, não me entendem mal. Não se trata de deixar o povo a passar fome. Só os ricos. Esses burgueses capitalistas que enchem a pança de leite com chocolate e conservas. Sim, como toda a gente sabe (e quem não sabe ficou a saber com a proposta de orçamento) se há coisa luxuosa e que o rico gosta, tachantcahnctahn, é mesmo sardinha de lata. Já estou a ver na próxima ementa do Tavares Rico, como prato principal, trufas de salsicha Izidoro acompanhas com o seu belo Compal de 2 anos. Abrir o pacotinho de Compal e sentir aquele cheirinho de boa casta, enquanto se mastiga a salsichola. E se ainda sobrarem uns trocos, pede-se um feijãozito de lata para acompanhar. Tudo do melhor para quem pode pagar!
E aquele luxo do leite com chocolate! Essa miudagem que bebe aos 3 e 4 pacotes de leite com chocolate por semana e que não sabem o que a vida custa…. Bebam leitinho vindo da vaca. Melhor ainda, vão-na eles ordenhar!
Todos temos que apertar o cinto (daí a ideia de comermos menos). E por isso recebemos passivamente os cortes nos gastos com a Saúde e a Segurança Social. Quem ficar doente que faça uma mezinha caseira, daquelas que as avós faziam. Desde que não leve óleo nem margarina, claro, que isso são coisas de luxo.
E é bom saber que o Estado está connosco neste momento de restrição. Afinal, em vez de patrocinar a festa das Sete Maravilhas com um milhão e cem mil euros, o patrocínio foi apenas de quase um milhão e cem mil euros, e este quase faz toda a diferença. E a festa na Bolsa de Lisboa, que poderia ter custado para lá de 200 mil euros, custou apenas 196 mil. De modo que não se sintam sozinhos companheiros, o Estado também poupa. E se não acreditarem no que digo vão verificar os contratos relativos a estes eventos. Ou melhor… iriam, não fossem os ditos ter desaparecido da base de dados da contratação pública.
Fora outros gastos, gastinhos e gastões, em mais festas, medalhas, carros adjudicados a não sei, tachos para filhos e sobrinhos de não sei mais quem, os Ruis Pedros Soares deste paízinho, enfim, as despesas verdadeiramente pertinentes num Estado de Direito.
Por isso não me choca a proposta de orçamento. Rectifico: vindo de quem vem, não me choca. E não se veja nesta afirmação uma qualquer preferência por outra cor politica Nem sequer é disso que se trata. Acho que chegámos ao ponto do perfeito desencantamento com a política e com os políticos, e não vejo no horizonte governante que me inspire. Mas ainda assim gostava de tentar. Provavelmente seria mais do mesmo, mas quando se bateu no fundo, como nós, a leis de física impelem-nos a subir.
E assim cá continuo, sem crédito para sapatinhos nem para bolachinhas (outro luxo), as únicas coisas que antigamente apaziguavam o meu mau-humor. Agora sempre me resta o consolo de pensar em submarinos…
Mas um destes dias, quando receber o meu retorno do IRS, cometo uma loucura. Ah, pois é bebé. Passo ali no XL e peço uma tacinhinha de Moet Chandon com uma sandocha de atum. Porque um dia não são dias e de vez em quando há que cometer uma extravagância

