domingo, 6 de julho de 2014

O Mito Urbano









A nossa vida é feita de mitos urbanos.
São eles que ditam boa parte das nossas existências, quer no sentido de fazer, quer no sentido de não fazer.
Ainda hoje não me atrevo a olhar à noite debaixo da cama porque de acordo com 10025 filmes de terror está alguém escondido lá em baixo, pronto para me fazer falecer. Não entro em becos escuros porque tenho receio de acordar numa banheira cheia de gelo, com uma costura a mais e um rim a menor.
Mas os mitos que mais arruinaram a minha vida foram aquelas estúpidas histórias românticas de Hollywood. Miúda encontra homem alto e lindo, blablabla... e felizes para sempre. Ora, por causa destas histórias da carochinha desperdicei boa parte dos meus anos de miúda gira e em boa idade a correr atrás dos tipos errados, porque há sempre aquele mitos que os tipos errados um dia acordam e passam a tipos certos (obrigada Matthew McConaughey... tu e os teus filmes idiotas, bahhh ).
Vamos assentar num ponto: os mitos urbanos são apenas isso, mitos. Não acontecem, a não ser em filmes de série B (porque desde há muito que os ursos de ouro não são dados a filmes de final feliz, de modo que não há realizador que se preze, e que preze prémios, que hoje em dia faça filmes de final feliz).
A questão é que por mais realistas e lógicas que queiramos ser sempre aparece uma amiga que nos fala da prima-da-tia-da-vizinha-da-irmã-de-outra-amiga a quem um desses mitos urbanos aconteceu. Sobretudo naqueles dias em que estamos mesmo mal, lá aparece a dita e maldita amiga a contar-nos essas histórias e... pronto, volta a estúpida réstia de esperança. E assim vive muita gente até que chega aos 60 anos e dá por si perdida e sozinha, à espera do que não chega.
Este é o sermão.
Dito isto, faço uma ressalva: eu sou o mito urbano. A tal história que todos contam, mas nunca ninguém conheceu uma pessoa de carne e osso a quem essa historinha tivesse acontecido...? Acontece. Aconteceu-me a mim.
Por isso nunca sei o que dizer quando alguém me pergunta: achas que algum dia vai acontecer?
Não, não acho. É praticamente impossível. Mais raro do que sermos atingidos por dois raios na mesma noite na unha grande do pé. Mas vai daí... por veze acontece.
Por isso, e apesar de tudo, eu acredito em mitos urbanos. Acredito que de vez em quando as pessoas ficam juntas como nos filmes de série B.

Claro está que se este mito urbano pode ser real ninguém nos garante que o Boogieman não nos espera debaixo da cama...  é que alguns mitos urbanos são mesmo reais. Mesmo.

quarta-feira, 2 de julho de 2014




A (minha) gaiola dourada

Vi o filme "A Gaiola Dourada" logo que saiu e fiquei imediatamente fã. É uma fantástica sátira social que nos retrata com piada e exactidão, duas coisas que dificilmente andam juntas. Na altura vivia uma vidinha razoavelmente confortável em Lisboa, via os “Portugueses pelo Mundo” na RTP1 e conseguia comunicar com todos os taxistas  da cidade sem ser preciso usar o smartphone para fazer traduções. Na altura Macau era para mim um possível destino turístico, nunca um lar.
Mas a vida muda e em poucos meses deixei a apartamento, a família, os amigos, o trabalho, enfim, deixei uma vida, e aterrei em Hong Kong, com muitas incertezas e muitas esperanças.
Depois de chegada a Macau vi de novo o filme. Mantive a minha opinião: rigoroso no retrato, divertido na crónica, do melhor cinema feito por um português depois dos clássicos dos anos 40 da Beatriz Costa e do Vasco Santana. Mas a isto acrescento uma novidade: a certa altura dou por mim com a lágrima teimosa a correr pela cara.
Ora, esta confissão merece dois esclarecimentos. Primeiro, nunca fui particularmente saudosista nem apegada à pátria, pelo contrário, sempre me vi mais como uma cidadã do mundo, qual globetrotter de salto alto. Segundo, nem sequer sou marinheiro de primeira viagem nesta experiência de estar fora. Já vivi em quatro dos cinco continentes e em circunstâncias bem mais “especiais” do que estas. Fui jovem estudante em Roma, investigadora/ baby-sitter nos EUA e a certa altura da minha vida parti para Angola em missão de serviço para o Estado português. Nunca houve lágrimas nem saudades porque, afinal, I was living the dream. Foram aventuras dignas de um filme de Bollyhood, que enchem de histórias os serões e me deixaram grandes memórias.

Pois bem, face a isto, como se explica o aparecimento desta ligação carnal para com um povo que neste momento está do outro lado do mundo e no qual nunca me revi especialmente? Como se explica que passe longos minutos embevecida com programas da RTP internacional sobre a apanha da azeitona no nosso remoto Portugal (coisa que em Lisboa que me teria feito mudar de canal em 3 segundos)? Como se explica que o quadro do menino da lágrima na sala  e o galo de Barcelos na cozinha já não me pareçam a coisa mais ridícula do universo?

O retrato de um povo é feito de clichets. Alguns servem apenas para que o mundo se ria connosco (espero que seja connosco e não de nós). Outros são verdadeiros traços identificativos das gentes. Convenhamos que em qualquer lado do mundo um tipo baixo, de bigode, com a barriga a saltar por cima das calças, crucifixo no peito peludo e no braço a tatuagem do “Amor de Mãe” ou de “Angola-69” será necessariamente português. Chego a esta conclusão com todo o carinho do mundo porque nós somos assim e ainda bem que não somos outra coisa. É este povo que hoje sinto parte de mim.
Exigirá certamente uma teoria científica a explicar todo este processo emocional. Provavelmente a distância... A verdade é que nunca cantei o hino nacional com tanto empenho e emoção como no Euro 2004, no meu saudoso Cine Teatro Luanda, e na madrugada do jogo de Portugal, no Consulado de Portugal em Macau. Mas tem que haver aqui qualquer outra coisa que explique a metamorfose. Creio que é a idade: aos 20 anos eu vivia fora porque era aventureira, queria novas experiências, sentir o mundo e deixar que ele me sentisse. Hoje, com quase 40, vivo fora porque sou emigrante e quero uma vida melhor para a minha família.  Bem sei que este é um daqueles discursos típicos das entrevistas de rua da TVI, mas provavelmente a suposta maturidade da idade faz-nos dizer coisas tão profundas como esta...

Recordo-me de crescer rodeada de emigrantes que chegavam naqueles verões quentes, com penteados estranhos e pronúncias cómicas, que falavam em francês para o compatriota ver, mas praguejavam e rezavam em português. Hoje eu sou uma dessas imagens da minha infância. Abraço com respeito e carinho os clichets da minha gente. No domingo à tarde bebo Sagres e como tremoços. Quando me irrito meto as mãos na anca e aponto o dedo à cara das pessoas.  Termino a refeição com um café curto e, se possível, com alguma coisa mais forte. Só não deixo  crescer o buço porque a minha vaidade se sobrepõe à minha portuguesice.
De modo que não se espantem se um dia vierem jantar cá a casa (já se sabe que os portugas adoram comer e que para nós não há visita social que não implique um pastel de bacalhau e um Moscatel de Setúbal) e se depararem com um naperon em cima da televisão e um quadro da Amália bordado a ponto cruz. É que, afinal,  eu sou emigrante.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A Brave New World onde as mulheres não se depilam

