sábado, 19 de maio de 2012

O sol, a lua e as estrelas

Se eu morresse hoje mesmo, neste mesmo momento, não morreria estupida. Tive a sorte de na minha (ainda não muito longa) vida ter experimentado mais coisas do que muita gente. Vista de fora é uma vida cheia de vivências, de pessoas de sítios e de coisas. E no entanto…. E no entanto eu nunca fui o sol, a lua e as estrelas de ninguém. Bem sei que nós só queremos o que nunca tivemos, e que depois de o ter deixamos de o querer. Mas ainda assim, eu queria ser o sol, a lua e as estrelas. Basicamente, eu queria ser importante. Não útil. Não desejável. Não outra coisa qualquer. Eu queria ser o centro da vida de alguém. Provavelmente este é apenas mais uma das teimosias do meu estupido ego. A verdade é que o amor é altamente sobrevalorizado. Nem duvido que algumas das pessoas mais felizes deste mundo nunca se apaixonaram a sério, nem ninguém por elas. E note-se que se não fosse esse pequeno pormenor chamado amor Romeu não tinha morrido, nem Julieta com ele. Ainda assim, eu queria sentir aquilo que faz duas pessoas sentirem-se uma. É verdade que nem todos fomos feitos para ser gostáveis. Alguns temos por sina ser trabalháveis. Ou divertidáveis. Ou mesmo admiráveis. Mas somos humanos, e o nosso ADN impele-nos a ser gostados por alguém. Mas eu, ai, eu peço bem mais do que isso. Eu peço uma história de amor de fazer vir às lágrimas. Uma coisa intensa como uma malagueta, mas doce como chocolate negro. Estou consciente de que sou capaz de ter nascido na época errada para almejar loucuras destas. Nos tempos dos reis e das rainhas (não os reis espanhóis, note-se bem) seria bem mais fácil alguém cair de amores de mim. Porque hoje, convenhamos, ninguém cai de amores. Caem de bêbados. Caem por dinheiro. Caem das motas. No fundo, as mesmas quedas que já existiam nos tais tempos de reis e rainhas, excepto que em vez de motas tínhamos cavalos a provocar quedas. Mas pelo menos nesse tempo as pessoas eram dadas a grandes gestos. E acho que é isso que é isso que procuro. É que nos tempos de hoje as pessoas continuam a gostar umas das outras, a amar, diria mesmo. Mas tudo na versão soft. Nada de muita proximidade, de muito compromisso ou de muita fidelidade. Sobretudo nada que comprometa planos futuros. Mas então, onde estão os gestos heróicos e apaixonados? Note-se que não peço cavaleiros andantes a chacinar dragões, até porque eu tão-pouco me fecho numa torre nem lanço as minhas traças pelo parapeito da janela. Mas eu já tive a minha quota de gestos derradeiros de paixão. Aquelas coisas que não posso contar aqui sob pena de morrer de vergonha. Que ainda hoje me fazem corar. Que no seu dia fizerem corar alguém. Ora, é isso que eu quero. Quero um anel de noivado escondido dentro de um petit gateau. Quero ramos e ramos de rosas vermelhas entregues no meu gabinete por um admirador desconhecido. Quero um avião a escrever o meu nome no céu. Mas, sobretudo, quero saber o que é ser gostada de forma absoluta e incondicional. Assim como as mães amam os filhos, mas sem ser pela minha mãe.

