segunda-feira, 9 de abril de 2012

Desculpe, foi você que disse isto?


Todos nós opinamos. Provavelmente esta é até uma daquelas coisas que nos torna humanos. Enfim, não imagino um gato ou uma vaca a opinar, de modo que posso dizer que opino, logo, sou humano.
Todos nós opinamos sobre futebol, o tempo, a política. E sobre os outros. Sobretudo sobre os outros. E aqui intervém uma importante regra estatística: estou certa que em cerca de 99% das vezes as nossas opiniões sobre os outros são negativas, impiedosas, humilhantes e injustas. Não nos estou a apontar o dedo. Provavelmente não conseguimos evitar de agir assim exactamente pela nossa natureza pensante. Podemos tentar minorar esta tendência, sem dúvida que sim. Eu própria tenho tentado fazer esse exercício e recuar as minhas palavras (já que não posso recuar os meus pensamentos) quando sinto que passei a barreira da constatação de factos e já saltei para o lado da fantasia e da maldade. Nem sempre sou bem-sucedida, confesso, mas vejo este projecto como um objectivo de longo prazo e assim continuo a tentar domar os meus instintos assassinos no plano opinativo.
O problema está quando nos aproximamos de alguém sobre quem opinámos de forma tão violenta, e nos apercebemos que estávamos completamente errados, que afinal aquela é uma boa pessoa, e damos a mão à palmatória. Este foi um fenómeno que já experimentei algumas vezes. E então, mesmo correndo o risco de estragar o que já fazia pressentir ser uma boa amizade, senti-me compelida a confidenciar os meus pecados passados, o que tinha dito, o que não tinha dito, enfim, quis começar de novo.
Nunca fui tão ingénua a ponta de pensar que eu era a única opinadora de serviço. Sempre soube que eu também era opinada e, na verdade, sempre soube que o era muito. Mas entre o saber abstracto e o saber concreto vai uma grande distância, e quando essa distância desaparece há que decidir o que fazer e como enfrentar a situação.
Ou seja, e a pergunta é esta: o que fazer quando descobrimos que uma pessoa da qual nos começámos a aproximar, e a ter até alguma estima por ela, disse algum dia (ou alguns dias) coisas más, caluniosas e inverídicas?
Basicamente, as opções são três:
- Opção A: ignoramos e agimos como se nada fosse, tomando dito comportamento como um acidente de percurso, e pensado que certamente agora a alminha já estará terrivelmente arrependida das coisas que disse sobre nós;
-Opção B: cortamos qualquer ligação com a pessoa, convictos de que não pode fazer parte do nosso círculo de amigos;
-Opção C: confrontamos o sujeito/a sujeita com as suas palavras, pedindo-lhe contas do que disse e uma justificação para as ditas alegações.
Ora, o dilema é… isso mesmo, um dilema. À partida inclino-me para a opção C, que aliás tem sido a minha escolha em várias hipóteses destas. Sucedem, porém, que esta só é uma solução concretizável quando não temos pejo em deslindar a forma como tomámos conhecimento do dito incidente, o que nem sempre se verifica, porque muitas vezes sabemo-lo pelas palavras de alguém (e estou a assumir garantidamente que esse alguém é da máxima confiança e veracidade) que nos pede encarecidamente que não revelemos a sua identidade.
A hipótese A tem a seu favor uma ideia de perdão e de altruísmo, mas resta saber se é possível manter uma amizade quando o vinculo de confiança foi quebrado. Como podemos tomar um café com alguém na angústia de, quem sabe, o dito ir de seguida publicitar que fizemos, acontecemos e voltámos a acontecer?
Resta assim a hipótese B, provavelmente a mais pacífica das três, embora corramos assim o risco de destruir uma promissora e próspera amizade com base, quem sabe, numa coisa saída da boca para fora depois de copos a mais, sobretudo quando cai bem vangloriarmo-nos perante os amigos de coisas que nunca aconteceram e - vendo bem as coisas e tendo os pés na terra - nunca sequer poderiam ter feito.
A vida real é mais difícil que escrever posts. Porque na vida real as perguntas são bem mais complexas de resolver. O que é que é demasiado grave de dizer? Qual a margem de manobra que podemos conceder às pessoas? Até onde conseguimos lançar as coisas para trás das costas? O perdão tem um limite? E se abordarmos a pessoa e ela – o mais certo suceder na ordem lógica das probabilidades - nega a pés juntos ter dito o que disse?
Quão mais fácil seria se o célebre anúncio da Porto Ferreira substituísse o tal “Foi você que pediu um Porto Ferreira” por um “Foi você que disse isto”?

3 comentários:

  1. acho que poderia eventualmente existir uma hipótese D:

    a pensar se o que foi nos contado é verdade ou não. Ou seja, duvidar as palavras ouvidas não directamente por nos, mas por uma pessoa que nos achamos que é de máxima confiança. Mas será é mesmo?

    portanto, opção D: se não forem coisas directamente ouvidas por nos próprios, é melhor ignorar.

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  2. Tens inteira razão, existe teoriacamente essa hipótese D.
    Mas sabes quando tudo encaixa, e tu finalmente percebes a razão de ser de certas coisas? Digamos assim: neste caso (e só neste) vamos deixar de lado essa hopótese D.
    De qualquer forma ainda temos um alfabeto de hipóteses à nossa disposição.

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  3. Vera parecem-me boas as opções A e C. Apesar de tudo, inclinar-me-ia para a opção A. E continuar a conviver com a pessoa (pseudo) equivocada, mas a partir de agora com uma pequenininha diferença: ficar perante ela de pé atrás. Afinal de contas, errar é humano, mas até prova em contrário todo o cuidado é pouco. Boa sorte.

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