Já vos aconteceu deixar a mente levar-vos por maravilhosos pensamentos de perfeição e coisas boas? A mim aconteceu-me vulgarmente. Desligo do mundo real e deixo a mente divagar. É fácil perceber um desses meus transes porque ao olhar perdido se junta um Mona Lisa's smile, e o breve vislumbre desses meus maravilhosos pensamentos. A possibilidade de uma vida sem depilação faz parte desse leque de divagações. Sim, eu tenho um sonho. Um sonho onde não precisamos nunca mais de nos depilar. Nem com cera, nem com Epiladys e afins, nem mesmo com cremes ou gilettes. Ah…. E faltam-me palavras para contar. Não, não anseio por um mundo de mulheres peludas, ao jeito das mulheres nórdicas, mas em baixinho. Se há coisas más e feias neste mundo são pelos, estejam os danados onde estejam. Como pode algum sapatos ser lindo enfiado na terminação de uma perna peluda? Como pode um top causar sensação se a atenção está concentrada numa axila peluda? Como pode um beijo saber a morangos e chocolate se por cima da boca está uma penugem, algures entre um Hitler e um Cantinflas? Ou seja, e para que fique claro, eu não quero viver com pelos. Quero é que eles saiam de mim de uma vez por todas. Mas como? Até aparecer por aí algum ser humano mais evoluído, sem dentes do siso e sem pelos, teremos que nós que ir a correr para a esteticista cada 15 dias? Deixar de ir à praia porque os danados já começaram a dar um ar da sua graça ou, em alternativa, submeter-nos à cruel lâmina de uma gilete, amiga fiel sempre escondida por entre tampões e vernizes nas gavetas mais recônditas lá de casa? Mulheres deste mundo - e homens estranhos que gostam de se depilar, apesar de não ser strippers nem desportistas - este fardo que a natureza nos deu está próximo do seu fim. Basta abrirem a carteira e cerrar bem os dentes para suportar a dor, e o laser amigo virá em vosso auxilio. De modo que enquanto a nossa sociedade não se virar de pernas para ar de tal forma que passe a ser socialmente aceitável usar buço e pavonear ao mundo a bela da perna peluda, enquanto isso não acontecer (oh God, e que nunca aconteça!) há que lançar mão de medidas extremas. E se essas medidas implicarem queimar a raiz dos pelos até cheirar a churrasco, agarrar-se com força ao que esteja mais à mão quando as picadas nos fazem estremecer o corpo e deixar de apanhar os raiozinhos de sol durante alguns dias da nossa vida… que seja. Valores mais altos se levantam, caramba. Alguns dirão que estou a exagerar, e que mais pelo menos pelo pouco interessa. A beleza interior… quem gostar de mim há de gostar de cada pelo do meu corpo… etecetera e tal. Dirão que este é capricho estético socialmente aprendido, e que as miúdas das revistas não devem ditar a nossa aparência. Tudo muito certo. A sério, concordo com absolutamente tudo. Nevertheless, prefiro manifestar a minha concordância num corpinho sem pelos.

domingo, 2 de setembro de 2012

Apologia dos homens (e das mulheres) fáceis

Há muitos anos atrás conheci um suposto príncipe que me fez suspirar e tremer logo que pus a vista em cima. Recordo-me de na altura o meu melhor amigo (na altura, agora e sempre) me advertir seriamente para não passar para “intimidades” (vá lá, chamemos-lhe assim) imediatamente, caso contrário o fulaninho ia pensar que eu era fácil. E quanto lhe perguntei desesperada “então quando?”, ele atira para o ar um suposto prazo de 3 semanas, dizendo que lhe parecia razoável. Parente o meu olhar estupefacto explicou-me que ele não pensava assim, e que lhe era indiferente se a menina dormia com ele na 267ª noite ou na 1.ª, mas que algumas pessoas levavam a questão muito a peito, e que para me salvaguardar deveria ter isso em conta. Caso contrário tipo ainda pensava que eu era uma leviana, e mal tivesse o que queria partia para outra, porque os homens - esta parte é especialmente boa! – gostam de desafios e de mulheres que os fazem transpirar… whatever… Ora, apesar deste meu amigo ser em regra dono de sábias palavras desta vez não pude concordar. Porque se aquilo que faz com que alguém se interesse por mim é o grau de dificuldade que levanto a supostos pretendentes, então, convenhamos, isso é bem pouco, para não dizer nada. E o meu sentido de humor? E a minha inteligência? E a minha dedicação e fidelidade? Que mais não seja as minhas mamas ou as minhas pernas? Nada disso conta? Caramba, eu quero ser desejada e amada pela pessoa que sou, não pelos entraves que coloco até que conheçam a pessoa que sou. Porque se assim não for, se for apenas o desafio e a luta a alimentar esta suposta paixão, então, logo que o desafio termine termina também a dita. E, meus caros, o desafio termina sempre algum dia. Poderá ser passado umas semanas, uns meses, ou até apenas quando o tipo nos coloca a aliança no dedo, mas há um dia em que ele nos ganha. E então o quê? Já tem o troféu e perde o interesse, como uma criança que atira o boneco para o chão depois de lhe ter arrancado a cabeça porque já sabe o que tem lá dentro? Por isso é que eu não tenho paciência para jogos e joguinhos, para telefones que tocam e não são atendidos para não levar a pensar que estamos pendentes desse telefonema (e não estávamos mesmo?), supostos compromissos que não existem para que ele não pense que estamos sempre disponíveis (e para ele não estamos mesmo?), enfim toda essa panóplia que as revistas da especialidade nos metem na cabeça. Se eu quero estar com ele é porque quero e não inventar dificuldades e artimanhas, porque tudo isso queima muito tempo e eu não tenho todo o tempo do mundo para que o meu sapo/príncipe/sapo me encontre. A vida é demasiado curta e demasiado preciosa para perder tempo a ser difícil e inacessível. E o mesmo vale para os homens. O turn off para mim é o tipo que me faz pensar que não consigo chegar a ele. Sabes que mais miúdo? Se calhar também não quero chegar. Fulanos que aparecem sempre com uma miúda diferente, que falam para ti como se fosses a última da sua lista e que têm sempre agendas ocupadíssimas, esses, ofereço-os de bom grado a quem os quiser e tiver paciência para esquicites. Gosto de coisas fáceis. Basicamente gosto de homens que me caiam no colo. Que não liguem quando querem e lhes apeteça, que não façam jogos do gato e do rato, que quando não gostam se ponham a andar mas que se gostarem o demonstrem sem pejos. As dificuldades e os desafios terão o seu peso noutras dimensões da nossa vida, mas nas relações humanas devem dar lugar a coisas fáceis e simples. Basicamente, gosto de homens fáceis, e este é post dedicado a todos os homens fáceis da minha vida.

domingo, 12 de agosto de 2012

O dia em que o mundo acaba

Esqueçam o Armaguedon, as profecias Maias, esqueçam todas as histórias do fim do mundo. Porque não são precisos vulcões nem terramotos para o mundo acabar… quando acaba dentro da nossa cabeça. Mas como a catástrofe se resume ao mundo que existe dentro de nós no dia seguinte o sol vai continuar a nascer, o patrão vai esperar por nós no trabalho, as contas que vão continuar a chegar, e para o resto será como, basicamente, nada se tivesse passado. O mundo não pára por nós, nunca nos esqueçamos disso. Por isso há que fazer um esforço e sair da cama todos os dias. E tomar banho. E vestirmo-nos. E sair de casa como se cá dentro não houvesse nada mais senão arco-íris e borboletas. Porque ninguém tem culpa das nossas pseudo-tragédias pessoais, de modo que dispensem lágrimas e lamurias para aqueles momentos da privacidade do vosso eu. Sugiro que todos colemos na porta do frigorífico uma espécie de mandamento geral, escrito agora, na plena posse das nossas faculdades, para ler e reler nos tais dias negros em que o mundo acabe: i) Tudo acontece por um motivo. ii) Nada se perde, tudo se transforma. Se alguma coisa termina é apenas para dar lugar a outra coisa melhor. iii) Nada dura para sempre. Nem alegria nem a tristeza. O fim do mundo pode ser apenas o inicio de um brave new world

domingo, 3 de junho de 2012

Os medos

Os meninos da nossa idade já há muito deveriam ter superado os seus medos do escuro, do papão e do homem do saco. Estranhamento porém - e, já agora, patética e tristemente – estes medos de infância transmutaram-se em medos de pessoas crescidas. Medo do fracasso, mas também medo do sucesso. Medo do compromisso, mas também medo de morrer sozinho. Medo de que a vida nos passe ao lado, mas também de a viver intensamente. Não se depreenda do que digo que sentir medo é, sempre e necessariamente, censurável. Bem pelo contrário. Pode ser sinal de inteligência e lucidez. Em certo momento da minha vida dei por mim numa situação algures entre o estranho e o complicada, que levava os meus amigos mais próximos a perguntar-me com insistência se não sentia medo. E eu sempre lhes respondi que só se fosse estupida é que não teria medo. E mantenho essa ideia até hoje. De modo que o problema não é sentir medo, que pode até tornar-se numa forma saudável de extrapolar emoções. Assim como o corpo transpira para se purificar, quem sabe se alma não faz o mesmo mediante o medo. Ou então funcionar como fonte de adrenalina capaz de suscitar um prazer imenso, o que explica a paixão por filmes de terror e por montanhas russas. O que o medo não pode nunca fazer é paralisar-nos, impedir-nos de decidir e de aproveitar todas as coisas que a vida tem para nos oferecer. Este é um luxo que não podemos permitir ao medo. A questão é que saltamos para esta vida de cabeça e sem rede. Não temos garantia alguma de que as coisas vão correr bem, que a realidade que conhecemos hoje se mantem amanhã. Qualquer ideia de segurança e tranquilidade que possamos sentir é uma espécie de aspirina que nos damos a nós mesmos para nos permitirmos sair da casa cada manhã sem saber o que nos espera. De modo que em vez de em vez de nos escondermos debaixo da cama para que o papão não nos encontre, mais vale abrir os olhos para todas as pequenas e grandes mágicas coisas que a vida tem para nos oferecer. Não vale a pena esperar infrutiferamente por uma espécie de garantia de sucesso e felicidade, porque não existe. Já perguntei em várias companhias seguradoras se me arranjavam uma apólice desse tipo, mas explicaram-lhe a vida, as amizades, os amores, enfim, as relações humanas em geral, são demasiado incertas para poderem ser asseguradas. De modo que vivo com o medo de tudo correr mal. Aprendi a relacionar-me com ele. É um jogo de forças, e cada dia uma batalha para ser eu a dominar o medo e não o medo a dominar-me a mim. Claro que as coisas nem sempre correram como eu queria. Muitos fracassos, muitas desilusões. Mas pelo menos durmo tranquilamente por saber que fiz tudo aquilo que realmente queria fazer e numa me coibi de me atirar por supostos medos ou incertezas. Por isso durmo tranquila e sem medo.