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

As palavras que nunca me disseste


Sei que anda por aí um livro (que nunca li) com um título parecido com este, e sei também que nas sessões da tarde dos canais de televisão deste mundo passa por vezes o respectivo filme. E sei isto porque numa chuvosa tarde de sábado, numa outra dimensão em que vivi, tive a infeliz ideia de espreitar o dito filme enquanto limpava o pó da sala. Subitamente, dei por mim a chorar baba e ranho por uma história que hoje já não recordo, mas certamente põe em pranto as pedras da calçada.
A única memória que guardo do best-seller é mesmo o título e todas as coisas em que me faz pensar. Melhor dizendo, todas as palavras que me faz dizer.
Sempre tive o cuidado de dizer às pessoas o quanto gosto delas. Vivo aterrorizada com a ideia de um dia ser atropelada, me aparecer uma doença terrível ou cair no poço de uma mina e não lhes poder dizer quão especiais foram para mim. A vida é demasiado curta, dizem. Eu acho que é uma afirmação relativa. Pode até ser demasiado longa. Mas de facto, enquanto vivemos uma história de amor, parece mesmo demasiado curta. Não há tempo para todos os beijos que queríamos beijar nem para todos os abraços que queríamos abraçar. E como a qualquer momento um de nós pode desaparecer devemos reafirmar até à exaustação a importância que aquela pessoa tem para nós. E faço questão de o dizer a todo o momento, quase no limite do enjoo, só para o caso de amanhã não acordar.
E depois fico sempre à espera que me digam alguma coisa a mim. Que me chamem antes de eu me afastar. Que venham a correr atrás de mim e me segurem no braço. Que entrem por essa porta, que digam que me adoram e mudem a minha vida (“Entre por essa porta agora. E diga que me adora. Você tem meia hora. Pra mudar a minha vida”).
Uma palavra pode mudar as nossas vidas. Pode ser decisiva. Porque é que não o dizem? Porque o não sentem? Porque não se sabem expressar? (às vezes digo para mim que têm receio de o dizer, que não sabem como o fazer, que não lidam bem com os sentimentos... é difícil aceitar que os outros não sentem o mesmo que nós e criamos estas fantasias tolas).
Tenho muita dificuldade em comunicar com quem não se relaciona bem com as palavras, porque eu poderia falar durante horas, dias até. Tenho sempre coisas para dizer e, desculpem-me a arrogância, mas acho que até as digo com alguma lógica e claridade. Contam-se pelos dedos de uma mão as vezes na minha vida em que fiquei sem palavras, e nenhuma dessas situações foi no âmbito de uma discussão, de uma tentativa de reconciliação, de uma declaração de amor, ou de qualquer outra argumentação apaixonada.
Para mim, que falo tanto, com tantos sentidos e entoações, é complicado enfrentar alguém que se refugia no silêncio. Então eu espero. Calo-me e espero. Que ele diga alguma coisa. Que me tranquilize. Que me apazigúe os ânimos. Que me faça acreditar. Que me deixe a rebentar de raiva, nem que seja isso. Mas ele nada. Continua passivamente a fazer o seu café, e nem certa estou de que tenha compreendido toda aquela torrente de emoções que acabei de lhe deixar aos pés, quase como uma oferenda sagrada.
Nunca vos apeteceu abanar alguém para obter uma emoção, uma reacção, um grito que seja? Quase preferia que me mandasse embora de vez ao invés de me aprisionar nesta conversa de silêncios.
Como é possível haver pessoas que gritam ao mundo que amam (escrevem-no no Facebook, fazem declarações públicas ao microfone, ajoelham-se em restaurantes) e outras nem sequer o conseguem sussurrar ao ouvido?

Eu até consigo viver com as palavras que nunca me disseste. Não sei é se consigo viver com as palavras que nunca me dirás.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

