sábado, 9 de outubro de 2010

O coleguinha


Todos temos histórias para contar de coleguinhas de trabalho que nos amargam os dias, e mesmo a existência, muitas vezes sem sabermos ao certo porquê, outras com motivos óbvios.
Até nos empregos mais perfeitos existe um coleguinha capaz de nos fazer trepar paredes. Rouba bolachas da nossa gaveta. Teima em ouvir as conversas que temos ao telefone, sobretudo aquelas privadas que envolvem namorados e afins. Pede emprestado guarda-chuvas que nunca devolve. Liga quase de madrugada a pedir boleia, ou durante o feriado para discutir trabalho. Insiste em ficar sentado ao nosso lado nos jantares de trabalho, para nos maçar com pormenores sobre a sogra, o periquito ou um furúnculo nalgum local íntimo do corpo. Sorve ruidosamente o café da chávena. Leva insistentemente as nossas cópias no meio das suas folhas.
Estes são coleguinhas incómodos, mas não magoam. Depois, depois temos os outros. São azedos, amargos. Incompetentes e limitados. Vivem mal connosco porque vivem mal consigo mesmos. E esses, ai, esses eu não perdoo.
O inferno são os outros. Não sei ao certo como Sartre lidava com eles, mas creio que provavelmente os ignorava. E é esta a máxima que tenho seguido para sobreviver no mundo social com alguma sanidade mental. Volta e meia deparo com criaturas que em termos humanos encarnam aspectos que não me atraem, e por vezes me põem mesmo o estômago às voltas. Mas quando intelectualmente me esmagam e me fazem pensar nas coisas que dizem e que escrevem não tenho outro remédio senão tolerá-las, porque de facto a magnitude de raciocínio sempre me mereceu imenso respeito. Outras vezes aparecem-me pela frente almas boas, boas como o mel a derreter em pão quente, mas pouco agraciadas em termos de esplendor intelectual. Claro que sofro cada vez que abrem em boca, mas não consigo evitar gostar delas, que mais não seja pela sua simplicidade.
De modo que, como bem se vê, sou tudo menos intolerante. Tolero os brilhantes malévolos e os generosos idiotas. Agora, o que eu não suporto, sob pena de urticária violenta capaz de me deixar internada e a soro, são os idiotas malévolos. É que neles não há nada a admirar. Nem a imensidão espiritual nem a grandeza intelectual. Logo… como diabo se atrevem a respirar o mesmo arzinho que eu?
Já é mau partilhar o elevador com estes espécimes semi-humanos, mas pior é tê-los como coleguinhas de trabalho. A verdade é que estou muito mal habituada neste aspecto. Fui abençoada com a felicidade de ter tido o privilégio de desde sempre ter trabalho com pessoas válidas, inteligentes, densas. Algumas delas extremamente interessantes, magnânimas, leais, honestas. Tenho sido agraciada com colegas que me tornaram a vida mais fácil, me ajudaram acima do que seria exigível, se preocuparam comigo, me ensinaram e me iluminaram. Sou uma pessoa melhor por causa delas. Os meus horizontes alargaram-se por causa delas. E por causa delas posso dizer que sou viciada no meu trabalho. Estas “elas” tornaram tudo mais fácil , e até divertido.
Por isso nem sei ao certo como me comportar quando me aparece pela frente uma “coisa” destas…. Posso dizer-vos que num meio de uma das incontornáveis fúrias do espécime lhe disse, já em completo estado de fadiga: “Ouve, se eu estivesse para aturar birras dessas tinha filhos e educava-os. De adultos não aturo”.
Tenho para mim que aqueles de nós que gostamos do nosso trabalho e se querem concentrar nele não andam por aí a criar conflitos que nos possam distrair do que é essencial. Mas que isso não signifique passividade perante a petulância, a maldade e a tacanhez. Não gosto de guerrinhas porque me consomem. Mas há guerras que sou forçada a comprar, ou deixava de ser eu. O risco é imenso, pois de quando em vez o dito “coleguinha” tem cunhas com Deus, com o Diabo e, pior ainda, com o chefe. E no final quem se lixa é aqui a vossa heroína dos bons conta contra os maus. Mas, sabem que mais? Valeu nem a pena. Porque pelo menos sai-se de cabeça bem erguida, com o orgulho de quem sabe que é, simplesmente, a bigger person

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