quinta-feira, 29 de março de 2012

Mesa para um, por favor


Sentada no avião, reflicto sobre esta última semana. Designação oficial: deslocação com vista à participação numa prestigiada conferência internacional. Designação que ficaram para a história: uma semana de férias num dos hot spot do planeta, com tudo pago. Senão: viajei sozinha.
Uma coisa é estar sozinha num sítio entediante e de foro semi-intelectual, como Colónia ou Toulouse. Coisa distinta é estar sozinha na suposta “puta da loucura”.
O primeiro grande desafio está logo no pequeno-almoço do hotel. “Mesa para um, por favor!”. Acreditem, nada despertará mais a simpatia e complacência geral do que uma menina sozinha a empacotar todas as amostras do buffet, enquanto olha em volta e observa. Porque, na verdade, quando se está sozinho, não restam muitas opções senão observar o que se passa. Entre bisbilhotar a vida dos vizinhos de mesa e convidar o empregado a sentar-se comigo, optei pela 1.ª hipótese.
Não é novidade que estar sozinha engorda. Não apenas porque, ao não ter com quem dividir o prato, me sinto quase forçada a meter cá para dentro tudo o que servem. Não apenas porque os doces são substitutos de muitos bens de primeira necessidade, Mas sobretudo porque quando enfiam o meu 1,63m numa quarto duplo com duas camas gigante é óbvio que as senhoras da limpeza deduzirão existe um misteriosa presença masculina a partilhar comigo todo aquele espaço, e teimam em deixar um chocolatinho em cada almofada. Desnecessário dizer que como os dois, para não estragar a ilusão de que ali está mais alguém.
A praia é outro desafio. Quanto nos fartamos de caminhar, entrar e sair da água, ou inventar súbitos interesses na linha do horizonte, só resta mesmo ler revistas femininas. Nunca estive tão a par das últimas modas como desde que me falta interlocutor para as pachorrentas conversas de praia. Posso não ter um homem para me adornar o braço, mas discuto ao mais alto nível as mais trendys tendências da estação, seja para braços, seja para pernas. É certo que as meninas estão mais que aptas para ler filosofia existencialista de Sarte, mas tenho para mim que essa é mais leitura de quarto de banho, enquanto a espreguiçadeira se coaduna melhor com o literatura sacarina, que até pode fazer mal mas pelo menos não engorda a dor da cabeça de meses de trabalho.
Esta viagem de avião, em si mesma, também não agoura coisa boa. É sabido, quem se arrisca a viajar só, se põe a jeito de ter a seu lado sentado um coscuvilheiro, um fanático religioso ou qualquer outras dessas espécies raras que miraculosamente se sentam a mim, sobretudo, juntos dos meus ouvidos. O próprio processo de embarcar e desembarcar pede dois braços fortes e peludos para carregar com as malas e guardá-las enquanto retocamos maquilhagem no quarto de banho.
Pergunto eu: porque é que o mundo está feito para dois? Porque não também para um ou para três? Será que o clássico menage perdeu posição nesta socialidade acassalada? Porque é que os quartos de hotel, as mesas de restaurante e os rins são pensados aos pares? Será dois melhor que um? Será que não devemos inventar o dia dos encalhados, para disputar lugar com o dia dos namorados? Será que desafio a ordem geral das coisas ao pedir para um no restaurante? Não sei. E também não tenho aqui um namorado com quem possa discutir estas questões existenciais.
Muitas da vós, portadoras da voz da razão, estão agora a comentar que a vida sem um homem bem poderá ser mais “agradável” do que a vida com ele, com menos desgostos e dores de cabeça. Mas, afinal, quem disse que eu almejava por uma vida tranquila?
The end
(fecho o PC e levanto-me da minha mesa para um).