It’s not over until the fat lady sings


Tenho para mim que existe um momento certo para desistir das coisas. Tenho para mim que uma das máximas da nossa vida é não estar a mais, é nem sequer dar azo a uma situação é que isso aconteça. Tenho para mim que mais vale uma retirada estratégica mas digna do que a persistência do chamado “chato”.
Mas tenho também para mim que esse momento de retirada apenas deve ter lugar quando estejamos convencidos, no mais íntimo do nosso ser, que não existe qualquer possibilidade de dar a volta à situação, sob pena de passarmos o tempo a pensar naquilo que poderia ter sido e não foi porque saímos demasiado cedo de cena. Sobretudo no meu caso, que sou mais teimosa do que a mula em pessoa, preciso de bater com a cabeça 30 mil milhões de vezes até que finalmente digo “the end”. Se bater apenas 29 mil, 999 milhões de vezes fico sempre com aquela impressãozinha, aquela inner voice, que me perturba como uma pedra enfiada na meia ou um prego na sabrina (coisa que, sublinho, já me aconteceu, e se não fosse uma amiga sensata ter-me obrigado a parar e descalçar o sapatinho nesta hora estava mortinha com tétano ou coisa do tipo).
A páginas tantas da minha vida (ora aqui está outra expressão que me é cara) vivi uma relação condenada ao fracasso. Creio que soube isso logo no início. Os Black Eyed Peas chamar-lhe-iam um feeling, ou então foi o meu cérebro que juntou aqueles pequenos detalhes que podem fazer toda a diferença. Mas esta era a minha parte racional. E eu sou tudo menos razão. O coração, esse, insistia e continuava a insistir num caminho que não levava a nada, senão noites sozinha, lágrimas, frustrações. Isn’t love a bitch?
Pus um fim (sim, tive que ser a pôr-lhe fim, na falta de alguma coragem e rectidão moral da outra parte) àquele tormento demasiado tarde. Demasiado tarde para mim (para ele também), para a minha sanidade mental, para tantos dos meus projectos que ficaram por realizar enquanto me dedicava de corpo e alma a uma ilusão.
Claro que a culpa é minha, bem que poderia ter colocado um ponto final bem mais cedo. Se o desfecho fosse alguma coisa inesperada naquela suposta história de amor seria diferente. Mas não era. Era um trágico final anunciado e, como se adivinha, bem mais trágico quanto mais tardio. Então, se eu sabia que tudo tinha terminado há muito (e agora que olho para trás, penso que nunca chegou sequer a começar), porque não agi antes? Porque nos deixei perder tempo? A mim e a ele, entenda-se. Porque não nos evitei sofrimento? Porque, caríssimos, há sempre aquele “e se?”. Ai, como eu detesto os “se”’s. Os “talvez”. Os “quem sabe”. A estúpida esperança. A fé, se quiserem. Acho que a “esperança” é uma ideia altamente sobrestimada. É assim tão bom viver na esperança que nos mantém agarrados a relações, a projectos, a amizades e amores, que estão mortos? São cadáveres. Depois da ressurreição de Cristo não creio que tenha havido muitas mais e, certamente, nunca uma relação ressuscitou, a não ser nos romances da Danielle Steel.
Mas, ainda assim, será que ma arrependo? Será que se voltasse atrás continuaria a bater com a cabeça nas paredes tantas vezes sabendo, logo à primeira cabeçada, que dói e faz sangue? Temo que sim. Aliás, continuo a faze-lo agora.
Talvez por teimosia, talvez por um ego desmedidos que não aceita fracassos, ou talvez porque sou uma crente na espécie humana, insisto ainda agora em ficar até ao final do espectáculo. Não que esta regra tenha valia universal. Fecho o livro logo que um parágrafo me entendia. Mudo de canal quando o filme não me entusiasma há coisa de 5 segundos. Mas depois sou capaz de ficar ali debaixo da chuva de sentimentos e emoções, tentando proteger-me como posso, na esperança (aquela esperança que odeio mas que não me larga por nada) que, subitamente, um dia, alguma coisa aconteça. Qualquer coisa. Alguma coisa.
It’s not over until it’s over. Dizem que até ao fim muita coisa pode acontecer. Posso até condescender com isso. Mas há situações em que bem sabemos que não há nada que possa acontecer. Racionalmente sabemos isso. Mas esta alma que nos anima e insufla de expectativas puxa-nos para ficar. Inclusivamente contra os factos. Como se, à maneira da boa doutrina penal, reafirmasse contrafactivamente as nossas expectativas num sentimento que se foi. E continuamos a queda nesta espiral até termos a certeza mais certa que qualquer certeza absoluta que chegou ao fim. Bater no fundo. Aí está uma coisa que nunca fui capaz: parar as coisas antes de bater no fundo. Preciso de aterrar de cabeça no fundinho do fundo, fazer um traumatismo vascular/cerebral até (isto é, no coração e no raciocínio) para depois poder vir à tona da água.
Não faço ideia se as mulheres gordas cantam melhor ou pior do que as outras, ou se quando cantam o palco cai e tudo acaba, mas a verdade é que reza a história que nada termina até que a senhora gorda cante. E há momento em que só desejo que ela abre os pulmões e cante até me estoirar os tímpanos.

