quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um post politicamente muito correto

Ah, tenho saudades da simple life. Sinto falta daqueles dias em que os homens gostavam de mulheres e as mulheres de homens. Em que no Verão fazia calor e no Inverno fazia frio. Em que o 5 de Outubro era feriado e o “bué” não tinha sido dicionarizado. Aqueles dias em que as pessoas casavam com a intenção de durar para toda a vida. Em que sabíamos que quem usava aliança era necessariamente casado, e quem não a usava era necessariamente solteiro. Entretanto o mundo tornou-se uma coisa muito complicada, especialmente no que às relações humanas respeita. Os extensos horários de trabalho tornaram difícil ter tempo para conhecer alguém, a velocidade que imprimimos às coisas não deixa espaço para conhecer profundamente alguém, e as relações abertas despojaram-nos da vontade de conhecer alguém. Nunca vos aconteceu deitar os olhos num alguém encantador, com bom aspecto e bons dedos de testa, conversador fluido, viajado, sem aliança (nem marca visível da mesma), e de repente perceber que o tipo, que parece mesmo a nossa cara-metade, já é a cara-metade de outro alguém qualquer? Como diria a Alanis, isn’s that ironic?... E como é que descobrimos isto? Bem, uma hipótese possível consiste em ser o próprio a dizer-nos, de forma expressa ou tácita. Se fala na “minha mulher”, não há dúvidas quanto a possíveis interpretações erradas da nossa parte. Meninas: não está a falar da mãe. Mas se se referir em termos plurais a alguma coisa que tenha feito (um jantar, uma viagem, um filme), tudo leva a crer que tão-pouco o tenha feito com a mãe. O problema é quando a conversa é demasiado dúbia para perceber o estado civil do bicho. E a verdade é que como hoje em dia todos temos milhentos amigos e amigas com quem fazemos coisas tradicionalmente típicas de casais – desde ir passar férias a dividir apartamento – podemos chegar ao ponto em que não há qualquer ponto de apoio para uma dedução (e Deus sabe como as mulheres gostam de deduzir!). Os tradicionais critérios distintos há muito perderam a sua força de reposição da verdade. Aliança? Quase ninguém usa, e quando usa são tão estilizadas que ficamos sem saber se não será uma jóia de design, coisa que muito apraz ao hodierno género masculino. Filhos? Bem, hoje em dia nascem mais crianças fora dos casamentos do que dentro deles, de modo que a existência de um filho pouco nos diz relativamente à presença de uma união estável. Nem sequer o partilhar casa é critério atendível. Não só porque todos já concluímos que dividir casa permite-nos dividir as despesas, e que o género não deve ser impeditivo do companheiro de alojamento, como os casamentos mais modernos são pautados pela ideia de que cada um apenas consegue manter a sua verdadeiramente individualidade se tiver uma chafarica só para si. Nem mesmo a identificação civil serve actualmente de ajuda a uma pobre rapariga solteira, dado que o antigo BI (ao qual se conseguia, apesar de tudo, lançar a mão após complicados enredos estratégicos que inevitavelmente terminavam com o tal “então mostra lá o teu BI que eu já te explico”) foi substituído por um traiçoeiro cartão do cidadão do qual esta informação não consta. Caras autoridades públicas, para vocês pode ser irrelevante saber se um tipo é casado ou solteiro, mas para nós não é… Neste ponto dir-me-ão que estou a complicar, e que bem mais simples e honesto seria simplesmente perguntar-lhe se é casado ou tem alguém, o tal significant other, pelo menos suficientemente significante para levar a casamentos e reuniões de família. A questão é que esta pergunta honesta muito raramente recebe uma igualmente honesta resposta. Em regra ninguém tem ninguém, estão todos livres como passarinhos ou, melhor dizendo, como falcões prestes a deitar a unha à sua presa, entende-se, nózinhas. Ou então, numa outra versão dos acontecimentos, estão com alguém, sim senhor, mas as coisas vão mal há muito tempo, ela não o compreende, pensam seriamente no divórcio, ela até o trai com o melhor amigo… soa-vos familiar alguma coisa destas? Alguém já a ouviu? Alguém começa já a revirar os olhos quando o tipo saca do historial de desgraçadinho? Pois é, o mundo tornou-se dúbio e traiçoeiro para uma Cinderela à procura de príncipe. Mas não desesperais. Num dos pântanos desta vida hão-de encontrar um sapo, e se arriscarem o suficiente para lhe dar um beijinho (sem língua, de preferência) na sua pelezinha viscosa, quem sabe se o bichano não se transforma em príncipe. Solteiro, como manda a regra dos contos de príncipes e princesas.

3 comentários:

  1. tal como numa conferencia médica ter-se-á de fazer uma declaração prévia de interesses?

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  2. é melhor deixar de acreditar em contos de fadas e cair na real pelo menos tem uma boa analise a avaliar pelo texto. os homens, tirando a fase de juventude, ingenua e honesta, são só manhas.

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  3. Na verdade não me parece que os homens tenham mais manhas do que as mulheres. O post vem escrito desta forma porque pessoalmente é esta a realidade que conheço. Enfim, quando me apresentam uma mulher não estou particularmente interessada se é casada ou solteira. De modo que diria antes que os seres humanos são cheios de manhas.
    Por outro lado, nem sequer me posso arrogar o título de "expert em assuntos masculinos". Fui tão tola e dei tantas vezes com a cabeça na parede como qualquer outra Cinderela.

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