sexta-feira, 23 de março de 2012

Uma droga chamada A-M-O-R


Quando andava no liceu li Os Filhos da Droga. Mentia se não dissesse que não andei semanas a fio a pensar no assunto. A história é pesada, especialmente para uma mente impressionável de 14 anos.
Estava na altura longe de supor que um dia estaria eu a tremer num canto, assacada pela ressaca da falta da minha droga. Com a diferença que a minha droga não era um pó nem um comprimido, mas uma pessoa. No meio disto tudo as drogas são o pior dos males. Porque o mal maior são mesmo as pessoas.
Tudo começa com uma curiosidade. Como será ele? Daqui do meu cantinho parece lindo, charmoso e fantástico. Será que ele é assim mesmo? Comos seria dar-lhe um beijo, saber os seus segredos, poder contar-lhe os meus?
Depois chega aquele amigo, qual dealer de drogas pesadas, a aguçar-nos o apetite. E fala-nos dele, dos seus feitos, das suas piadas. E nós ficamos de coração desfeito ansiando por ouvir uma dessas piadas. Depois daquela breve amostra do produto queremos é o produto mesmo.
Uma troca de números de telefone. Um encontro. Um jantar. Um abraço. Um fim-de-semana. E de repente já estamos agarradas fazendo planos para uma vida a dois. Parece que o alívio de todos os males das nossas vidas advém daqueles momentos juntos, ao passo que a sua ausência nos arrasta para uma ressaca que só se cura com o reencontro. É oficial: estamos viciadas no tipo.
De facto, o amor é como uma droga. Rectifico: o amor é uma droga. Um vício no qual é fácil cair, mas muito difícil sair.
Dizem os estudos científicos - juro, vi num daqueles canais para pessoas inteligentes – que quando estamos apaixonados o nosso cérebro liberta endorfinas, exactamente como se estivéssemos a tomar uma droga. Quando estamos apaixonados, e tudo está bem, e os passarinhos cantam, estamos totalmente inebriadas por essa droga, e não vemos mais nada. Descuidamos os amigos. Desinteressamo-nos do trabalho. Deixamos a dieta. A televisão já não nos prende. Basicamente, o tal aquilo torna-se a principal razão de ser da nossa existência. Ora, daqui advém sem dúvida um ponto positivo: a nossa vida fica tão preenchida que todos os problemas e frustrações desaparecem. Caramba, já nem nos recordávamos que se poderia ser assim feliz. Mas, não nos iludamos, o perigo, um perigo imenso, está sempre à espreita: é que se por algum motivo o tal amor desaparece das nossas vidas (e bem sabemos que o amor desaparece mais depressa do que um coelho numa cartola de mágico) tudo desaparece com ele, e regressam então os problemas, as frustrações, os medos, sei lá, tudo o que a vida tem de mau, e um bocadinho mais ainda.
É então que se entra na tal ressaca. Por vezes de cama mesmo. Perda de apetite e diminuição de peso. Pele macilenta. Voz arrasada. Quem sabe febre. Todo o singelo pensamento que nos passe pela cabeça vai necessariamente dar às tais endorfinas perdidas. No meio desta miséria acabamos a culpar a nossa estupida curiosidade, o tal dealer, os postais de ursinhos e corações que ele nos ofereceu. A culpar o mundo por existir.
E a nós também. Porque nos custa perceber como é que há tantos seres humanos por aí que experimenta a droga, a snifa esporadicamente, ou até mesmo todos os dias, e no entanto ali estão, rosados e felizes. São imunes à ressaca. Ganham e perdem amores sem ganhar quilos nem perder lágrimas. E nós – pobres de nós os fracos – que tombamos ao mínimo sintoma de privação.
Enquanto para os drogados medicamente reconhecidos há fármacos e centros de desintoxicação, a nós pouco mais nos resta do que maciças doses de chocolate e intermináveis conversas com amigos, que inevitavelmente terminam com um suspiro ou um choro.
Doloroso? Sem dúvida. Mas também uma grande lição de vida. Espero que ao menos nos ajude a resistir à tentação da próxima droga.