sábado, 19 de maio de 2012

O sol, a lua e as estrelas

Se eu morresse hoje mesmo, neste mesmo momento, não morreria estupida. Tive a sorte de na minha (ainda não muito longa) vida ter experimentado mais coisas do que muita gente. Vista de fora é uma vida cheia de vivências, de pessoas de sítios e de coisas. E no entanto…. E no entanto eu nunca fui o sol, a lua e as estrelas de ninguém. Bem sei que nós só queremos o que nunca tivemos, e que depois de o ter deixamos de o querer. Mas ainda assim, eu queria ser o sol, a lua e as estrelas. Basicamente, eu queria ser importante. Não útil. Não desejável. Não outra coisa qualquer. Eu queria ser o centro da vida de alguém. Provavelmente este é apenas mais uma das teimosias do meu estupido ego. A verdade é que o amor é altamente sobrevalorizado. Nem duvido que algumas das pessoas mais felizes deste mundo nunca se apaixonaram a sério, nem ninguém por elas. E note-se que se não fosse esse pequeno pormenor chamado amor Romeu não tinha morrido, nem Julieta com ele. Ainda assim, eu queria sentir aquilo que faz duas pessoas sentirem-se uma. É verdade que nem todos fomos feitos para ser gostáveis. Alguns temos por sina ser trabalháveis. Ou divertidáveis. Ou mesmo admiráveis. Mas somos humanos, e o nosso ADN impele-nos a ser gostados por alguém. Mas eu, ai, eu peço bem mais do que isso. Eu peço uma história de amor de fazer vir às lágrimas. Uma coisa intensa como uma malagueta, mas doce como chocolate negro. Estou consciente de que sou capaz de ter nascido na época errada para almejar loucuras destas. Nos tempos dos reis e das rainhas (não os reis espanhóis, note-se bem) seria bem mais fácil alguém cair de amores de mim. Porque hoje, convenhamos, ninguém cai de amores. Caem de bêbados. Caem por dinheiro. Caem das motas. No fundo, as mesmas quedas que já existiam nos tais tempos de reis e rainhas, excepto que em vez de motas tínhamos cavalos a provocar quedas. Mas pelo menos nesse tempo as pessoas eram dadas a grandes gestos. E acho que é isso que é isso que procuro. É que nos tempos de hoje as pessoas continuam a gostar umas das outras, a amar, diria mesmo. Mas tudo na versão soft. Nada de muita proximidade, de muito compromisso ou de muita fidelidade. Sobretudo nada que comprometa planos futuros. Mas então, onde estão os gestos heróicos e apaixonados? Note-se que não peço cavaleiros andantes a chacinar dragões, até porque eu tão-pouco me fecho numa torre nem lanço as minhas traças pelo parapeito da janela. Mas eu já tive a minha quota de gestos derradeiros de paixão. Aquelas coisas que não posso contar aqui sob pena de morrer de vergonha. Que ainda hoje me fazem corar. Que no seu dia fizerem corar alguém. Ora, é isso que eu quero. Quero um anel de noivado escondido dentro de um petit gateau. Quero ramos e ramos de rosas vermelhas entregues no meu gabinete por um admirador desconhecido. Quero um avião a escrever o meu nome no céu. Mas, sobretudo, quero saber o que é ser gostada de forma absoluta e incondicional. Assim como as mães amam os filhos, mas sem ser pela minha mãe.

sábado, 12 de maio de 2012

Mr and Mr Smith

Nos últimos casamentos em que estive presente as noivas iam lindas e radiosas, felizes por unir os respectivos destinos ao amor das suas vidas. E isso faz-me pensar porque motivo não podem sentir tal satisfação aqueles que amam alguém com quem partilham cromossomas. Que se opõe a isso? Bem, desde logo, o Código Civil. Mas o Código Civil não é um dogma. É meramente uma lei que se deve adequar aos padrões da sociedade. Que sociedade? Esta, na qual vivemos, onde o senhor A vive com o senhor B e se amam e gostariam de formar uma família (leia-se, “adoptar uma criança”), porque a homossexualidade não se transmite por osmose e, mesmo que assim fosse, também não vejo que assim viesse mal ao mundo. Afinal, estamos meramente a falar de uma orientação sexual e não de uma tendência homicida. É que aquilo que a lei diz não é lei. Ou melhor, só o é enquanto assim o quisermos. E penso que estou relativamente à vontade para “desendeusar” a lei porque, afinal, trabalho com ela. Se ao longo da história nos tivéssemos bastado com aquilo que as “sábias palavras da lei” estipulam ainda hoje faríamos sacrifícios humanos, queimaríamos na fogueira as mulheres de cabelo vermelho e teríamos cada um o seu escravo pessoal (e olhem que nem me oponho a esta ideia supondo que estamos a falar de um senhor alto, forte e espadaúdo, que me assistisse em todo o tipo de necessidades). O que foi a abolição da escravatura senão o reconhecimento de que as leis que dominaram a nossa existência durante centenas de anos afinal estavam erradas e que os negros, se calhar, até tinham a mesma dignidade que nós? Não a terão também os homossexuais? Não terão o direito de afirmar pública e solenemente quem são e quem amam? Ou podem sê-lo e fazê-lo, desde que seja às escondidas? Até digo mais, sobretudo para aqueles que sentem enjoos e suares com a mera ideia de sexo entre duas pessoas do mesmo… lá está… sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Repito a palavra porque em regra essas mesmas pessoas mal a conseguem dizer. Como se fosse um daqueles palavrões que dão castigo na escola. Mas, dizia eu, que até quero dizer mais. E vou dizê-lo: se a homossexualidade vos causa assim tanta repulsa, que pior castigo se pode desejar aos homossexuais senão o de partilhar todos os dias, cada minuto do dia, a existência com uma mesma pessoa, a quem “supostamente” (talvez melhor, “utopicamente”) deverão ser fiéis, e acompanhar na alegria e na tristeza, até que a morte os separe. Ou até que sobrevenha um divórcio. Já pensaram bem o terrível castigo que os homossexuais não vão sofrer com o casamento e depois, se tudo correr bem (se correr mal, têm que se aturar um ao outro) com o divórcio? Pior ainda, o leque de advogados que vêm anexados a um divórcios??? De modo que, para quem não gosta de homossexuais, abrir-lhes a porta do casamento é, de facto, o melhor “presente”, envenenado, claro está, que lhe podem dar. Deixando o sarcasmo de lado – faço notar que eu até sou uma crente no casamento, quiçá mesmo a última das moicanas do casamento – gostaria que ponderássemos sobre o verdadeiro motivo pelo qual nos opomos ao casamento entre pessoas do mesmo. E a única conclusão a que chego é esta: uma ideia pré-concebida, e hoje já bem ultrapassada, sobre aquilo que é o casamento. Dizem-me os meus colegas, ilustres juristas por sinal, que o casamento é, segundo a ordem natural das coisas, uma união entre pessoas de sexo diferente. Ora, parece-me a mim que o que eles querem dizer é que o casamento foi, segundo o ensinamento da História, uma união com esses traços. Mas a História dita o que foi, não o que será. É que nos impusesse, inelutavelmente, o rumar dos acontecimentos, ainda hoje eu seria uma fada do lar, à espera que o meu marido, ganha pão da casa, chegasse do trabalho e me desse uma valente sova para mostrar quem é o chefe da família. E ai de mim que me atravesse a deixar o lar matrimonial (lar este onde me caberia o débito conjugal, ou seja, e literalmente, pagar com o corpo as “alegrias” que ele me desse) porque a policia podia ir buscar-me à força para me entregar ao meu legitimo proprietário. Aquilo que o casamento foi já não o é hoje porque ele é, afinal, um instituo em evolução. E nem se diga que os homossexuais podem casar, mas não uns com os outros. Este tipo de argumento é tão básico e vazio quanto aquele outro, hoje judicialmente condenado, de que as mulheres não são discriminadas no trabalho por estarem grávidas, uma vez que as normas laborais se aplicam a todas as pessoas grávidas, homens ou mulheres. Por favor, dêem-nos algum crédito de inteligência… Eu, pessoalmente, adoro lésbicas. Cada lésbica que existe é menos uma mulher em competição na busca da minha meia laranja. Já os homens gays… não, não posso concordar. Irrita-me profundamente que fiquem com os melhores da espécie. Inveja? Sim, caramba. E desapontamento porque em regra são homens lindos, limpinhos, cultos, com corpos de ginásio, com gosto pelas compras. Simplesmente, preferem olhar para os meus sapatos do que para as minhas pernas. E depois babam-se com as pernas do tipo da frente. Os bi’s, esses, são piores ainda. Porque são garganeiros, querem tudo. E eu??? Alguém pensa na pobre menina solteira??? Deixem pelo menos um homem apresentável para mim! Aparte essa salvaguarda, casem e sejam felizes.

