sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Casamentos interessantes com pessoas desinteressantes


Corre por aí o mito de que há uma data de gente super-interessante que no fim do dia vai para casa ter com pessoas super-pouco-interessantes. Isto é um casamento. E pelos vistos a coisa funciona porque não alguns ainda não se divorciaram.
Ora, eu não percebo isto. Como é que alguém que se interessa por politica, história, viagens, literatura, enfim, todas essas coisas que tornam a vida mais suportável, consegue partilhar a existência com alguém que suscita o mesmo interesse que um frasco de Nutela vazio?
Note-se que não se trata de partilhar algumas horas do seu tempo com as ditas pessoas, de dividir um gabinete ou de ter um cacifo lado a lado no ginásio. Trata-se de casar. Partilhar os dias e as noites. Ter filhos. Tudo isto com amebas.
Confrontada com a falta de resposta para este algoritmo social sou forçada a concluir que as tais pessoas supostamente interessantes são, na verdade, tão vazias e tão ocas como as suas caras-metade.
Ou seja, é certo que os opostos se atraem (sabes bem não o podes negar, e um Martini convida a viver e blablabla), e por isso vemos o lutador de sumo com a modelo de 30kg e depois vemo-nos a mim, a super-Barbie, com um nerd anti-barbies que eu acho sexy e que me acha sexy a mim, and so on and so on. Mas até a atracção dos opostos se defronta com limites intransponíveis, uma espécie de fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul: uma pessoa que lê livros de verdade não se mistura com alguém cujo ponto alto de leitura é a Vogue, e só aquelas páginas com fotografias de roupa e no máximo 3 ou 4 palavras.
No meu ingénuo e platónico entendimento das coisas o QI continua a ser A barreira. Podemos viver com discussões, com falta de dinheiro, com milhentas coisas que tornam a vida a dois uma coisa complicada. Mas viver sem conversas? Sem ter alguém a quem contar o que se passou naquele dia no trabalho e que efectivamente compreende aquilo que queremos dizer?
Um amiguinho meu, mais iluminado do que eu certamente, garante-me que estes casamentos funcionam porque se fundam em valores supremos, mais supremos que o amor ou a camaradagem.
Ora, eu não sou tacanhamente romântica. Percebo bem que em certas famílias apenas certos casamentos sejam admissíveis. É óbvio que um desses cavalheiros jamais se poderia enroscar com uma plebeia como eu. Ou melhor, enroscar até poderia. Aliançar é que não. Como é que explicava ao tribunal familiar que eu não tinha um daqueles nomes tirados de uma árvore genealógica com mais de 500 anos, nem tinha estudado no liceu francês? Como justificaria as tatuagens, os piercings e, pior que isso, as opiniões? Não é que eu seja particularmente interessante. Há dezenas e dezenas de países onde nunca estive. Não sei falar alemão nem leio grego. Não conheço fórmulas químicas. Não sei pilotar um avião nem conduzir uma moto. É até bem provável que seja meio tonta. Mas pelo menos trabalho, pago as minhas contas, já li um ou dois livros na vida e até, pasme-se, por vezes vêm pessoas de longe para me ouvir falar.
Restam-me então duas hipóteses. Ou bem que o interesse de que desfrutam no seu círculo de amigos é mera aparência granjeada à força de uma ou duas poscas de pescada que atiram cá para fora depois de ver um daqueles programas da RTP2. Ou bem que de facto são interessantes e, por milagre das relações humanas, jantam, dormem e fazem a barba ao lado de seres mais limitados.
Ao que parece organizaram a sua vida para ser minimamente suportável, e quem sabe até feliz. Trabalham muito, chegam tarde a casa, brincam com os filhos, entretanto é hora de dormir, no outro dia assim e no outro assim também. Desde que cumpram algumas presenças oficiais em festas de família, e pelo menos 15 dias de férias com a prole e as esposazinhas, dispõem até de um calendário bastante livre onde podem conversar e discutir com alguém que lhes estimule outras necessidades para além da reputação ou da paz familiar. E isto é um casamento interessante com pessoas desinteressantes.

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