domingo, 18 de março de 2012

Menina não entra


No clube do Bolinha e sua tropa as meninas não entravam. Naqueles dias em que lia livros de banda desenhada deitava no chão do quarto, a comer gomas e a mexer nas tranças, esta era uma realidade que me era estranha. Durante grande parte da minha infância os meus companheiros de brincadeira eram também meninos. Aliás, eram sobretudo meninos, porque quando se vive num sítio onde a miudagem escasseia há que trabalhar com o que se tem, ou seja, há que brincar com quem se tem. Não sendo propriamente uma maria-rapaz acabei por me tornar uma eximia jogadora de futebol, uma menos eximia jogadora de berlinde, e dei os primeiros passos na construção de estradadas e auto-estradas para carrinhos de brincar em montes de areia.
O muro de Berlim entre nós – meninos e meninas – chegou mas tarde, nos teens years, quando começou a despertar um interesse mútuo que já não se prendia com brincadeiras – ou pelo, menos com aquelas brincadeiras – e quando passou a fazer sentido que em certas conversas só meninas, ou só meninos, estivessem presentes.
Ora, esperava eu que depois dos 30 tivéssemos resolvidos as nossas diferenças (so to say) e os grupos de tornassem definitivamente mistos. Não, pelo contrário. Parece que nunca estivemos tão afastados como agora. Claro que fazemos coisas em conjunto, nomeadamente you know what. E jantamos juntos. Fins-de-semana juntos. Férias juntos. Mas, em última instância, parece que os outros meninos os gratificam de uma outra que para nós é inalcançável, por muito que custe a acreditar. E assim damos por nós neste papel de companheiras para ouvir problemas, para ir ao supermercado, para jantares de família, mas somos remetidas à posição de espera nas tais intermináveis tardes e noitadas com os amiguinhos do costume, onde as meninas não entram.
A questão é esta: existirão certamente no mundo homens felizes que tiveram a boa fortuna de encontrar mulheres que se satisfazem em ficar em casa com os filhotes, a ver televisão ou até a ler, pacientes esperando pelo regresso do senhor, com dois copos a mais e juízo a menos. Infelizmente, eu não sou uma dessas mulheres. Não que não aprecie um serão caseiro, com um copo de vinho e um filme. Aliás, este arrisca-se a ser o meu programa preferido. Mas em companhia. A solo, já tive a minha a dose. E custa-me sobretudo a aceitar este destino quando sei que sou tão boa ou tão má companhia como qualquer menino, em variadíssimos aspectos até melhor. No meu caso isto é particularmente verdade porque – à luz dos protótipos de comportamento socialmente instituídos – grande parte da minha vida foi vivida como se fosse um menino. Cheguei a esta idade sem ter grande coisa para conversar no campo de gravidezes e bebés; passo tão pouco tempo em casa que nem sei cozinhar um jantar decente; e os meus melhores amigos são usualmente meninos. Não que não aprecie uma boa conversa com as meninas – que neste tempo em que os homens arranjam as unhas e enchem armários de roupa pode igualmente ser tida com meninos – mas, caramba, estou confinada o resto da vida a jantares de meninas e férias de meninas, como uma espécie de Apartheid sexual?
Esta divisão poderia fazer algum sentido quando as mulheres passavam grande parte do dia em casa, e os seus ambientes de conversa necessariamente se restrinjam aos filhos, à culinária, à costura e às novelas. Mas hoje em dia trabalhamos tanto como eles, ganhamos tanto como eles, viajamos tantos com eles, gostamos tanto de um copo como eles, logo, porque não somos um deles?
Em bom rigor já estive em mais sítios do que a maior parte dos homens e já vi mais mundo do que a maior parte dos homens. Trabalho mais horas do que a maior parte deles, vi mais futebol, caramba, tenho-os mais no sítio. Li mais livros, tenho mais opiniões. Sou capaz de não ser tão apreciadora de decotes de meninas, de arrotos e de coçar partes intimas. Mas se é esse o critério de exclusão, então, pondero que se calhar sou eu a não querer fazer parte do grupinho.
A questão nem se coloca só em relação às caras-metade. Até nas amizades se nota algum desconforto neste campo, como há dias desabava um amigo sobre o incomodado que se sentia ao discutir futebol comigo e com as restantes mulheres daquela mesa. E de repente senti-me de novo à porta da casinha de madeira, com aquele letreiro a barrar a entrada: “Menina não entra”. E ali ficámos, lost in translation, só porque um de nós faz xixi de pé e o outro sentado.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vestidos com pressupostos