sábado, 9 de outubro de 2010

O coleguinha


Todos temos histórias para contar de coleguinhas de trabalho que nos amargam os dias, e mesmo a existência, muitas vezes sem sabermos ao certo porquê, outras com motivos óbvios.
Até nos empregos mais perfeitos existe um coleguinha capaz de nos fazer trepar paredes. Rouba bolachas da nossa gaveta. Teima em ouvir as conversas que temos ao telefone, sobretudo aquelas privadas que envolvem namorados e afins. Pede emprestado guarda-chuvas que nunca devolve. Liga quase de madrugada a pedir boleia, ou durante o feriado para discutir trabalho. Insiste em ficar sentado ao nosso lado nos jantares de trabalho, para nos maçar com pormenores sobre a sogra, o periquito ou um furúnculo nalgum local íntimo do corpo. Sorve ruidosamente o café da chávena. Leva insistentemente as nossas cópias no meio das suas folhas.
Estes são coleguinhas incómodos, mas não magoam. Depois, depois temos os outros. São azedos, amargos. Incompetentes e limitados. Vivem mal connosco porque vivem mal consigo mesmos. E esses, ai, esses eu não perdoo.
O inferno são os outros. Não sei ao certo como Sartre lidava com eles, mas creio que provavelmente os ignorava. E é esta a máxima que tenho seguido para sobreviver no mundo social com alguma sanidade mental. Volta e meia deparo com criaturas que em termos humanos encarnam aspectos que não me atraem, e por vezes me põem mesmo o estômago às voltas. Mas quando intelectualmente me esmagam e me fazem pensar nas coisas que dizem e que escrevem não tenho outro remédio senão tolerá-las, porque de facto a magnitude de raciocínio sempre me mereceu imenso respeito. Outras vezes aparecem-me pela frente almas boas, boas como o mel a derreter em pão quente, mas pouco agraciadas em termos de esplendor intelectual. Claro que sofro cada vez que abrem em boca, mas não consigo evitar gostar delas, que mais não seja pela sua simplicidade.
De modo que, como bem se vê, sou tudo menos intolerante. Tolero os brilhantes malévolos e os generosos idiotas. Agora, o que eu não suporto, sob pena de urticária violenta capaz de me deixar internada e a soro, são os idiotas malévolos. É que neles não há nada a admirar. Nem a imensidão espiritual nem a grandeza intelectual. Logo… como diabo se atrevem a respirar o mesmo arzinho que eu?
Já é mau partilhar o elevador com estes espécimes semi-humanos, mas pior é tê-los como coleguinhas de trabalho. A verdade é que estou muito mal habituada neste aspecto. Fui abençoada com a felicidade de ter tido o privilégio de desde sempre ter trabalho com pessoas válidas, inteligentes, densas. Algumas delas extremamente interessantes, magnânimas, leais, honestas. Tenho sido agraciada com colegas que me tornaram a vida mais fácil, me ajudaram acima do que seria exigível, se preocuparam comigo, me ensinaram e me iluminaram. Sou uma pessoa melhor por causa delas. Os meus horizontes alargaram-se por causa delas. E por causa delas posso dizer que sou viciada no meu trabalho. Estas “elas” tornaram tudo mais fácil , e até divertido.
Por isso nem sei ao certo como me comportar quando me aparece pela frente uma “coisa” destas…. Posso dizer-vos que num meio de uma das incontornáveis fúrias do espécime lhe disse, já em completo estado de fadiga: “Ouve, se eu estivesse para aturar birras dessas tinha filhos e educava-os. De adultos não aturo”.
Tenho para mim que aqueles de nós que gostamos do nosso trabalho e se querem concentrar nele não andam por aí a criar conflitos que nos possam distrair do que é essencial. Mas que isso não signifique passividade perante a petulância, a maldade e a tacanhez. Não gosto de guerrinhas porque me consomem. Mas há guerras que sou forçada a comprar, ou deixava de ser eu. O risco é imenso, pois de quando em vez o dito “coleguinha” tem cunhas com Deus, com o Diabo e, pior ainda, com o chefe. E no final quem se lixa é aqui a vossa heroína dos bons conta contra os maus. Mas, sabem que mais? Valeu nem a pena. Porque pelo menos sai-se de cabeça bem erguida, com o orgulho de quem sabe que é, simplesmente, a bigger person