sábado, 12 de maio de 2012

Mr and Mr Smith

Nos últimos casamentos em que estive presente as noivas iam lindas e radiosas, felizes por unir os respectivos destinos ao amor das suas vidas. E isso faz-me pensar porque motivo não podem sentir tal satisfação aqueles que amam alguém com quem partilham cromossomas. Que se opõe a isso? Bem, desde logo, o Código Civil. Mas o Código Civil não é um dogma. É meramente uma lei que se deve adequar aos padrões da sociedade. Que sociedade? Esta, na qual vivemos, onde o senhor A vive com o senhor B e se amam e gostariam de formar uma família (leia-se, “adoptar uma criança”), porque a homossexualidade não se transmite por osmose e, mesmo que assim fosse, também não vejo que assim viesse mal ao mundo. Afinal, estamos meramente a falar de uma orientação sexual e não de uma tendência homicida. É que aquilo que a lei diz não é lei. Ou melhor, só o é enquanto assim o quisermos. E penso que estou relativamente à vontade para “desendeusar” a lei porque, afinal, trabalho com ela. Se ao longo da história nos tivéssemos bastado com aquilo que as “sábias palavras da lei” estipulam ainda hoje faríamos sacrifícios humanos, queimaríamos na fogueira as mulheres de cabelo vermelho e teríamos cada um o seu escravo pessoal (e olhem que nem me oponho a esta ideia supondo que estamos a falar de um senhor alto, forte e espadaúdo, que me assistisse em todo o tipo de necessidades). O que foi a abolição da escravatura senão o reconhecimento de que as leis que dominaram a nossa existência durante centenas de anos afinal estavam erradas e que os negros, se calhar, até tinham a mesma dignidade que nós? Não a terão também os homossexuais? Não terão o direito de afirmar pública e solenemente quem são e quem amam? Ou podem sê-lo e fazê-lo, desde que seja às escondidas? Até digo mais, sobretudo para aqueles que sentem enjoos e suares com a mera ideia de sexo entre duas pessoas do mesmo… lá está… sexo. Sexo. Sexo. Sexo. Repito a palavra porque em regra essas mesmas pessoas mal a conseguem dizer. Como se fosse um daqueles palavrões que dão castigo na escola. Mas, dizia eu, que até quero dizer mais. E vou dizê-lo: se a homossexualidade vos causa assim tanta repulsa, que pior castigo se pode desejar aos homossexuais senão o de partilhar todos os dias, cada minuto do dia, a existência com uma mesma pessoa, a quem “supostamente” (talvez melhor, “utopicamente”) deverão ser fiéis, e acompanhar na alegria e na tristeza, até que a morte os separe. Ou até que sobrevenha um divórcio. Já pensaram bem o terrível castigo que os homossexuais não vão sofrer com o casamento e depois, se tudo correr bem (se correr mal, têm que se aturar um ao outro) com o divórcio? Pior ainda, o leque de advogados que vêm anexados a um divórcios??? De modo que, para quem não gosta de homossexuais, abrir-lhes a porta do casamento é, de facto, o melhor “presente”, envenenado, claro está, que lhe podem dar. Deixando o sarcasmo de lado – faço notar que eu até sou uma crente no casamento, quiçá mesmo a última das moicanas do casamento – gostaria que ponderássemos sobre o verdadeiro motivo pelo qual nos opomos ao casamento entre pessoas do mesmo. E a única conclusão a que chego é esta: uma ideia pré-concebida, e hoje já bem ultrapassada, sobre aquilo que é o casamento. Dizem-me os meus colegas, ilustres juristas por sinal, que o casamento é, segundo a ordem natural das coisas, uma união entre pessoas de sexo diferente. Ora, parece-me a mim que o que eles querem dizer é que o casamento foi, segundo o ensinamento da História, uma união com esses traços. Mas a História dita o que foi, não o que será. É que nos impusesse, inelutavelmente, o rumar dos acontecimentos, ainda hoje eu seria uma fada do lar, à espera que o meu marido, ganha pão da casa, chegasse do trabalho e me desse uma valente sova para mostrar quem é o chefe da família. E ai de mim que me atravesse a deixar o lar matrimonial (lar este onde me caberia o débito conjugal, ou seja, e literalmente, pagar com o corpo as “alegrias” que ele me desse) porque a policia podia ir buscar-me à força para me entregar ao meu legitimo proprietário. Aquilo que o casamento foi já não o é hoje porque ele é, afinal, um instituo em evolução. E nem se diga que os homossexuais podem casar, mas não uns com os outros. Este tipo de argumento é tão básico e vazio quanto aquele outro, hoje judicialmente condenado, de que as mulheres não são discriminadas no trabalho por estarem grávidas, uma vez que as normas laborais se aplicam a todas as pessoas grávidas, homens ou mulheres. Por favor, dêem-nos algum crédito de inteligência… Eu, pessoalmente, adoro lésbicas. Cada lésbica que existe é menos uma mulher em competição na busca da minha meia laranja. Já os homens gays… não, não posso concordar. Irrita-me profundamente que fiquem com os melhores da espécie. Inveja? Sim, caramba. E desapontamento porque em regra são homens lindos, limpinhos, cultos, com corpos de ginásio, com gosto pelas compras. Simplesmente, preferem olhar para os meus sapatos do que para as minhas pernas. E depois babam-se com as pernas do tipo da frente. Os bi’s, esses, são piores ainda. Porque são garganeiros, querem tudo. E eu??? Alguém pensa na pobre menina solteira??? Deixem pelo menos um homem apresentável para mim! Aparte essa salvaguarda, casem e sejam felizes.