Um vestido pode ser uma realidade bem complexa na vida de uma mulher. Desde logo porque os vestidos implicam, em regra, pressupostos. Há vestidos que só podemos usar quando estamos magras, outros só quando estamos morenas, outros quando fizemos a depilação, outros quando temos um soutien cheio de alças e tiras a cruzar pela frente e por trás, outros quando temos mamas, outros quando não temos mamas. Depois temos os vestidos que pressupõe uma companhia.
Entenda-se, pode ser uma amiga, a mãe, a tia-avó. Já não convém que seja o tio-avô ou o vizinho de cima. É que aquilo que pede à dita companhia é que nos puxe o fecho do vestido, estrategicamente colocado na nossa parte traseira, num daqueles sítios a que os nossos braços não conseguem chegar por mais esticados que estejam.
Tenho alguns vestidos desses. Nomeadamente tenho um que me deixa insana. A questão é esta: estou em crer que o vestido me fica particularmente bem, e como essa não é uma realidade assim tão frequentemente no meu guarda-vestidos reserva-o para situações especiais. O problema é que as minhas situações especiais nem sempre vêm acompanhadas por uma companhia das tais com legitimidade para me puxar o fecho do vestido.
Falo de um bicho complicado. Antes de mais é um tomara-que-caia, o que já de si causa algumas dificuldades, não só no acto de vestir mas também no acto de usar. Não se limita a ter um fecho nas costas. Na verdade tem dois. Primeiro temos um corpete bem justo, em bom rigor uma tripa elástica gigante onde é suposto enfiar-me, que encerra com um fecho (daqueles que não basta puxar, mas há também que encaixar o fecho para o começar a puxar para cima) e terminar com um colchete. Depois o dito vestido tem uma segunda camada, a qual também encerra com um fecho e, de novo, um colchete que funcione como cereja no topo do bolo, isto é, de mim.
Ora, eu já cheguei àquele ponto – derivado de muitos anos de treino e de muita necessidade, e já se sabe que a necessidade aguça o engenho - em que consigo efectivamente vestir o vestido pour moi meme. Devo dizer que é uma tarefa que me exige grande esforço físico, algumas notas de suor, acrobacias várias, e uma flexibilidade digna de estrela de circo. Basicamente, depois de abotoar a última mola e o último colchete estou pronta para voltar ao início e tomar um bom banho, porque ali estou eu, suada e desgrenhada, com vergões no corpo, e com bracinhos que esticam 5 mm de cada vez que tento esta proeza.
Já ponderei deixar-me disto e chamar à colação alguma alma caridosa que se prontifique a esta função. Não é fácil. Desde logo coloca-se a questão de saber como fazer o pedido. Imaginemos o cenário com que me defrontei há dias, quando dobrava o vestido para o guardar numa mala onde me esperava um evento bem simpático, no qual o meu vestido se sentiria como peixe na água. A questão é que, como sempre, estarei eu sozinha, com os meus sapatinhos e os vestidos. De modo que não pude deixar de ponderar como contornar o pesado obstáculo dos fechos. Ou seja… vestia eu a peste do vestido e depois? Saia do meu quartinho e batia na porta ao lado… “Olhe desculpe, o senhor - que nunca vi mais gordo nem mais magro – importa-se de deixar aí a sua esposa e chegar aqui ao pé de mim para me abotoar e puxar os fechos?” Recorde-se ainda que para a coisa correr bem teria que realizar este leque de operações de olhos fechados, pelo menos na parte inicial da “intervenção”.
Enfim, o episódio não augurava boa coisa, de modo que desisti deste projecto e acabei por atirar o vestido para um canto do quarto e enfiar qualquer outra coisa na mala.
Eventualmente arrumei-o na sua cruzeta, e ainda agora lá, escondido num canto do guarda-vestidos, ansiando pelos dias que eu venha a partilhar com uma cara-metade que me possa puxar o fecho dos vestidos. Com a sorte que me caracteriza já se antevê que quando tal acontecer – sim, sou optimista e até acredito em fábulas – ainda me calha um príncipe maneta, que só os dentes me poderá puxar o fecho, ou então já estou demasiado balofa para caber no vestidinho.