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Crónica de um desamigamento anunciado


As minhas relações de amizade foram sempre atribuladas. Porque eu sou atribulada. De modo que ao longo destes anos já atropelei emocionalmente uma série de amigos meus (não falando dos pseudo e dos meros conhecidos), umas vezes imbuída de razão, outras apenas imbuída de mim mesma e do meu ego.
Recordo o dia em que dizimei a uma boa amiga por ter publicado sem autorização fotos minhas no Hi5, e passo agora os olhos pelas 34587 fotos que anos mais tarde eu própria meti a circular nas minhas páginas pessoais. Também me aborreci com a que criticou a minha decisão de comer com chapéu (e continuo a achar que é uma das prerrogativas de ser senhorita) e com aquela outra que trocou as confidências que desde a infância trocava comigo pela intimidade do tete a tete com o namorado.
Admito: sou hiper-mega mimada. E sou muitas outras coisas mais. Felizmente, quis o cosmos - ou a senhora que manda nisto tudo (estou convencida que é uma senhora) – que me calhasse nesta lotaria que todos jogamos quando nascemos o pacote dos melhores amigos do mundo. Que não me amam pelo que sou, mas sim apesar do que sou. É que fossemos nós perfeitos os amigos não nos faltariam. O que torna o feito notável são precisamente as nossas imperfeições.
Os amigos, em contrapartida, são praticamente perfeitos. O “praticamernte” resulta de nano-micro lacunas que por vezes descubro num ou nutro. Mas são quase sempre tão minúsculas que é manifesta a sua incapacidade para alterar a admiração, o respeito, o carinho, que sinto por eles.
Depois… há o resto.
O resto são aquelas falhas do tamanho da Falha de Santo André, também elas causa de brutais tremores de terra na minha cabeça. Passamos anos a alimentar uma certa imagem da pessoa, como sendo cor-de-rosa e sabendo a algodão doce, e depois subitamente no minuto passado descobrimos que afinal a sua alma é baça e sem cor, e o seu sabor aproxima-se do de ovos podres com pão bolorento.
E quando isto sucede temos dois momentos de pânico. Primeiro, apodera-se de nós aquela desilusão só sentida quando pegamos num cartão de crédito que já ultrapassou o limite ou quando chegamos à sapataria depois de terem vendido o nosso número. Uma dor imensa, portanto. Depois, somos assaltados pela dúvida, mais metódica do que a própria dúvida cartesiana: “será isto suficiente para deixarmos de ser amigos?”. Aliás, reformulo, porque mais angustiante ainda é quanto esta interrogação assume a fórmula dramática de “será que ainda podemos ser amigos depois disto?”. É que há ao lado das pequenas coisas que rapidamente esquecemos, há coisas maiores que nos fazem meditar, e coisas verdadeiramente gigantes que demonstram o erro que foi trazer aquela pessoa para a nossa vida.
Estava eu perdida nestas batalhas emocionais comigo própria quando a contra-parte decidiu por mim e, pasme-se (ou não), me “desamigou”. As novas tecnologias evitam-nos o embate de chamar nomes feios olhos nos olhos. Nem sequer precisamos de recorrer ao mais subtil método, mas igualmente eficaz, de ignorar a sua presença. Basta carregar numa tecla e excluir a foto do grupo de amigos. Como se ao sair do nosso ecrã a pessoa saísse também da nossa vida.
Confesso que foi com não pouca surpresa que, semanas depois do incidente, descobri que me faltava uma amiga. Não sei se naquele momento senti alívio, raiva ou tristeza. Mas alguma coisa senti. E pressenti que aquele desamigament se vinha anunciado deste o momento em que ela lançou para o ar (também no mundo virtual) a ideia que tinha parado o bater do coração e acendido o rastilho para a bomba que agora rebentava.
Ainda hoje não sei se eu a teria tomado tal opção caso ela não o tivesse feito, mas resta dizer que depois do desamigamento o meu coração começou a bater melhor outra vez …

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Pick me. Love me.