domingo, 6 de maio de 2012

Desesperadamente procurando um palácio

Suponho que se eu fosse uma lagarta seria coisa complicada ter que procurar uma maçã bem vermelha e saborosa para viver, assim como se fosse uma bactéria seria complicado encontrar o intestino perfeito onde me aconchegar. Sendo eu uma Cinderela, encontrar um palácio está a revelar-se uma batalha ingrata. Atrevo-me até a assumir publicamente que preferia ter prisão de ventre durante uma semana do que meter-me nisto. Durante um dia, vá lá. Depois de muitos sites e de muitos telefonemas concluo o seguinte: encontrar uma casa é tão complicado como encontrar um homem. E note-se que eu não peço muito. Nas casas, entenda-se. Há muito desisti de closets para arrumar todos os meus sapatinhos, cozinhas equipadas com electrodomésticos de última geração, deslumbrantes vistas sob o rio. Ou melhor, há muito que a minha miserável conta bancária desistiu de almejar coisas destas. Eu só quero uma casinha onde me sinta bem, onde possa descansar os meus presuntinhos inchados depois de dias a galgar calçadas por essa cidade acima. Um sítio que forneça um abrigo seguro aos sapatinhos, aos casacos, às malas e aos livros. Onde os vizinhos não toquem bateria às duas da manhã e as vizinhas não sejam mais giras do que eu. Ora isto, meus amigos, não é fácil. Desde logo, não é fácil perceber os senhores das imobiliárias. Inauguro as minhas reflexões sobre este tema com a seguinte pergunta: porque raio dizem que vão ligar de seguida se não o tencionam fazer? Não me bastava passar por dramas destes com os tipos com quem janto e bebo café, agora ainda tenho que esperar ansiosamente pela chamada do senhor da imobiliária? É a subversão do mundo tal como o conhecemos. Depois, a questão da visita propriamente dita. E neste ponto confesso que bem gostaria eu de transpor o modelo de avaliação de apartamentos e garagens para as relações humanas. Como seriamos todos felizes se antes de entrarmos numa relação, seja ela de amor ou de amizade, nos fosse permitido fazer uma espécie de vistoria ao seu comportamento social. Se antes de decidirmos que fulano x será ou não nosso amigo, ou se fulano y será ou nosso namorado, fosse possível ver os seus poderes, um a um, pedir certificados de inteligência e de rectidão moral, e eventualmente consultar até a planta corporal do dito, para mensurar as dimensões de certas coisas, ou o seu nível de funcionamento. “Olhe, acho que o grau de tolerância quanto a opiniões diferentes é demasiado pequeno”. “Confesso que não fiquei demasiado impressionada com o sentido de humor da peça”. Mais do que isso, que tranquilidade não seria saber que poderíamos terminar a coisa com uma mera denúncia do contrato, sem justificações adicionais, sem pedidos de desculpa, sem o clássico “não és tu, sou eu”? Melhor ainda, já pensaram a serenidade do desfecho se recebêssemos uma denúncia dessas 2 ou 3 meses antes, a dizer uma coisa do tipo: “Cara namorada, serve a presente comunicação para te informar que tenciono terminar a nossa relação no dia 30 de Agosto de 2012, continuando até à referida data a cumprir todas as minhas obrigações de namorado?”. Como teríamos 3 meses para nos habituarmos à ideia, para nos depaixonarmos e o começarmos a desenvolver pelo dito o inevitável sentimento de repulsa, sem no entanto passarmos nesse momento pelo trauma da solidão e de o ver com outra, o coração poderia ficar rachado, mas dificilmente ficaria partido. Sim, procurar casa acaba por ter certas vantagens quanto comparada com a árdua tarefa de procurar amigos ou namorados. Ainda assim, não se revela tarefa fácil. As casas velhas têm problemas de esgotos e as casas velhas têm rendas de muitos dígitos. Face a isto, se houver por aí alguma ponte que me possa albergar ficaria muito agradecida.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um post politicamente muito correto

Ah, tenho saudades da simple life. Sinto falta daqueles dias em que os homens gostavam de mulheres e as mulheres de homens. Em que no Verão fazia calor e no Inverno fazia frio. Em que o 5 de Outubro era feriado e o “bué” não tinha sido dicionarizado. Aqueles dias em que as pessoas casavam com a intenção de durar para toda a vida. Em que sabíamos que quem usava aliança era necessariamente casado, e quem não a usava era necessariamente solteiro. Entretanto o mundo tornou-se uma coisa muito complicada, especialmente no que às relações humanas respeita. Os extensos horários de trabalho tornaram difícil ter tempo para conhecer alguém, a velocidade que imprimimos às coisas não deixa espaço para conhecer profundamente alguém, e as relações abertas despojaram-nos da vontade de conhecer alguém. Nunca vos aconteceu deitar os olhos num alguém encantador, com bom aspecto e bons dedos de testa, conversador fluido, viajado, sem aliança (nem marca visível da mesma), e de repente perceber que o tipo, que parece mesmo a nossa cara-metade, já é a cara-metade de outro alguém qualquer? Como diria a Alanis, isn’s that ironic?... E como é que descobrimos isto? Bem, uma hipótese possível consiste em ser o próprio a dizer-nos, de forma expressa ou tácita. Se fala na “minha mulher”, não há dúvidas quanto a possíveis interpretações erradas da nossa parte. Meninas: não está a falar da mãe. Mas se se referir em termos plurais a alguma coisa que tenha feito (um jantar, uma viagem, um filme), tudo leva a crer que tão-pouco o tenha feito com a mãe. O problema é quando a conversa é demasiado dúbia para perceber o estado civil do bicho. E a verdade é que como hoje em dia todos temos milhentos amigos e amigas com quem fazemos coisas tradicionalmente típicas de casais – desde ir passar férias a dividir apartamento – podemos chegar ao ponto em que não há qualquer ponto de apoio para uma dedução (e Deus sabe como as mulheres gostam de deduzir!). Os tradicionais critérios distintos há muito perderam a sua força de reposição da verdade. Aliança? Quase ninguém usa, e quando usa são tão estilizadas que ficamos sem saber se não será uma jóia de design, coisa que muito apraz ao hodierno género masculino. Filhos? Bem, hoje em dia nascem mais crianças fora dos casamentos do que dentro deles, de modo que a existência de um filho pouco nos diz relativamente à presença de uma união estável. Nem sequer o partilhar casa é critério atendível. Não só porque todos já concluímos que dividir casa permite-nos dividir as despesas, e que o género não deve ser impeditivo do companheiro de alojamento, como os casamentos mais modernos são pautados pela ideia de que cada um apenas consegue manter a sua verdadeiramente individualidade se tiver uma chafarica só para si. Nem mesmo a identificação civil serve actualmente de ajuda a uma pobre rapariga solteira, dado que o antigo BI (ao qual se conseguia, apesar de tudo, lançar a mão após complicados enredos estratégicos que inevitavelmente terminavam com o tal “então mostra lá o teu BI que eu já te explico”) foi substituído por um traiçoeiro cartão do cidadão do qual esta informação não consta. Caras autoridades públicas, para vocês pode ser irrelevante saber se um tipo é casado ou solteiro, mas para nós não é… Neste ponto dir-me-ão que estou a complicar, e que bem mais simples e honesto seria simplesmente perguntar-lhe se é casado ou tem alguém, o tal significant other, pelo menos suficientemente significante para levar a casamentos e reuniões de família. A questão é que esta pergunta honesta muito raramente recebe uma igualmente honesta resposta. Em regra ninguém tem ninguém, estão todos livres como passarinhos ou, melhor dizendo, como falcões prestes a deitar a unha à sua presa, entende-se, nózinhas. Ou então, numa outra versão dos acontecimentos, estão com alguém, sim senhor, mas as coisas vão mal há muito tempo, ela não o compreende, pensam seriamente no divórcio, ela até o trai com o melhor amigo… soa-vos familiar alguma coisa destas? Alguém já a ouviu? Alguém começa já a revirar os olhos quando o tipo saca do historial de desgraçadinho? Pois é, o mundo tornou-se dúbio e traiçoeiro para uma Cinderela à procura de príncipe. Mas não desesperais. Num dos pântanos desta vida hão-de encontrar um sapo, e se arriscarem o suficiente para lhe dar um beijinho (sem língua, de preferência) na sua pelezinha viscosa, quem sabe se o bichano não se transforma em príncipe. Solteiro, como manda a regra dos contos de príncipes e princesas.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Um post politicamente incorrecto