sábado, 10 de março de 2012

Casamento aberto, coração fechado?


Numa altura em que tantos casamentos terminam há-que perguntar porque é que se mantêm aqueles que se mantêm. Já sei que me vão do amor de verdade, da honestidade, da lealdade, de interesses económicos, dos filhos, da pura preguiça. Pois bem, vi há uns tempos um documentário no qual se sugeria um outro cimento: os affairs.
Repare-se que não escrevi infidelidade. Na verdade estive aqui uns bons dois minutos a pensar qua seria a palavra mais acertada. Porque infidelidade, segundo vejo as coisas, expressa uma deslealdade, uma mentira, uma coisa que se esconde. Ora, aquilo de que quero falar é antes a manutenção de relações extraconjugais - no puro sentido de relações sexuais, entenda-se – com o conhecimento, e inclusive o apoio do outro. Trata-se de abrir o casamento á intervenção de gentios e bem-parecidos terceiros, enquanto ao mesmo tempo o coração permanece (segundo parece) fechado às incursões dos ditos. Assim, não só se afasta a monotonia e se brinda o casamento com novas e emocionantes aventuras como, por outro lado, se tem absoluta certeza de que o outro permanece apaixonado pois que todos os dias vê os seus sentimentos testados.
No documentário lá aparecia o nosso casal feliz, sentados no sofá a conversar um com o outro, quando de repente toca a campainha e entre um dos vários “terceiros intervenientes”. Cumprimenta a senhora com um beijinho, um aperto de mão ao marido, e vai daí pega na mulher deste marido e vai com ela para o quarto. Não um quarto de hotel, mas um quarto ali mesmo da casa onde esse tal marido passou o resto da tarde, no sofá a ver televisão e a fazer palavras cruzadas. Enquanto isso a mulher e o terceiro lá estavam no quartinho, os dois. A fazer coisas. Daquelas com bolinha vermelha. Até que saíram cá para fora, se despediram com um bem-haja e o feliz casal voltou à sua vida banal de… feliz casal. Enfim, tudo está bem quando acaba bem.
Depois foi a vez de chegar uma terceira para fazer companhia ao senhor. E lá foram eles os dois para o dito quarto, certamente em grades acrobacias, enquanto a mulher terminava de pintar as unhas dos pés. E depois foi para a cozinha fazer o almoço, e no final da história comerem todos juntos à mesa, porventura falando das intimidades de cada um.
É isto adultério? Eu diria que não.
A ideia de um adultério consentido (e até incentivado) é uma incongruência nos termos. O adultério é, sempre e necessariamente, uma situação enganosa e desleal. Nem sequer se pode dizer que seja uma infidelidade porque na verdade as partes estão a ser fiéis ao seu projecto comum de vida. Logo, quando ambas as partes estão de acordo na intervenção de terceiras pessoas… live and let live. A verdade é que se um casamento nestes termos dura para além do tradicional prazo de validade dos sete anos, então, é porque o esquema funciona.
Dito isto, será que a relação aberta é um caminho a ponderar?
Teoricamente sim. E certamente funcionará para algumas pessoas. Mas eu continuo a achar que a monogamia está bem e recomenda-se. Pela minha parte nem consigo conceber outra forma de vida.
A questão é que eu gostava de não dizer isto. Gostava de ter um espirito tão aberto a ponto de chegar aqui e escrever maravilhas desta coisa aparentemente fantástica na qual terceiras pessoas (mais ou menos) interessantes entram e saem da relação conjugal, tornando-a mais rica, divertida e desafiante. E até, pelos vistos, mais consistente. E estaria mais que disposta a dizer isto não fosse o facto de ter a cabecinha cheia com ideias (burguesas?) que me foram incutidas por um educação parental meticulosa e por uma data de livros de príncipes, princesas e cavaleiros andantes. Ora, nunca se ouviu falar que a princesa tivesse traído o príncipe com o sapo (excepto a Lady Di, claro está). De modo que estes principiozinhos continuam a ditar a forma como vejo o mundo e, especialmente, as relações a dois, que para mim são isso mesmo e apenas isso: uma relação onde só duas pessoas existem.
Não se veja aqui qualquer censura moral face a quem adopta este estilo de vida. Há muito poucas coisas neste mundo face às quais sou intolerante e esta não é, de todo, uma delas. Partilhem o vosso amor, o vosso sexo e sejam muito felizes. Digo-o genuinamente. Mas eu não sou assim. De modo que me esperar que a minha relação fechada dure (pelo menos) tanto tempo quanto a vossa relação aberta.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Crónica das boas malandras


