terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Piegas, feios, porcos e maus


Muito se tem dito acerca do povo português. Somos um povo de valentes, gente corajosa e aventureira, vaidosa e muito dada a aparência, péssimos gestores de dinheiro mas solidários e generosos, afáveis no acolhimento, saudosistas, com um perpétuo resquício de melancolia (será saudade) mas também dotados daquela animação, aquele sangue quente e aquele mar de emoções que marca os povos latinos.
Sobre tudo isto escreveram durante anos romancistas e poetas.
Pois bem, há poucos dias atrás eis que o nosso Primeiro nos descobriu outra peculiaridade. Pelos vistos somos piegas. Somos gente fraca, à qual apraz a lamúria e que se lamenta por tudo e por nada.
Ou seja, em nome da utilidade pública expropria-nos dos subsídios de Natal e de férias, mas ao contrário dos outros expropriados recebemos uma compensação diferente: em troca do nosso sacrifício sabemos que o resto da Europa muito valoriza o nosso esforço. Enfim, valoriza medianamente, vá lá. Porque a senhora Merkel lá vai dizendo que somos malta preguiçosa e pouco dada ao trabalho. Coisa que eu até acreditaria, porque tudo o que a senhora Merkel diz vem com aquela ar de solenidade da razão profunda do rigor alemão e de quem deve ter 245 especialistas a estudar cada vírgula do seu discurso. Mas vai-se a ver afinal a senhora Merkel enganou-se e nós até trabalhamos mais do que os alemães. Mas adiante, somos expropriados dos nossos subsídios, e lamentamo-nos. Vivemos em cima da ténue linha entre empego e desemprego, e lamentamo-nos. Temos uma greve a cada dia que passa, e lamentamo-nos. Trabalhamos quase todos a recibo verde, e lamentamo-nos. Nem nos tempos do antigamente se deverá ter passado tanta fome em Portugal, e lamentamo-nos. Os senhores dos bancos e os senhores da EDP (sobretudo a senhora da EDP) preparam-se para auferir um salário de nível pornográfico, e lamentamo-nos.
E enquanto escrevia este post na televisão passava uma peça televisiva sobre um casal bem velhinho, como os avós de toda a gente, que vive há 8 anos num contentor e agora até isso corre o risco de perder. Não quero culpar o governo, os vários governos que tivemos, de todas as misérias deste mundo, até porque parece que aquela em particular se deve a outras causas, mas o facto de a gestão deste país deixar estas coisas acontecer leva-me a pensar que alguma coisa corre muito mal nessa gestão. O jornalista fez à senhora uma daquelas perguntas inteligentes: se ela não estava irritada com tudo isto. E a senhora, perto dos seus 80 anos e a arrastar-se agarrada a uma bengala, disse-lhe que sim, claro, mas… que podia ela fazer? E queixou-se. Se o nosso Primeiro estivesse a ver isto em casa decerto sofreria outro rude golpe com a passividade daquela avozinha, que se limitava a lamentar a sua triste sina ao invés de pegar nas muletas e numa pá e construir ela própria outra casa para morar.
Uns piegas. Outra coisa não me ocorre. Razão tem o nosso Primeiro quando revela a profunda desilusão que lhe suscitamos.
Resta então perguntar: que é suposto que façamos? Que se espera desse homem novo que se ergue dos escombros da miséria?
Parece que uma saída airosa, e que muito aprazaria ao nosso Primeiro, é fazer as malas e contribuir para o PIB de outro país. Sempre se diminuía a percentagem de piegas a manchar a honra da Nação.
Mas parece que ainda não emigrámos em número suficiente de modo que há que explorar outras hipóteses. Um delas, bem viável, é que morramos todos de fome antes da paciência se terminar (note-se que não se trata aqui de nenhum jogo de palavras em alusão aos meus verdes) e com isto ficava o problema resolvido, uma espécie de eugenismo político e social para eliminar os piegas e os queixosos. Outra hipótese seria seguir o exemplo dos nossos colegas gregos e começar a partir isto tudo. Pedrada aos polícias, incêndios, violência brutal. É isto que se espera de nós? É que se é, esperem sentados. Afinal, nós fomos o povo que fez uma revolução sem disparar um único tiro.
Senhor Primeiro, seremos piegas, não o contesto. Gostamos mais de cravos do que de armas. Mas tenha uma coisa como certa: gostamos mais de nós e deste país do que de V. Exc. (mesmo quem em si votou), e pode ser que um dia, piegamente como nos é típico, lhe acenemos com um lenço branco.

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