Hoje está na moda louvar as benesses da homossexualidade. Ou seja, ao lado de uma data de gente que anda por aí com a bandeira dos valores da família e da decência moral, escondendo os seus muitos telhados de vidro com cruxifixos e fotografias de (supostamente perfeitas) famílias compostas como uma santíssima trindade, há depois uma série de outra gente - os modernos, os liberais, os cool – que diz que cada um deve viver a sua vida, deixar a dos outros em paz e aceitar cada um como é, independente da sua orientação sexual.
Ora eu sou deste gente segundo grupo, ao que parece, um grupo de libertinos e amorais. Porém, tenho dar a mão à palmatória e conceder em que aquele primeiro grupo, o dos bons pais de família, tem razão num aspecto: há uma coisa na homossexualidade (na masculina apenas, a feminina é-me indiferente) que eu não posso tolerar: como é que os tipos se atrevem a ficar com os melhores da espécie?
Ou seja, já não bastava uma miúda chegar aos 30’s e tal solteira que nem uma uva (enfim, as uvas são solteiras porque não existem uvos), sem companhia para ir a casamentos, para noites de sábado no sofá a ver filmes, e muito menos para um fim de semana numa pousada perdida do mundo, pois já não bastava tudo isso, como agora ainda tem que o seu campo de escolha limitado porque quase metade dos espécimes preferem bíceps a mamas? Sendo certo que há por aí muita mulher com bíceps (os ginásio fazem milagres) e muito homem de mamas (os ginásio não fazem milagres tão grandes assim), mas… you get what I mean.
Relembro com saudade os dias em que eu perdia um homem para miúdas altas com pernas de metro e meio. Agora perco-os para gajos de barba, pança e por vezes (arg!) de duplo queixo. Quão mais baixo pode uma mulher descer?
Mas o cenário ainda fica pior. Sim, pode ficar pior. É que ao contra todas as regras de lealdade e honestidade que deviam pautar a convivência social, não há forma de saber se o colega giro lá do escritório ou o instrutor que nos ajuda a fazer agachamentos no ginásio é ou não é. Gay, entenda-se. Aquele velho cliché dos trejeitos afeminados é coisa de filme. A vida real não é a “Gaiola das Malucas”. A vida real está pejada de tipos lindos, altos, com ar atléticos, que falam trinta e três línguas e conseguem conversar de astronomia, literatura e politica, que sabem cozinhar e usam fatos Ermenegildo Zegna, mas que preferem a bela da perna musculada e peluda à minha pernoca menos musculada e depilada. Sim… bem sei… eu estava a pedi-las. Agora que leio de novo a descrição realmente havia pouco que fizesse supor que um tipo destes seria hétero… Parece que quando são demasiado perfeitos ficam perigosamente perto da gayaldade. Mas a verdade é que os tipos não têm escrito na testa qual a sua preferência sexual e, a par de alguns que de facto nos dão todos os sinais disso e mais algum, a maior parte dos casos são dúbios. Será que ele vem muito ao ginásio para ver gajas? Ou gajos? Ou será que simplesmente acha agradável fazer exercício físico? Será que ele vê muito futebol porque é um desporto másculo? Ou porque os jogadores usam calções, se abraçam todos muito e saltam para cima uns dos outros? Percebem o que quero dizer? A vida é cruel para uma miúda solteira nos tempos de hoje, caramba.
E depois temos o problema oposto: o tal tipo que fala as tais trinta e tal línguas, demora imenso tempo a vestir-se e no final fica perfeito, cozinha e tal, logo, tudo indica que joga na outra equipa, até porque nos ouve pela noite fora quando choramos baba e ranho por algum desgraçado que (mais uma vez) nos decorou a testa, nos faz festinhas na dita testa, e nos diz que tudo vai correr bem. É preciso ser gay para aguentar dramas novelescos destes, certo? Wrong. Porque depois, quando menos esperamos, o tipo salta-nos para cima a vem à tona a sua verdadeira natureza hétero, frustrando assim todas as nossas expectativas numa confortável e segura amizade gay. Como é que uma coisa destas pode acontecer? Bem meninas, os homens são capazes de tudo e mais metade para conseguir o que querem, até aguentar melodramas e tardes de compras se no final houver um prémio.
Ou então – e na verdade até acredito mais nesta hipótese – nós somos capazes de nos convencer a nós mesmas de tudo, porque desilusão após desilusão já damos por certo que um tipo que preenche todos os requisitos é necessariamente gay. E com base nessa ilusão andamos semi-nuas pela casa, contamos-lhes coisas femininamente íntimas e, pior que tudo deixamos que nos vejam sem maquilhagem ou com os olhos borrados, ou a vomitar na sanita. Tudo porque aquele tipo não podia nunca na vidinha ser hétero. Too good to be true. Bem, alguns deles são mesmo demasiado bons para ser verdade. De modo que não deixemos que o nosso currículo de idiotas e filhos da puta nos deixe perder o tal que era hétero, apesar de não o parecer.
E desculpem lá se alguma destas coisas era politicamente incorrecta. Mas as coisas são mesmo assim.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