“São piores que nós, é o que te digo”.
O tipo de manga cava, cabelo rapado e corpo como um muro, gritava estas palavras pelo corredor do shopping, de modo que eu não tinha como não olhar para ele. Talvez fosse pela dita manga cava, aliada ao restante look de gigolo em saldos. Talvez fosse pelos berros que dava ao longo do shopping. Ou talvez apenas porque qualquer homem que se escandalize pelo facto de as mulheres serem seres tão sexuais e atrevidas como os homens me escandalize a mim. Não sei o exacto motivo. Mas foi para mim um sinal de alerta de um fenómeno escabroso que se andava a passar debaixo do meu nariz.
Ao que parece aquela alminha era instrutor de uma modalidade qualquer, num daqueles ginásios que nós pagamos para ter gente instruída que nos ajude a ginasticar sem apanhar nenhuma lesão. Mas, ao invés de estar atento à forma como as suas alunas faziam os exercícios, o tipo passava aquela horinha de trabalho a topar as malhas justas que as ditas alunas levavam para as aulas. Ah, as malandras das alunas. Toda a gente sabe que é suposto ir ao ginásio de gola alta e burca. Onde é que aquelas malvadas tinham a cabeça quando se lembraram de aparecer de leggings e tops?
É claro que perante tal factualidade não podia o pobre desgraçado deduzir outra coisa senão que as malandrecas abdicavam da sua hora de almoço propositadamente para o seduzir.
Meninas, o tipo apanhou-nos: ele percebeu que o motivo pelo qual mulheres auto-suficientes, com profissões exigentes, e alguma preocupação em caber nos bikinis, acordam quase de madrugada e trocam uma hora de sono por uma hora de dor e transpiração, ou então desperdiçam a hora de almoço no ginásio para depois engolir uma sandes manhosa em 2 minutos. Para seduzir o instrutor, claro está. Obviamente que não será para perder peso, ganhar musculo e sentirem-se bem consigo próprias, não senhor.
O ponto alto da conversa telefónica- sim, fica mais alto do que isto – é quando a mente iluminada conclui que “as gajas são piores do que nós. Ouve o que te digo, as gajas são piores do que nós”. Ora bem, esta conclusão suscita-me tantos pensamentos que nem sei por onde começar:
i) Existe uma competição entre os sexos para ver quem é mais atrevido ou mais depravado? Se existe agradecia que me tivessem informado antes porque eu não tenho ido aos treinos e isso parece-me jogo sujo.