As escolhas são difíceis. Por mim fico com dor de cabeça só de pensar que tenho que escolher um vestido cada manhã, um tema para um artigo, um bolo para o lanche. Basicamente porque eu quero tudo. Mas chega de falar das minhas escolhas, porque hoje queria meditar um bocadinho (na medida em que sou dada a meditações) sobre as escolhas dos outros.
É que nem só os sapatos, os temas ou os bolos são objecto de escolha. As pessoas também o são. Como todos sabemos, ninguém escolhe a família que tem. É uma espécie de lotaria divina, ou de cegonha pedrada com ecstasy, que nos atira para uma família doce ou para uma amarga. Já as outras pessoas da nossa vida que não nos estão ligadas por laços de sangue, essas, são escolhas nossas. E nós delas. E eis aqui o problema: nem sempre ambas as vontades se encontram a meio do caminho. De modo que bem pode suceder que o suposto príncipe que nos escolheu para ser a sua princesa seja afinal um sapo montado num cavalo branco, e que a amiga que escolhemos para nossa melhor amiga só nos ligue quando o resto do mundo não lhe atende o telefone.
No fundo é o remake da cena de infância em que os capitães escolhem os elementos da equipa de futebol e todos queremos ser escolhidos. Ninguém quer ficar para último. E olhamos ansiosamente em volta, para ele, para o chão, para o deus divino das equipas de futebol. Todos queremos ser escolhidos.
Como sou filha única nunca me vi na contingência de ter que sobressair para ser a escolhida como a daddy’s girl. Era só eu, sem qualquer partilha da spotlight. Talvez por isso, ou talvez apenas simplesmente porque sou megalómana, ainda hoje me causa alguma perturbação não ser a escolhida. Não ser a primeira da lista. Não a primeira da lista de todos os seres humanos que existem no mundo, entenda-se. Não preciso de ser amada por todos. Mas por alguns sim. Por um, pelo menos.
E qual não é o meu espanto (e dor, e mágoa, e etc e tal) quando me apercebo que à minha frente na lista está uma panóplia de outras coisas, sem dúvidas bem mais interessantes e apaixonantes do que eu. Mas não mais apaixonadas. Ainda assim são essas outras coisas que ocupam o tempo.
Temos que viver sempre no pressuposto que todos os sentimentos são voláteis, de modo que mais dia menos dia arriscamo-nos a ser trocados por um novo amor. Outra mulher. Outro homem. Duas mulheres. Dois homens. Uma tribo que seja. Mas… preterida por uma “coisa”? Uma vulgar res? Posta atrás de fantasias de infância? Não sei que me dirão vocês, mas a mim soa-me um bocado patético da minha parte esperar atrás de uma “coisa”. No fundo, tudo se resume a uma frase que não é minha, mas que adoptei como sendo porque a acho tão especial. “Tu és responsável por aquilo que cativas”. Bem sei que não podemos andar com os outros ao colo, especialmente porque já estamos todos demasiado crescidos para isso e seriam sem dúvida pesados. Mas temos que ser responsáveis pelos nossos actos e pelas nossas escolhas. Não podemos criar nas pessoas falsas ilusões. Alimentar os seus sonhos como se fossem um porco para a engorda, e depois matá-los como se mata o dito no porco numa sangrenta matança. Bem sei que a imagem é sanguinária e nada romântica, mas manusear os outros também não tem nada de romântico. Se não estamos preparados para os recebemos nas nossas vidas, porque os deixamos sequer entrar? Eu, quando não quero companhia em casa, faço por evitá-la, ainda que seja com uma justificação fictícia. O que nunca me lembraria de fazer era abrir-lhe a porta para entrar e depois estar a sugerir-lhe que saia. Tenho os outros em melhor conta. Rectius: tenho-me a mim em melhor conta.
Será que temos que chegar aos 30 anos e continuar a colocar-nos em bicos de pés para que reparem em nós, nos dêem atenção, nos amem? Será que aquele velho truque, que remonta aos nossos 5 anos, de nos atiráramos para o chão a soluçar amargamente fará com que olhem para nós? Saltitar insistentemente até que nos escolham a nós? E nos amem a nós? A nós. E não a uma coisa qualquer.