As coisas de que gostamos juntos


Um dia alguém que me era próximo disse-me que a mulher que dividisse vida com ele teria que gostar de praia e de ginásio, porque estes eram os seus interesses. O tipo era, basicamente, um idiota, mas dizia algumas coisas acertadas e esta era, à sua maneira básica e simplista, uma delas.
De facto, para duas pessoas é crucial que partilhem interesses e gostos. Não é necessário que sejam iguais, que concordem um tudo, que os seus gostos coincidam escrupulosamente. Há muito que se diz que os opostos se atraem. Mas pelos menos hão-de ter um leque de interesses em comum. Coisas de que os dois possam falar animadamente ao jantar, que os faça passar tempo juntos, procurar informações na net, conversar com outras pessoas. É preciso gostar juntos e passar tempo juntos a fazer juntos essas coisas de que gostam juntos.
Ora, eu até gosto de praia e de ginásio, mas isso não foi suficiente para nos manter lado a laso, o que comprova que os interesses em comum não são um remédio milagroso para aquilo que está destinado a não ser. Mas, por outra parte, é-me difícil conceber um duo que não consiga encontra pontos de intersecção, isto é, coisas que os façam vibrar a ambos. Se um passa os fins-de-semana a jazer jogging e montanhismo e o outro vai de manhã meditar e à noite a concertos de música clássica suponho que a convivência se resuma às compras de supermercado e aos jantares de família.
E a verdade é que, se olharmos para o lado, para os casais que fazem parte das nossas vidas, concluímos que se parecem muito um com outro. Esta é uma avaliação que se torna ainda mais evidente quando os conhecemos antes mesmo de se terem encontrado um ao outro, de modo que agora podemos assistir à sua “assimilação”. Usam roupas parecidas. Muitas vezes têm as mesmas opiniões e com os mesmíssimos argumentos. Ouvem a mesma música. Mas o mais curioso é que utilizam até as mesmas expressões. Gostam das mesmas coisas e irritam-se com as mesmas pessoas. Recordo-me do dia que uma das minhas amigas mais queridas deixou de beber o café com leite que tinha bebido ao longo de quase mais de 20 anos de vida. A razão? O namorado achava que fazia mal… e logo ali tive uma lição sobre os efeitos do dito no estômago humano.
Isto pode ser divertido, curioso, e por vezes até mesmo irritante. Mas é uma coisa que, suponho eu, não podemos evitar. Suponho também, e ainda com mais força, que nem sequer é de evitar. Este processo de semelhanciamento demonstra o interesse que temos pelo outro, que o admiramos e tomamos como modelo de conduta, e revela que nos vamos aproximando de forma a criar juntos uma coisa diferente do mero somatório de duas partes que permanecem separadas, cada uma dançando a sua música.
E nem sequer creio que isto revele alguma perda de individualidade, seja lá o que isso for. Pois certamente que a individualidade não consiste em permanecer exactamente o mesmo durante toda a existência, como uma Gabriela Cravo e Canela, que nasceu assim e vai ser sempre assim. Os indivíduos únicos e singulares mudam, crescem, tornam-se coisas diferentes, e nunca deixam ser eles mesmos.
O que se pode perguntar é se essas coisas diferentes que nos tornamos seriam outras distintas caso a nossa cara-metade não fosse o x e fosse o y. Certamente que sim. As pessoas que encontramos ao longo da vida condicionam muito daquilo que somos.
Eu não nasci a gostar de motos, de futebol, de ski, de aviões e de bacon frito. E não sei se vou continuar a gostar destas coisas caso (note-se que eu disse “caso” e não “quando”) um destes dias me veja de novo sozinha neste sofá. Provavelmente algumas dessas coisas deixarão de ter interesse para mim, e até se pode supor que outras me causarão mesmo repulsa. Mas ate lá vou aproveitar todas estas coisas de que gostamos juntos porque acredito que aquilo de gostamos juntos é o que juntos nos vai manter.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Desculpe, foi você que disse isto?


Todos nós opinamos. Provavelmente esta é até uma daquelas coisas que nos torna humanos. Enfim, não imagino um gato ou uma vaca a opinar, de modo que posso dizer que opino, logo, sou humano.
Todos nós opinamos sobre futebol, o tempo, a política. E sobre os outros. Sobretudo sobre os outros. E aqui intervém uma importante regra estatística: estou certa que em cerca de 99% das vezes as nossas opiniões sobre os outros são negativas, impiedosas, humilhantes e injustas. Não nos estou a apontar o dedo. Provavelmente não conseguimos evitar de agir assim exactamente pela nossa natureza pensante. Podemos tentar minorar esta tendência, sem dúvida que sim. Eu própria tenho tentado fazer esse exercício e recuar as minhas palavras (já que não posso recuar os meus pensamentos) quando sinto que passei a barreira da constatação de factos e já saltei para o lado da fantasia e da maldade. Nem sempre sou bem-sucedida, confesso, mas vejo este projecto como um objectivo de longo prazo e assim continuo a tentar domar os meus instintos assassinos no plano opinativo.
O problema está quando nos aproximamos de alguém sobre quem opinámos de forma tão violenta, e nos apercebemos que estávamos completamente errados, que afinal aquela é uma boa pessoa, e damos a mão à palmatória. Este foi um fenómeno que já experimentei algumas vezes. E então, mesmo correndo o risco de estragar o que já fazia pressentir ser uma boa amizade, senti-me compelida a confidenciar os meus pecados passados, o que tinha dito, o que não tinha dito, enfim, quis começar de novo.
Nunca fui tão ingénua a ponta de pensar que eu era a única opinadora de serviço. Sempre soube que eu também era opinada e, na verdade, sempre soube que o era muito. Mas entre o saber abstracto e o saber concreto vai uma grande distância, e quando essa distância desaparece há que decidir o que fazer e como enfrentar a situação.
Ou seja, e a pergunta é esta: o que fazer quando descobrimos que uma pessoa da qual nos começámos a aproximar, e a ter até alguma estima por ela, disse algum dia (ou alguns dias) coisas más, caluniosas e inverídicas?
Basicamente, as opções são três:
- Opção A: ignoramos e agimos como se nada fosse, tomando dito comportamento como um acidente de percurso, e pensado que certamente agora a alminha já estará terrivelmente arrependida das coisas que disse sobre nós;
-Opção B: cortamos qualquer ligação com a pessoa, convictos de que não pode fazer parte do nosso círculo de amigos;
-Opção C: confrontamos o sujeito/a sujeita com as suas palavras, pedindo-lhe contas do que disse e uma justificação para as ditas alegações.
Ora, o dilema é… isso mesmo, um dilema. À partida inclino-me para a opção C, que aliás tem sido a minha escolha em várias hipóteses destas. Sucedem, porém, que esta só é uma solução concretizável quando não temos pejo em deslindar a forma como tomámos conhecimento do dito incidente, o que nem sempre se verifica, porque muitas vezes sabemo-lo pelas palavras de alguém (e estou a assumir garantidamente que esse alguém é da máxima confiança e veracidade) que nos pede encarecidamente que não revelemos a sua identidade.
A hipótese A tem a seu favor uma ideia de perdão e de altruísmo, mas resta saber se é possível manter uma amizade quando o vinculo de confiança foi quebrado. Como podemos tomar um café com alguém na angústia de, quem sabe, o dito ir de seguida publicitar que fizemos, acontecemos e voltámos a acontecer?
Resta assim a hipótese B, provavelmente a mais pacífica das três, embora corramos assim o risco de destruir uma promissora e próspera amizade com base, quem sabe, numa coisa saída da boca para fora depois de copos a mais, sobretudo quando cai bem vangloriarmo-nos perante os amigos de coisas que nunca aconteceram e - vendo bem as coisas e tendo os pés na terra - nunca sequer poderiam ter feito.
A vida real é mais difícil que escrever posts. Porque na vida real as perguntas são bem mais complexas de resolver. O que é que é demasiado grave de dizer? Qual a margem de manobra que podemos conceder às pessoas? Até onde conseguimos lançar as coisas para trás das costas? O perdão tem um limite? E se abordarmos a pessoa e ela – o mais certo suceder na ordem lógica das probabilidades - nega a pés juntos ter dito o que disse?
Quão mais fácil seria se o célebre anúncio da Porto Ferreira substituísse o tal “Foi você que pediu um Porto Ferreira” por um “Foi você que disse isto”?

terça-feira, 3 de abril de 2012

O que acontece antes de morrer


Antes de morrer vive-se. E depois um dia tudo acaba e morre-se. Até aí tudo bem. Até aí eu aguento, e até alimento certa curiosidade pelo que vem depois. O que me inquieta é o vem imediatamente antes, e que pode durar one split second ou uma eternidade.
A dor. A solidão. A degradação. Isso é que me atormenta.
Se houvesse alguma fórmula magia de terminar tudo num instante, sem dores nem mágoas, então todos nós dias enfrentaríamos a morte mais serenamente. Mas essa é uma felicidade ao alcance de muito poucos.
Não deixa de ser paradoxal – quase ridículo – que a medicina tenha evoluído, e nos tenha oferecido tantos mais anos de longevidade, mas permaneça inútil face a doenças que degradam a nossa existência até ao ponto em que perguntamos se aquilo que temos é vida ou já é uma forma de não vida.
Pensar que um dia tivemos braços e pernas, nos levantámos sozinhos, falámos sem nos babar, pensar que um dia fomos assim e que hoje somos… o que somos. De certa forma mais vale que a primeira coisa a definhar em nós seja a mente e não o corpo, porque um espírito desperto num corpo que nos atraiçoa deve ser qualquer coisa de próximo a sentirmo-nos encarcerados.
Ao vermos aqueles que nos são mais queridos passar por esta provação enfrentamo-nos com os nossos piores medos. O medo de perder alguém, obviamente. E nessa medida queríamos que esta angústia perdurasse para além dos limites do tempo. Mas, também e sobretudo, o medo de o ver sofrer, de pensar aquilo que ele poderá estar a pensar. E não há nada tão lancinante como ouvir alguém dizer que a morte nunca mais chega. E aqui já só queremos que tudo termine. Qual é o limite da dor e do sofrimento para que alguém chegue a ansiar pelo que acontece depois? É isto um exame? Uma espécie de teste para ver quanto mais conseguimos aguentar? Qual a força com que defendemos as nossas convicções? Há um momento em que por muito que se tema o sofrimento que se seguirá só desejamos que tudo tenha um fim.
Não sei quando chegará a minha hora. Não a anseio nem a temo propriamente, excepto pela parte das coisas que terei que deixar para trás e que vou deixar por fazer. Dizem que vemos uma luz, um túnel com uma luz, e imagens daquilo que foi a nossa vida. Provavelmente pensamos nos erros que fizemos e nas desculpas que gostaríamos de ter pedido.
O tal famoso mistério do que vem a seguir não me angustia para nada, porque tenho para mim que será qualquer coisa de mais sereno do que o que temos hoje. Mas a forma como vai acontecer, o tempo que vai levar, a dor física que vou sentir, a preocupação por quem cá deixo, tudo isso me consome.
Pode ser que até lá inventem alguma pílula dourada que nos apresse o momento, que não nos deixe atormentar com nenhum desses pensamentos. Que o que venha mesmo antes da morte seja algum último suspiro de vida onde nem sequer pensávamos no que poderia vir a seguir.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Mesa para um, por favor