ii) O grau de atrevimento e depravação é condicionado pelas roupas que se usam, mais propriamente, pelas roupas que se usam no ginásio? Não consigo deixar de ficar perplexa quando me dizem que fulana x ou y deve ser de “fácil acesso” porque usa mini-saia e decotes. É que na verdade as meninas mais assanhadas (e que bom para elas) com quem tive oportunidade de privar vestiam-se, em regra, como castas noviças, ao passo que eu, com as minhas sais-cinto e adornos corporais, sou, basicamente, o que se chama uma totó. De modo que julgar o comportamento dos outros pela apresentação exterior é tão naif e limitado como achar que todos os chineses são bons a matemática e que todos os brasileiros gostam de Carnaval. Chama-se “preconceito” e “estereótipo”, e é sinal de tacanhez intelectual. Depois, parece-me sobretudo patético que alguém se convença que o coleguinha de ginásio o está a galar a partir de umas calças justas, e de todas aquelas outras coisas que costumamos levar para os ginásios. E a transpiração é sinal de quê? Excitação sexual?
iii) Finalmente, é suposto as mulheres serem as que se deixam conquistar? Ficar sentadinhas à espera que algum garboso cavalheiro se aproxime e lhes pergunte “a menina dança?”. Podemos ao menos deixar cair um lencinho branco no chão? Ou quem sabe piscar incessantemente os olhos? Enfim, onde se situa a linha entre o jogo da sedução e a tolice? É que se eu ficasse à espera que o meu namorado me “abordasse” ainda hoje estaria a jogar xadrez sozinha. Até eu, a Grão Mestre da Ordem das Totós, tive que espevitar. De modo que, mesmo que as ditas malandras assanhadas tivessem como propósito seduzir aquele instrutor - o que só por esdruxula hipótese se concede (por exemplo, a circunstância de não existir mais nenhum homem à face da terra) – e … so what?
Só não fico seriamente preocupada com esta conversa porque… enfim… qualquer coisa que saia da boca de um espécime de manga cava deve ser ouvida com granu salis (desculpem os caríssimos leitores pelas mangas cavas que tenham, mas fiquem sabendo que - e exceptuando casos muitos excepcionais, que certamente não envolvem passeios pelo shopping - isso está ao nível da peúga branca com raquetes e dos cruxifixos aos peito).
Numa outra perspectiva posso confirmar que o relato descrito teve o inegável mérito de me alertar para essa malandragem que assolam os nossos ginásios, de ninas que se atrevem a fazer exercício giras e a mostrar os abdominais. Toda a gente sabe que era suposto aparecerem deslavadas, de roupa largalhona e com elásticos a ceder. Melhor ainda, com cuecão. As, as malandras!

