terça-feira, 3 de abril de 2012

O que acontece antes de morrer


Antes de morrer vive-se. E depois um dia tudo acaba e morre-se. Até aí tudo bem. Até aí eu aguento, e até alimento certa curiosidade pelo que vem depois. O que me inquieta é o vem imediatamente antes, e que pode durar one split second ou uma eternidade.
A dor. A solidão. A degradação. Isso é que me atormenta.
Se houvesse alguma fórmula magia de terminar tudo num instante, sem dores nem mágoas, então todos nós dias enfrentaríamos a morte mais serenamente. Mas essa é uma felicidade ao alcance de muito poucos.
Não deixa de ser paradoxal – quase ridículo – que a medicina tenha evoluído, e nos tenha oferecido tantos mais anos de longevidade, mas permaneça inútil face a doenças que degradam a nossa existência até ao ponto em que perguntamos se aquilo que temos é vida ou já é uma forma de não vida.
Pensar que um dia tivemos braços e pernas, nos levantámos sozinhos, falámos sem nos babar, pensar que um dia fomos assim e que hoje somos… o que somos. De certa forma mais vale que a primeira coisa a definhar em nós seja a mente e não o corpo, porque um espírito desperto num corpo que nos atraiçoa deve ser qualquer coisa de próximo a sentirmo-nos encarcerados.
Ao vermos aqueles que nos são mais queridos passar por esta provação enfrentamo-nos com os nossos piores medos. O medo de perder alguém, obviamente. E nessa medida queríamos que esta angústia perdurasse para além dos limites do tempo. Mas, também e sobretudo, o medo de o ver sofrer, de pensar aquilo que ele poderá estar a pensar. E não há nada tão lancinante como ouvir alguém dizer que a morte nunca mais chega. E aqui já só queremos que tudo termine. Qual é o limite da dor e do sofrimento para que alguém chegue a ansiar pelo que acontece depois? É isto um exame? Uma espécie de teste para ver quanto mais conseguimos aguentar? Qual a força com que defendemos as nossas convicções? Há um momento em que por muito que se tema o sofrimento que se seguirá só desejamos que tudo tenha um fim.
Não sei quando chegará a minha hora. Não a anseio nem a temo propriamente, excepto pela parte das coisas que terei que deixar para trás e que vou deixar por fazer. Dizem que vemos uma luz, um túnel com uma luz, e imagens daquilo que foi a nossa vida. Provavelmente pensamos nos erros que fizemos e nas desculpas que gostaríamos de ter pedido.
O tal famoso mistério do que vem a seguir não me angustia para nada, porque tenho para mim que será qualquer coisa de mais sereno do que o que temos hoje. Mas a forma como vai acontecer, o tempo que vai levar, a dor física que vou sentir, a preocupação por quem cá deixo, tudo isso me consome.
Pode ser que até lá inventem alguma pílula dourada que nos apresse o momento, que não nos deixe atormentar com nenhum desses pensamentos. Que o que venha mesmo antes da morte seja algum último suspiro de vida onde nem sequer pensávamos no que poderia vir a seguir.

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