Sentada no avião, reflicto sobre esta última semana. Designação oficial: deslocação com vista à participação numa prestigiada conferência internacional. Designação que ficaram para a história: uma semana de férias num dos hot spot do planeta, com tudo pago. Senão: viajei sozinha.
Uma coisa é estar sozinha num sítio entediante e de foro semi-intelectual, como Colónia ou Toulouse. Coisa distinta é estar sozinha na suposta “puta da loucura”.
O primeiro grande desafio está logo no pequeno-almoço do hotel. “Mesa para um, por favor!”. Acreditem, nada despertará mais a simpatia e complacência geral do que uma menina sozinha a empacotar todas as amostras do buffet, enquanto olha em volta e observa. Porque, na verdade, quando se está sozinho, não restam muitas opções senão observar o que se passa. Entre bisbilhotar a vida dos vizinhos de mesa e convidar o empregado a sentar-se comigo, optei pela 1.ª hipótese.
Não é novidade que estar sozinha engorda. Não apenas porque, ao não ter com quem dividir o prato, me sinto quase forçada a meter cá para dentro tudo o que servem. Não apenas porque os doces são substitutos de muitos bens de primeira necessidade, Mas sobretudo porque quando enfiam o meu 1,63m numa quarto duplo com duas camas gigante é óbvio que as senhoras da limpeza deduzirão existe um misteriosa presença masculina a partilhar comigo todo aquele espaço, e teimam em deixar um chocolatinho em cada almofada. Desnecessário dizer que como os dois, para não estragar a ilusão de que ali está mais alguém.
A praia é outro desafio. Quanto nos fartamos de caminhar, entrar e sair da água, ou inventar súbitos interesses na linha do horizonte, só resta mesmo ler revistas femininas. Nunca estive tão a par das últimas modas como desde que me falta interlocutor para as pachorrentas conversas de praia. Posso não ter um homem para me adornar o braço, mas discuto ao mais alto nível as mais trendys tendências da estação, seja para braços, seja para pernas. É certo que as meninas estão mais que aptas para ler filosofia existencialista de Sarte, mas tenho para mim que essa é mais leitura de quarto de banho, enquanto a espreguiçadeira se coaduna melhor com o literatura sacarina, que até pode fazer mal mas pelo menos não engorda a dor da cabeça de meses de trabalho.
Esta viagem de avião, em si mesma, também não agoura coisa boa. É sabido, quem se arrisca a viajar só, se põe a jeito de ter a seu lado sentado um coscuvilheiro, um fanático religioso ou qualquer outras dessas espécies raras que miraculosamente se sentam a mim, sobretudo, juntos dos meus ouvidos. O próprio processo de embarcar e desembarcar pede dois braços fortes e peludos para carregar com as malas e guardá-las enquanto retocamos maquilhagem no quarto de banho.
Pergunto eu: porque é que o mundo está feito para dois? Porque não também para um ou para três? Será que o clássico menage perdeu posição nesta socialidade acassalada? Porque é que os quartos de hotel, as mesas de restaurante e os rins são pensados aos pares? Será dois melhor que um? Será que não devemos inventar o dia dos encalhados, para disputar lugar com o dia dos namorados? Será que desafio a ordem geral das coisas ao pedir para um no restaurante? Não sei. E também não tenho aqui um namorado com quem possa discutir estas questões existenciais.
Muitas da vós, portadoras da voz da razão, estão agora a comentar que a vida sem um homem bem poderá ser mais “agradável” do que a vida com ele, com menos desgostos e dores de cabeça. Mas, afinal, quem disse que eu almejava por uma vida tranquila?
The end
(fecho o PC e levanto-me da minha mesa para um).

sexta-feira, 23 de março de 2012

Uma droga chamada A-M-O-R


Quando andava no liceu li Os Filhos da Droga. Mentia se não dissesse que não andei semanas a fio a pensar no assunto. A história é pesada, especialmente para uma mente impressionável de 14 anos.
Estava na altura longe de supor que um dia estaria eu a tremer num canto, assacada pela ressaca da falta da minha droga. Com a diferença que a minha droga não era um pó nem um comprimido, mas uma pessoa. No meio disto tudo as drogas são o pior dos males. Porque o mal maior são mesmo as pessoas.
Tudo começa com uma curiosidade. Como será ele? Daqui do meu cantinho parece lindo, charmoso e fantástico. Será que ele é assim mesmo? Comos seria dar-lhe um beijo, saber os seus segredos, poder contar-lhe os meus?
Depois chega aquele amigo, qual dealer de drogas pesadas, a aguçar-nos o apetite. E fala-nos dele, dos seus feitos, das suas piadas. E nós ficamos de coração desfeito ansiando por ouvir uma dessas piadas. Depois daquela breve amostra do produto queremos é o produto mesmo.
Uma troca de números de telefone. Um encontro. Um jantar. Um abraço. Um fim-de-semana. E de repente já estamos agarradas fazendo planos para uma vida a dois. Parece que o alívio de todos os males das nossas vidas advém daqueles momentos juntos, ao passo que a sua ausência nos arrasta para uma ressaca que só se cura com o reencontro. É oficial: estamos viciadas no tipo.
De facto, o amor é como uma droga. Rectifico: o amor é uma droga. Um vício no qual é fácil cair, mas muito difícil sair.
Dizem os estudos científicos - juro, vi num daqueles canais para pessoas inteligentes – que quando estamos apaixonados o nosso cérebro liberta endorfinas, exactamente como se estivéssemos a tomar uma droga. Quando estamos apaixonados, e tudo está bem, e os passarinhos cantam, estamos totalmente inebriadas por essa droga, e não vemos mais nada. Descuidamos os amigos. Desinteressamo-nos do trabalho. Deixamos a dieta. A televisão já não nos prende. Basicamente, o tal aquilo torna-se a principal razão de ser da nossa existência. Ora, daqui advém sem dúvida um ponto positivo: a nossa vida fica tão preenchida que todos os problemas e frustrações desaparecem. Caramba, já nem nos recordávamos que se poderia ser assim feliz. Mas, não nos iludamos, o perigo, um perigo imenso, está sempre à espreita: é que se por algum motivo o tal amor desaparece das nossas vidas (e bem sabemos que o amor desaparece mais depressa do que um coelho numa cartola de mágico) tudo desaparece com ele, e regressam então os problemas, as frustrações, os medos, sei lá, tudo o que a vida tem de mau, e um bocadinho mais ainda.
É então que se entra na tal ressaca. Por vezes de cama mesmo. Perda de apetite e diminuição de peso. Pele macilenta. Voz arrasada. Quem sabe febre. Todo o singelo pensamento que nos passe pela cabeça vai necessariamente dar às tais endorfinas perdidas. No meio desta miséria acabamos a culpar a nossa estupida curiosidade, o tal dealer, os postais de ursinhos e corações que ele nos ofereceu. A culpar o mundo por existir.
E a nós também. Porque nos custa perceber como é que há tantos seres humanos por aí que experimenta a droga, a snifa esporadicamente, ou até mesmo todos os dias, e no entanto ali estão, rosados e felizes. São imunes à ressaca. Ganham e perdem amores sem ganhar quilos nem perder lágrimas. E nós – pobres de nós os fracos – que tombamos ao mínimo sintoma de privação.
Enquanto para os drogados medicamente reconhecidos há fármacos e centros de desintoxicação, a nós pouco mais nos resta do que maciças doses de chocolate e intermináveis conversas com amigos, que inevitavelmente terminam com um suspiro ou um choro.
Doloroso? Sem dúvida. Mas também uma grande lição de vida. Espero que ao menos nos ajude a resistir à tentação da próxima droga.

