segunda-feira, 5 de março de 2012

Crónica das boas malandras


“São piores que nós, é o que te digo”.
O tipo de manga cava, cabelo rapado e corpo como um muro, gritava estas palavras pelo corredor do shopping, de modo que eu não tinha como não olhar para ele. Talvez fosse pela dita manga cava, aliada ao restante look de gigolo em saldos. Talvez fosse pelos berros que dava ao longo do shopping. Ou talvez apenas porque qualquer homem que se escandalize pelo facto de as mulheres serem seres tão sexuais e atrevidas como os homens me escandalize a mim. Não sei o exacto motivo. Mas foi para mim um sinal de alerta de um fenómeno escabroso que se andava a passar debaixo do meu nariz.
Ao que parece aquela alminha era instrutor de uma modalidade qualquer, num daqueles ginásios que nós pagamos para ter gente instruída que nos ajude a ginasticar sem apanhar nenhuma lesão. Mas, ao invés de estar atento à forma como as suas alunas faziam os exercícios, o tipo passava aquela horinha de trabalho a topar as malhas justas que as ditas alunas levavam para as aulas. Ah, as malandras das alunas. Toda a gente sabe que é suposto ir ao ginásio de gola alta e burca. Onde é que aquelas malvadas tinham a cabeça quando se lembraram de aparecer de leggings e tops?
É claro que perante tal factualidade não podia o pobre desgraçado deduzir outra coisa senão que as malandrecas abdicavam da sua hora de almoço propositadamente para o seduzir.
Meninas, o tipo apanhou-nos: ele percebeu que o motivo pelo qual mulheres auto-suficientes, com profissões exigentes, e alguma preocupação em caber nos bikinis, acordam quase de madrugada e trocam uma hora de sono por uma hora de dor e transpiração, ou então desperdiçam a hora de almoço no ginásio para depois engolir uma sandes manhosa em 2 minutos. Para seduzir o instrutor, claro está. Obviamente que não será para perder peso, ganhar musculo e sentirem-se bem consigo próprias, não senhor.
O ponto alto da conversa telefónica- sim, fica mais alto do que isto – é quando a mente iluminada conclui que “as gajas são piores do que nós. Ouve o que te digo, as gajas são piores do que nós”. Ora bem, esta conclusão suscita-me tantos pensamentos que nem sei por onde começar:
i) Existe uma competição entre os sexos para ver quem é mais atrevido ou mais depravado? Se existe agradecia que me tivessem informado antes porque eu não tenho ido aos treinos e isso parece-me jogo sujo.
ii) O grau de atrevimento e depravação é condicionado pelas roupas que se usam, mais propriamente, pelas roupas que se usam no ginásio? Não consigo deixar de ficar perplexa quando me dizem que fulana x ou y deve ser de “fácil acesso” porque usa mini-saia e decotes. É que na verdade as meninas mais assanhadas (e que bom para elas) com quem tive oportunidade de privar vestiam-se, em regra, como castas noviças, ao passo que eu, com as minhas sais-cinto e adornos corporais, sou, basicamente, o que se chama uma totó. De modo que julgar o comportamento dos outros pela apresentação exterior é tão naif e limitado como achar que todos os chineses são bons a matemática e que todos os brasileiros gostam de Carnaval. Chama-se “preconceito” e “estereótipo”, e é sinal de tacanhez intelectual. Depois, parece-me sobretudo patético que alguém se convença que o coleguinha de ginásio o está a galar a partir de umas calças justas, e de todas aquelas outras coisas que costumamos levar para os ginásios. E a transpiração é sinal de quê? Excitação sexual?
iii) Finalmente, é suposto as mulheres serem as que se deixam conquistar? Ficar sentadinhas à espera que algum garboso cavalheiro se aproxime e lhes pergunte “a menina dança?”. Podemos ao menos deixar cair um lencinho branco no chão? Ou quem sabe piscar incessantemente os olhos? Enfim, onde se situa a linha entre o jogo da sedução e a tolice? É que se eu ficasse à espera que o meu namorado me “abordasse” ainda hoje estaria a jogar xadrez sozinha. Até eu, a Grão Mestre da Ordem das Totós, tive que espevitar. De modo que, mesmo que as ditas malandras assanhadas tivessem como propósito seduzir aquele instrutor - o que só por esdruxula hipótese se concede (por exemplo, a circunstância de não existir mais nenhum homem à face da terra) – e … so what?
Só não fico seriamente preocupada com esta conversa porque… enfim… qualquer coisa que saia da boca de um espécime de manga cava deve ser ouvida com granu salis (desculpem os caríssimos leitores pelas mangas cavas que tenham, mas fiquem sabendo que - e exceptuando casos muitos excepcionais, que certamente não envolvem passeios pelo shopping - isso está ao nível da peúga branca com raquetes e dos cruxifixos aos peito).
Numa outra perspectiva posso confirmar que o relato descrito teve o inegável mérito de me alertar para essa malandragem que assolam os nossos ginásios, de ninas que se atrevem a fazer exercício giras e a mostrar os abdominais. Toda a gente sabe que era suposto aparecerem deslavadas, de roupa largalhona e com elásticos a ceder. Melhor ainda, com cuecão. As, as malandras!

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