sábado, 2 de outubro de 2010

Esforço, dedicação e glória


Não, não é o slogan de um qualquer clube de futebol, daqueles que só nos dão tristezas (mas que de quando em vez , muito de quando em vez, fazem uma goleada). É antes o lema de vida dos que elegem um objectivo, uma meta, uma realização pessoal, um sonho.
Quando um homem sonha o mundo pula e avança. Mas muitas vezes a percepção que temos é que o mundo avança sem nós, tão esmagados que estamos no curso, na tese, nos treinos, na promoção.
Tantas noites, em casa, sozinha, em frente ao PC, ponho-me a pensar se vale a pena. E há momentos em que chego a suspeitar que a minha alma ficou mais pequena, bem pequenina… porque já não sei se vale a pena. Sem dúvida que eu sabia que ia abdicar de muita coisa. Noitadas com amigos, laços de família, férias, manhãs na cama, relações até. E de dinheiro também. É que ninguém enriqueceu a perseguir um sonho. Pode porventura enriquecer depois de lá chegar – e nem isso é certo – mas o caminho é um trajecto de mendigo, com contas a pagar ao fim do mês e euros contados até ao cêntimo. Sonhar pode não custar nada, mas concretizar um sonho tem o seu preço. Economicamente falamos de um investimento que nos pode arruinar o cartão de crédito.
Mas, mais do que isso, um enorme investimento pessoal em termos emocionais. Porque se dá muito de nós. Até nos sentirmos esgotados quando vamos para cama de madrugada, à mesmíssima altura em que os amigos voltam dos copos. Deitamo-nos na cama e estamos tão cansados que nem conseguimos dormir. Damos voltas e voltas na almofada. E porque a insónia é má conselheira começamos a duvidar. Duvidamos do nosso sonho, das nossas capacidades, de nós mesmos. Para no outro dia acordar (ou simplesmente sair da cama sem acordar do sono que não se teve) e voltar tudo ao mesmo.
Este é também um caminho solitário. Desde logo porque não sobra tempo, disponibilidade - paciência direi mesmo - para mais ninguém. Depois, porque em bom rigor, muita pouca gente nos consegue aturar este desvario. É assim que o nosso círculo de amigos fica reduzido a uma esfera do tamanho de um Melhoral Infantil (que foi a coisa pequenina mais simpática de que me recordei neste instante porque em pequena gostava mais deles do que de Pintarolas) Só nós e o nosso sonho. A nossa dedicação a um projecto que parece nunca mais chegar ao fim.
Depois, um dia, chegamos lá. Trabalha-se uma vida inteira para uma concretização que dura um mero par de horas. Primeiro ficamos hilariantes. É a glória. O triunfo das capacidades humanas. Os amigos dão-nos os parabéns. E só dizemos para o “nós” que existe cá dentro como a partir de agora tudo vai ser diferente, a nossa vida mais mudar para tão melhor, tão, mas tão, que será como ter uma vida nova.
Acredito que para muitos é este o final de uma história feliz.
Depois… bem, depois, há os que são como eu.
Para nós o que acontece é que somos invadidos por um enorme vazio. E agora, que fazemos? Sim, é certo que podemos ainda apanhar o comboio da vida e passar a ter uma existência como as pessoas normais. Fins-de-semana fora. Jantares de família. Cafés na esplanada ao Domingo. Quem sabe, até mesmo um namorado. Mas, que faremos nós com isso? Ficamos mais bronzeados porque apanhamos mais sol nas tais esplanadas. Podemos acrescentar um ou dois nomes à nossa agenda de endereços. So what?
Já tenho o que quis, preciso agora de ter outra coisa qualquer. Isto por muita alegria, satisfação e orgulho pessoal que o “quis” me dê. Mas eu não vivo de feitos passados, vivo para projectos futuros.
Tem-me dito, e não em tom de elogio, que sou uma insatisfeita. Sei bem que é verdade, de modo que não contra-argumento. O que não percebo é porque é que isso é mau. Se eu posso ter mais coisas, fazer mais coisas, conseguir mais coisas, porque me hei-de satisfazer com o que tenho? O que há de tão louvável assim em dar-me por satisfeita com o que sou quando sei que posso ser bem melhor?
Mais longe. Mais alto. Mais depressa. Se não for assim é que não vale mesmo a pena.