quinta-feira, 1 de março de 2012

Temos que falar


Deve haver poucas frases no mundo mais terroríficas para um homem do que o célebre “Temos que falar”.
Bem sei que há fortes candidatos a derrotar esta proclamação dramática. “O que achas desta amiga minha?”. “Estou mais gorda?”. “Preferes estar com os teus amigos do que comigo?”. “Que raio de mensagem é esta no teu telemóvel?”. “Achas que as coisas entre nós vão resultar?”. “Quando podemos ter filhos?”. And so on, and so on.
Mas o “Temos que falar” é o incontestável vencedor porque, em boa verdade, daqui tudo pode resultar. Podemos ter que falar sobre a forma como ele olhou para outra mulher, sobre o nosso passado, sobre o nosso futuro. Botton line: nunca temos que falar sobre coisas boas. É sempre coisas melindrosas e chatas.
É uma intimidação – repare-se, não é um convite, um pedido ou uma sugestão – para uma daquelas conversas que os homens querem a todo o custo evitar. E a verdade é que os homens querem sempre evitar todo o tipo de conversas, a não ser que digam respeito a futebol, copos, carros, motas ou mamas, ou já agora, qualquer coisa que se possa montar. Mas qualquer referência que minimamente envolva sentimentos, fragilidades, compromissos, tudo isso vem acompanhado na mente masculina com uma sirene e um alerta vermelho do tipo “foge e esconde-te”. Ou, noutros termos, “tenta evitar esta conversa o maior tempo possível, adia com todos os argumentos que te vierem à cabeça, e quando não conseguires pedir mais tempo sê o mais evasivo que possas, responde com monossílabos ou, melhor mesmo, remete-me ao silêncio”.
Já as mulheres, bem, nós adoramos conversar. Com todos e sobre tudo. Mas sobretudo com ele e sobre a nossa relação. É verdade: passamos mais tempo a analisar a relação, a reflectir sobre ela, a tentar melhorá-la, do que propriamente a vivê-la. E a questão é que não nos satisfazemos em meditar sobre a dita sozinhas, no aconchego da nossa cabeça. Gostamos de partilhar as nossas angústias com as amigas, o que já de si é desagradável, porque deixa escancarada a porta da intimidade quando para um homem essa porta deveria permanecer fechada e até com o buraco da fechadura tapado. Mas, sobretudo, gostamos de falar da relação com eles. De lhes perguntar coisas. Daquelas coisas que eles não nos querem dizer, e que por vezes nem eles sabem. E não nos satisfazemos com qualquer resposta. Queremos AQUELA resposta. A tal que nos faz sentir especiais e únicas.
Mas já que sabe que os homens, por regra – com excepções, e não tão-poucas assim, reconheço – são parcos de palavras. Ou seja, ao contrário de nós têm por hábito usar apenas uma pequena parte do seu vocabulário. As emoções são mais neutras e gostam de as reservar para si. E, acima de tudo, têm especial cuidado em não deixar transparecer promessas. Ora, nós adoramos promessas. E somos capazes de arrastar uma conversa até à exaustão só para arrancar ao desgraço essa promessa, que ele acaba por deitar cá para fora na vã esperança que nos calemos. Mas não. Nós continuamos. E continuamos. E continuamos. E muitas vezes, para piorar a coisa – como se pudesse ficar pior ainda – desatamos a chorar compulsivamente. Ou, pelo menos corre-nos uma lágrima pela face. Não digo que seja sempre estratégia. Umas vezes é-o, reconheço. Mas noutros casos é apenas a frustração do rumo da conversa que deita cá para fora aquele mililitro de líquido salino que temos sempre no saco lagrimal, desejoso de saltar e pronto para nos borrar a pintura.
A questão é que muitas das respostas que nos dão no tal “Temos que falar” não são para levar a sério. Não porque nos queiram deliberadamente ludibriar, mas porque os vencemos pelo cansaço e, nesse ponto, eles dirão qualquer coisa que nos faça calar. Ou seja, dirão exactamente aquilo que queremos ouvir, independentemente de ser verdade ou não. E nós sabemos isso, creio eu. Mas, por algum estranho motivo que talvez se ligue às hormonas, ao cérebro, ao que seja, precisamos de o ouvir dizê-lo. Mais do que isso, precisamos de nos ouvir falar. De nos ouvir dizer todas aquelas coisas que mentalmente memorizámos, aquelas frases bonitas que achámos que teriam um efeito dramático. Podem ser coisas muito certas. Podemos ter toda a razão do mundo. Mas o facto de as dizermos vezes sem conta e de os obrigarmos a dar-nos razão não as torna mais verdadeiras nem nos dá mais razão. Pelo contrário, torna-nos chatas e banais.
Em suma, se o objectivo é esse - ouvir-nos a palrear – então, mais vale que nos viremos para a torradeira ou para um chinelo e dizer-lhe: “Temos que falar”. Certamente receberemos deste nosso interlocutor a mesma atenção.