quinta-feira, 1 de março de 2012

Temos que falar


Deve haver poucas frases no mundo mais terroríficas para um homem do que o célebre “Temos que falar”.
Bem sei que há fortes candidatos a derrotar esta proclamação dramática. “O que achas desta amiga minha?”. “Estou mais gorda?”. “Preferes estar com os teus amigos do que comigo?”. “Que raio de mensagem é esta no teu telemóvel?”. “Achas que as coisas entre nós vão resultar?”. “Quando podemos ter filhos?”. And so on, and so on.
Mas o “Temos que falar” é o incontestável vencedor porque, em boa verdade, daqui tudo pode resultar. Podemos ter que falar sobre a forma como ele olhou para outra mulher, sobre o nosso passado, sobre o nosso futuro. Botton line: nunca temos que falar sobre coisas boas. É sempre coisas melindrosas e chatas.
É uma intimidação – repare-se, não é um convite, um pedido ou uma sugestão – para uma daquelas conversas que os homens querem a todo o custo evitar. E a verdade é que os homens querem sempre evitar todo o tipo de conversas, a não ser que digam respeito a futebol, copos, carros, motas ou mamas, ou já agora, qualquer coisa que se possa montar. Mas qualquer referência que minimamente envolva sentimentos, fragilidades, compromissos, tudo isso vem acompanhado na mente masculina com uma sirene e um alerta vermelho do tipo “foge e esconde-te”. Ou, noutros termos, “tenta evitar esta conversa o maior tempo possível, adia com todos os argumentos que te vierem à cabeça, e quando não conseguires pedir mais tempo sê o mais evasivo que possas, responde com monossílabos ou, melhor mesmo, remete-me ao silêncio”.
Já as mulheres, bem, nós adoramos conversar. Com todos e sobre tudo. Mas sobretudo com ele e sobre a nossa relação. É verdade: passamos mais tempo a analisar a relação, a reflectir sobre ela, a tentar melhorá-la, do que propriamente a vivê-la. E a questão é que não nos satisfazemos em meditar sobre a dita sozinhas, no aconchego da nossa cabeça. Gostamos de partilhar as nossas angústias com as amigas, o que já de si é desagradável, porque deixa escancarada a porta da intimidade quando para um homem essa porta deveria permanecer fechada e até com o buraco da fechadura tapado. Mas, sobretudo, gostamos de falar da relação com eles. De lhes perguntar coisas. Daquelas coisas que eles não nos querem dizer, e que por vezes nem eles sabem. E não nos satisfazemos com qualquer resposta. Queremos AQUELA resposta. A tal que nos faz sentir especiais e únicas.
Mas já que sabe que os homens, por regra – com excepções, e não tão-poucas assim, reconheço – são parcos de palavras. Ou seja, ao contrário de nós têm por hábito usar apenas uma pequena parte do seu vocabulário. As emoções são mais neutras e gostam de as reservar para si. E, acima de tudo, têm especial cuidado em não deixar transparecer promessas. Ora, nós adoramos promessas. E somos capazes de arrastar uma conversa até à exaustão só para arrancar ao desgraço essa promessa, que ele acaba por deitar cá para fora na vã esperança que nos calemos. Mas não. Nós continuamos. E continuamos. E continuamos. E muitas vezes, para piorar a coisa – como se pudesse ficar pior ainda – desatamos a chorar compulsivamente. Ou, pelo menos corre-nos uma lágrima pela face. Não digo que seja sempre estratégia. Umas vezes é-o, reconheço. Mas noutros casos é apenas a frustração do rumo da conversa que deita cá para fora aquele mililitro de líquido salino que temos sempre no saco lagrimal, desejoso de saltar e pronto para nos borrar a pintura.
A questão é que muitas das respostas que nos dão no tal “Temos que falar” não são para levar a sério. Não porque nos queiram deliberadamente ludibriar, mas porque os vencemos pelo cansaço e, nesse ponto, eles dirão qualquer coisa que nos faça calar. Ou seja, dirão exactamente aquilo que queremos ouvir, independentemente de ser verdade ou não. E nós sabemos isso, creio eu. Mas, por algum estranho motivo que talvez se ligue às hormonas, ao cérebro, ao que seja, precisamos de o ouvir dizê-lo. Mais do que isso, precisamos de nos ouvir falar. De nos ouvir dizer todas aquelas coisas que mentalmente memorizámos, aquelas frases bonitas que achámos que teriam um efeito dramático. Podem ser coisas muito certas. Podemos ter toda a razão do mundo. Mas o facto de as dizermos vezes sem conta e de os obrigarmos a dar-nos razão não as torna mais verdadeiras nem nos dá mais razão. Pelo contrário, torna-nos chatas e banais.
Em suma, se o objectivo é esse - ouvir-nos a palrear – então, mais vale que nos viremos para a torradeira ou para um chinelo e dizer-lhe: “Temos que falar”. Certamente receberemos deste nosso interlocutor a mesma atenção.

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