quarta-feira, 14 de março de 2012

Vestidos com pressupostos


Um vestido pode ser uma realidade bem complexa na vida de uma mulher. Desde logo porque os vestidos implicam, em regra, pressupostos. Há vestidos que só podemos usar quando estamos magras, outros só quando estamos morenas, outros quando fizemos a depilação, outros quando temos um soutien cheio de alças e tiras a cruzar pela frente e por trás, outros quando temos mamas, outros quando não temos mamas. Depois temos os vestidos que pressupõe uma companhia.
Entenda-se, pode ser uma amiga, a mãe, a tia-avó. Já não convém que seja o tio-avô ou o vizinho de cima. É que aquilo que pede à dita companhia é que nos puxe o fecho do vestido, estrategicamente colocado na nossa parte traseira, num daqueles sítios a que os nossos braços não conseguem chegar por mais esticados que estejam.
Tenho alguns vestidos desses. Nomeadamente tenho um que me deixa insana. A questão é esta: estou em crer que o vestido me fica particularmente bem, e como essa não é uma realidade assim tão frequentemente no meu guarda-vestidos reserva-o para situações especiais. O problema é que as minhas situações especiais nem sempre vêm acompanhadas por uma companhia das tais com legitimidade para me puxar o fecho do vestido.
Falo de um bicho complicado. Antes de mais é um tomara-que-caia, o que já de si causa algumas dificuldades, não só no acto de vestir mas também no acto de usar. Não se limita a ter um fecho nas costas. Na verdade tem dois. Primeiro temos um corpete bem justo, em bom rigor uma tripa elástica gigante onde é suposto enfiar-me, que encerra com um fecho (daqueles que não basta puxar, mas há também que encaixar o fecho para o começar a puxar para cima) e terminar com um colchete. Depois o dito vestido tem uma segunda camada, a qual também encerra com um fecho e, de novo, um colchete que funcione como cereja no topo do bolo, isto é, de mim.
Ora, eu já cheguei àquele ponto – derivado de muitos anos de treino e de muita necessidade, e já se sabe que a necessidade aguça o engenho - em que consigo efectivamente vestir o vestido pour moi meme. Devo dizer que é uma tarefa que me exige grande esforço físico, algumas notas de suor, acrobacias várias, e uma flexibilidade digna de estrela de circo. Basicamente, depois de abotoar a última mola e o último colchete estou pronta para voltar ao início e tomar um bom banho, porque ali estou eu, suada e desgrenhada, com vergões no corpo, e com bracinhos que esticam 5 mm de cada vez que tento esta proeza.
Já ponderei deixar-me disto e chamar à colação alguma alma caridosa que se prontifique a esta função. Não é fácil. Desde logo coloca-se a questão de saber como fazer o pedido. Imaginemos o cenário com que me defrontei há dias, quando dobrava o vestido para o guardar numa mala onde me esperava um evento bem simpático, no qual o meu vestido se sentiria como peixe na água. A questão é que, como sempre, estarei eu sozinha, com os meus sapatinhos e os vestidos. De modo que não pude deixar de ponderar como contornar o pesado obstáculo dos fechos. Ou seja… vestia eu a peste do vestido e depois? Saia do meu quartinho e batia na porta ao lado… “Olhe desculpe, o senhor - que nunca vi mais gordo nem mais magro – importa-se de deixar aí a sua esposa e chegar aqui ao pé de mim para me abotoar e puxar os fechos?” Recorde-se ainda que para a coisa correr bem teria que realizar este leque de operações de olhos fechados, pelo menos na parte inicial da “intervenção”.
Enfim, o episódio não augurava boa coisa, de modo que desisti deste projecto e acabei por atirar o vestido para um canto do quarto e enfiar qualquer outra coisa na mala.
Eventualmente arrumei-o na sua cruzeta, e ainda agora lá, escondido num canto do guarda-vestidos, ansiando pelos dias que eu venha a partilhar com uma cara-metade que me possa puxar o fecho dos vestidos. Com a sorte que me caracteriza já se antevê que quando tal acontecer – sim, sou optimista e até acredito em fábulas – ainda me calha um príncipe maneta, que só os dentes me poderá puxar o fecho, ou então já estou demasiado balofa para caber no vestidinho.

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