domingo, 17 de outubro de 2010

Moet chandon e sandocha de atum


É oficial: estamos em guerra. Em guerra contra a crise, a fuga ao fisco e os luxos excessivos. Há que reconhecer que este é um propósito no qual todos nós nos revemos. O Estado, se quer continuar a ser estado de Direito Social (e note-se que sempre fui cautelosa com este epíteto e com as supostas virtualidades, mas claro que sendo eu uma adepta do laissez faire admito que não tenho opiniões isentas neste plano), tem que estabelecer prioridades e, pelos vistos, as nossas são o combate ao despesismo e aos excessos.
Por isso não me choca que os ginásios transitem para a taxa de IVA normal. É com muito custo e sacrifício pessoal que reconheço esta necessidade porque sempre defendi que o exercício físico torna uma pessoa – e por conseguinte, uma população – mais feliz e mais produtiva e porque a mim, que não sou fã de jogging no parque, me toca directamente.
E levo a mal os comentários daquelas pessoas azedas que se indignaram com esta medida. Meus amigos, os ginásios são um produto de luxo. Doravante (outra das minhas palavras preferidas) quem quiser estar de bom humor e de bom tamanho corporal que pegue nas perninhas e faça piscinas na Baixa. Mas, sobretudo, o que me faz defender esta opção governamental até à medula é perceber que, no fundo, isto é apenas uma peça do glorioso plano do tio Zé. Sim, que esta história de subir o preço do ginásio tem que ser lida em conjugação com o aumento do preço dos produtos alimentares. Uma coisa era se o ginásio aumentasse mas as tentações mantivessem o preço ou mesmo, Deus nos livre, se tornassem mais acessíveis. Obviamente que em breve seriamos um povo obeso, e mais gastos acarretaríamos para o Serviço Nacional de Saúde. Mas não, nunca o nosso líder faria tamanha malvadez. A pensar em nós e no nosso bem-estar, eis que aumentam os preços dos bens alimentares. Não há exercício físico, mas também não faz falta nenhuma porque uma parte da população também não terá muito para comer.
Enfim, não me entendem mal. Não se trata de deixar o povo a passar fome. Só os ricos. Esses burgueses capitalistas que enchem a pança de leite com chocolate e conservas. Sim, como toda a gente sabe (e quem não sabe ficou a saber com a proposta de orçamento) se há coisa luxuosa e que o rico gosta, tachantcahnctahn, é mesmo sardinha de lata. Já estou a ver na próxima ementa do Tavares Rico, como prato principal, trufas de salsicha Izidoro acompanhas com o seu belo Compal de 2 anos. Abrir o pacotinho de Compal e sentir aquele cheirinho de boa casta, enquanto se mastiga a salsichola. E se ainda sobrarem uns trocos, pede-se um feijãozito de lata para acompanhar. Tudo do melhor para quem pode pagar!
E aquele luxo do leite com chocolate! Essa miudagem que bebe aos 3 e 4 pacotes de leite com chocolate por semana e que não sabem o que a vida custa…. Bebam leitinho vindo da vaca. Melhor ainda, vão-na eles ordenhar!
Todos temos que apertar o cinto (daí a ideia de comermos menos). E por isso recebemos passivamente os cortes nos gastos com a Saúde e a Segurança Social. Quem ficar doente que faça uma mezinha caseira, daquelas que as avós faziam. Desde que não leve óleo nem margarina, claro, que isso são coisas de luxo.
E é bom saber que o Estado está connosco neste momento de restrição. Afinal, em vez de patrocinar a festa das Sete Maravilhas com um milhão e cem mil euros, o patrocínio foi apenas de quase um milhão e cem mil euros, e este quase faz toda a diferença. E a festa na Bolsa de Lisboa, que poderia ter custado para lá de 200 mil euros, custou apenas 196 mil. De modo que não se sintam sozinhos companheiros, o Estado também poupa. E se não acreditarem no que digo vão verificar os contratos relativos a estes eventos. Ou melhor… iriam, não fossem os ditos ter desaparecido da base de dados da contratação pública.
Fora outros gastos, gastinhos e gastões, em mais festas, medalhas, carros adjudicados a não sei, tachos para filhos e sobrinhos de não sei mais quem, os Ruis Pedros Soares deste paízinho, enfim, as despesas verdadeiramente pertinentes num Estado de Direito.
Por isso não me choca a proposta de orçamento. Rectifico: vindo de quem vem, não me choca. E não se veja nesta afirmação uma qualquer preferência por outra cor politica Nem sequer é disso que se trata. Acho que chegámos ao ponto do perfeito desencantamento com a política e com os políticos, e não vejo no horizonte governante que me inspire. Mas ainda assim gostava de tentar. Provavelmente seria mais do mesmo, mas quando se bateu no fundo, como nós, a leis de física impelem-nos a subir.
E assim cá continuo, sem crédito para sapatinhos nem para bolachinhas (outro luxo), as únicas coisas que antigamente apaziguavam o meu mau-humor. Agora sempre me resta o consolo de pensar em submarinos…
Mas um destes dias, quando receber o meu retorno do IRS, cometo uma loucura. Ah, pois é bebé. Passo ali no XL e peço uma tacinhinha de Moet Chandon com uma sandocha de atum. Porque um dia não são dias e de vez em quando há que cometer uma extravagância

2 comentários:

  1. Muito bom o seu texto!
    Aqui no Brasil estamos em época de eleição e não havia encontrado um texto que definisse tão bem o sentimento da minha geração!
    Beijos,
    Vero.

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  2. Acho que todos nós Verónica, seja no Brasil seja em Portugal, chamos a um ponto de saturação e de cansaço. No há paciência para corruptos e mentirosos e incompetentes.

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