domingo, 18 de março de 2012

Menina não entra


No clube do Bolinha e sua tropa as meninas não entravam. Naqueles dias em que lia livros de banda desenhada deitava no chão do quarto, a comer gomas e a mexer nas tranças, esta era uma realidade que me era estranha. Durante grande parte da minha infância os meus companheiros de brincadeira eram também meninos. Aliás, eram sobretudo meninos, porque quando se vive num sítio onde a miudagem escasseia há que trabalhar com o que se tem, ou seja, há que brincar com quem se tem. Não sendo propriamente uma maria-rapaz acabei por me tornar uma eximia jogadora de futebol, uma menos eximia jogadora de berlinde, e dei os primeiros passos na construção de estradadas e auto-estradas para carrinhos de brincar em montes de areia.
O muro de Berlim entre nós – meninos e meninas – chegou mas tarde, nos teens years, quando começou a despertar um interesse mútuo que já não se prendia com brincadeiras – ou pelo, menos com aquelas brincadeiras – e quando passou a fazer sentido que em certas conversas só meninas, ou só meninos, estivessem presentes.
Ora, esperava eu que depois dos 30 tivéssemos resolvidos as nossas diferenças (so to say) e os grupos de tornassem definitivamente mistos. Não, pelo contrário. Parece que nunca estivemos tão afastados como agora. Claro que fazemos coisas em conjunto, nomeadamente you know what. E jantamos juntos. Fins-de-semana juntos. Férias juntos. Mas, em última instância, parece que os outros meninos os gratificam de uma outra que para nós é inalcançável, por muito que custe a acreditar. E assim damos por nós neste papel de companheiras para ouvir problemas, para ir ao supermercado, para jantares de família, mas somos remetidas à posição de espera nas tais intermináveis tardes e noitadas com os amiguinhos do costume, onde as meninas não entram.
A questão é esta: existirão certamente no mundo homens felizes que tiveram a boa fortuna de encontrar mulheres que se satisfazem em ficar em casa com os filhotes, a ver televisão ou até a ler, pacientes esperando pelo regresso do senhor, com dois copos a mais e juízo a menos. Infelizmente, eu não sou uma dessas mulheres. Não que não aprecie um serão caseiro, com um copo de vinho e um filme. Aliás, este arrisca-se a ser o meu programa preferido. Mas em companhia. A solo, já tive a minha a dose. E custa-me sobretudo a aceitar este destino quando sei que sou tão boa ou tão má companhia como qualquer menino, em variadíssimos aspectos até melhor. No meu caso isto é particularmente verdade porque – à luz dos protótipos de comportamento socialmente instituídos – grande parte da minha vida foi vivida como se fosse um menino. Cheguei a esta idade sem ter grande coisa para conversar no campo de gravidezes e bebés; passo tão pouco tempo em casa que nem sei cozinhar um jantar decente; e os meus melhores amigos são usualmente meninos. Não que não aprecie uma boa conversa com as meninas – que neste tempo em que os homens arranjam as unhas e enchem armários de roupa pode igualmente ser tida com meninos – mas, caramba, estou confinada o resto da vida a jantares de meninas e férias de meninas, como uma espécie de Apartheid sexual?
Esta divisão poderia fazer algum sentido quando as mulheres passavam grande parte do dia em casa, e os seus ambientes de conversa necessariamente se restrinjam aos filhos, à culinária, à costura e às novelas. Mas hoje em dia trabalhamos tanto como eles, ganhamos tanto como eles, viajamos tantos com eles, gostamos tanto de um copo como eles, logo, porque não somos um deles?
Em bom rigor já estive em mais sítios do que a maior parte dos homens e já vi mais mundo do que a maior parte dos homens. Trabalho mais horas do que a maior parte deles, vi mais futebol, caramba, tenho-os mais no sítio. Li mais livros, tenho mais opiniões. Sou capaz de não ser tão apreciadora de decotes de meninas, de arrotos e de coçar partes intimas. Mas se é esse o critério de exclusão, então, pondero que se calhar sou eu a não querer fazer parte do grupinho.
A questão nem se coloca só em relação às caras-metade. Até nas amizades se nota algum desconforto neste campo, como há dias desabava um amigo sobre o incomodado que se sentia ao discutir futebol comigo e com as restantes mulheres daquela mesa. E de repente senti-me de novo à porta da casinha de madeira, com aquele letreiro a barrar a entrada: “Menina não entra”. E ali ficámos, lost in translation, só porque um de nós faz xixi de pé e o outro sentado.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Vestidos com pressupostos


Um vestido pode ser uma realidade bem complexa na vida de uma mulher. Desde logo porque os vestidos implicam, em regra, pressupostos. Há vestidos que só podemos usar quando estamos magras, outros só quando estamos morenas, outros quando fizemos a depilação, outros quando temos um soutien cheio de alças e tiras a cruzar pela frente e por trás, outros quando temos mamas, outros quando não temos mamas. Depois temos os vestidos que pressupõe uma companhia.
Entenda-se, pode ser uma amiga, a mãe, a tia-avó. Já não convém que seja o tio-avô ou o vizinho de cima. É que aquilo que pede à dita companhia é que nos puxe o fecho do vestido, estrategicamente colocado na nossa parte traseira, num daqueles sítios a que os nossos braços não conseguem chegar por mais esticados que estejam.
Tenho alguns vestidos desses. Nomeadamente tenho um que me deixa insana. A questão é esta: estou em crer que o vestido me fica particularmente bem, e como essa não é uma realidade assim tão frequentemente no meu guarda-vestidos reserva-o para situações especiais. O problema é que as minhas situações especiais nem sempre vêm acompanhadas por uma companhia das tais com legitimidade para me puxar o fecho do vestido.
Falo de um bicho complicado. Antes de mais é um tomara-que-caia, o que já de si causa algumas dificuldades, não só no acto de vestir mas também no acto de usar. Não se limita a ter um fecho nas costas. Na verdade tem dois. Primeiro temos um corpete bem justo, em bom rigor uma tripa elástica gigante onde é suposto enfiar-me, que encerra com um fecho (daqueles que não basta puxar, mas há também que encaixar o fecho para o começar a puxar para cima) e terminar com um colchete. Depois o dito vestido tem uma segunda camada, a qual também encerra com um fecho e, de novo, um colchete que funcione como cereja no topo do bolo, isto é, de mim.
Ora, eu já cheguei àquele ponto – derivado de muitos anos de treino e de muita necessidade, e já se sabe que a necessidade aguça o engenho - em que consigo efectivamente vestir o vestido pour moi meme. Devo dizer que é uma tarefa que me exige grande esforço físico, algumas notas de suor, acrobacias várias, e uma flexibilidade digna de estrela de circo. Basicamente, depois de abotoar a última mola e o último colchete estou pronta para voltar ao início e tomar um bom banho, porque ali estou eu, suada e desgrenhada, com vergões no corpo, e com bracinhos que esticam 5 mm de cada vez que tento esta proeza.
Já ponderei deixar-me disto e chamar à colação alguma alma caridosa que se prontifique a esta função. Não é fácil. Desde logo coloca-se a questão de saber como fazer o pedido. Imaginemos o cenário com que me defrontei há dias, quando dobrava o vestido para o guardar numa mala onde me esperava um evento bem simpático, no qual o meu vestido se sentiria como peixe na água. A questão é que, como sempre, estarei eu sozinha, com os meus sapatinhos e os vestidos. De modo que não pude deixar de ponderar como contornar o pesado obstáculo dos fechos. Ou seja… vestia eu a peste do vestido e depois? Saia do meu quartinho e batia na porta ao lado… “Olhe desculpe, o senhor - que nunca vi mais gordo nem mais magro – importa-se de deixar aí a sua esposa e chegar aqui ao pé de mim para me abotoar e puxar os fechos?” Recorde-se ainda que para a coisa correr bem teria que realizar este leque de operações de olhos fechados, pelo menos na parte inicial da “intervenção”.
Enfim, o episódio não augurava boa coisa, de modo que desisti deste projecto e acabei por atirar o vestido para um canto do quarto e enfiar qualquer outra coisa na mala.
Eventualmente arrumei-o na sua cruzeta, e ainda agora lá, escondido num canto do guarda-vestidos, ansiando pelos dias que eu venha a partilhar com uma cara-metade que me possa puxar o fecho dos vestidos. Com a sorte que me caracteriza já se antevê que quando tal acontecer – sim, sou optimista e até acredito em fábulas – ainda me calha um príncipe maneta, que só os dentes me poderá puxar o fecho, ou então já estou demasiado balofa para caber no vestidinho.