domingo, 6 de maio de 2012

Desesperadamente procurando um palácio

Suponho que se eu fosse uma lagarta seria coisa complicada ter que procurar uma maçã bem vermelha e saborosa para viver, assim como se fosse uma bactéria seria complicado encontrar o intestino perfeito onde me aconchegar. Sendo eu uma Cinderela, encontrar um palácio está a revelar-se uma batalha ingrata. Atrevo-me até a assumir publicamente que preferia ter prisão de ventre durante uma semana do que meter-me nisto. Durante um dia, vá lá. Depois de muitos sites e de muitos telefonemas concluo o seguinte: encontrar uma casa é tão complicado como encontrar um homem. E note-se que eu não peço muito. Nas casas, entenda-se. Há muito desisti de closets para arrumar todos os meus sapatinhos, cozinhas equipadas com electrodomésticos de última geração, deslumbrantes vistas sob o rio. Ou melhor, há muito que a minha miserável conta bancária desistiu de almejar coisas destas. Eu só quero uma casinha onde me sinta bem, onde possa descansar os meus presuntinhos inchados depois de dias a galgar calçadas por essa cidade acima. Um sítio que forneça um abrigo seguro aos sapatinhos, aos casacos, às malas e aos livros. Onde os vizinhos não toquem bateria às duas da manhã e as vizinhas não sejam mais giras do que eu. Ora isto, meus amigos, não é fácil. Desde logo, não é fácil perceber os senhores das imobiliárias. Inauguro as minhas reflexões sobre este tema com a seguinte pergunta: porque raio dizem que vão ligar de seguida se não o tencionam fazer? Não me bastava passar por dramas destes com os tipos com quem janto e bebo café, agora ainda tenho que esperar ansiosamente pela chamada do senhor da imobiliária? É a subversão do mundo tal como o conhecemos. Depois, a questão da visita propriamente dita. E neste ponto confesso que bem gostaria eu de transpor o modelo de avaliação de apartamentos e garagens para as relações humanas. Como seriamos todos felizes se antes de entrarmos numa relação, seja ela de amor ou de amizade, nos fosse permitido fazer uma espécie de vistoria ao seu comportamento social. Se antes de decidirmos que fulano x será ou não nosso amigo, ou se fulano y será ou nosso namorado, fosse possível ver os seus poderes, um a um, pedir certificados de inteligência e de rectidão moral, e eventualmente consultar até a planta corporal do dito, para mensurar as dimensões de certas coisas, ou o seu nível de funcionamento. “Olhe, acho que o grau de tolerância quanto a opiniões diferentes é demasiado pequeno”. “Confesso que não fiquei demasiado impressionada com o sentido de humor da peça”. Mais do que isso, que tranquilidade não seria saber que poderíamos terminar a coisa com uma mera denúncia do contrato, sem justificações adicionais, sem pedidos de desculpa, sem o clássico “não és tu, sou eu”? Melhor ainda, já pensaram a serenidade do desfecho se recebêssemos uma denúncia dessas 2 ou 3 meses antes, a dizer uma coisa do tipo: “Cara namorada, serve a presente comunicação para te informar que tenciono terminar a nossa relação no dia 30 de Agosto de 2012, continuando até à referida data a cumprir todas as minhas obrigações de namorado?”. Como teríamos 3 meses para nos habituarmos à ideia, para nos depaixonarmos e o começarmos a desenvolver pelo dito o inevitável sentimento de repulsa, sem no entanto passarmos nesse momento pelo trauma da solidão e de o ver com outra, o coração poderia ficar rachado, mas dificilmente ficaria partido. Sim, procurar casa acaba por ter certas vantagens quanto comparada com a árdua tarefa de procurar amigos ou namorados. Ainda assim, não se revela tarefa fácil. As casas velhas têm problemas de esgotos e as casas velhas têm rendas de muitos dígitos. Face a isto, se houver por aí alguma ponte que me possa albergar ficaria muito agradecida.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um post politicamente muito correto

Ah, tenho saudades da simple life. Sinto falta daqueles dias em que os homens gostavam de mulheres e as mulheres de homens. Em que no Verão fazia calor e no Inverno fazia frio. Em que o 5 de Outubro era feriado e o “bué” não tinha sido dicionarizado. Aqueles dias em que as pessoas casavam com a intenção de durar para toda a vida. Em que sabíamos que quem usava aliança era necessariamente casado, e quem não a usava era necessariamente solteiro. Entretanto o mundo tornou-se uma coisa muito complicada, especialmente no que às relações humanas respeita. Os extensos horários de trabalho tornaram difícil ter tempo para conhecer alguém, a velocidade que imprimimos às coisas não deixa espaço para conhecer profundamente alguém, e as relações abertas despojaram-nos da vontade de conhecer alguém. Nunca vos aconteceu deitar os olhos num alguém encantador, com bom aspecto e bons dedos de testa, conversador fluido, viajado, sem aliança (nem marca visível da mesma), e de repente perceber que o tipo, que parece mesmo a nossa cara-metade, já é a cara-metade de outro alguém qualquer? Como diria a Alanis, isn’s that ironic?... E como é que descobrimos isto? Bem, uma hipótese possível consiste em ser o próprio a dizer-nos, de forma expressa ou tácita. Se fala na “minha mulher”, não há dúvidas quanto a possíveis interpretações erradas da nossa parte. Meninas: não está a falar da mãe. Mas se se referir em termos plurais a alguma coisa que tenha feito (um jantar, uma viagem, um filme), tudo leva a crer que tão-pouco o tenha feito com a mãe. O problema é quando a conversa é demasiado dúbia para perceber o estado civil do bicho. E a verdade é que como hoje em dia todos temos milhentos amigos e amigas com quem fazemos coisas tradicionalmente típicas de casais – desde ir passar férias a dividir apartamento – podemos chegar ao ponto em que não há qualquer ponto de apoio para uma dedução (e Deus sabe como as mulheres gostam de deduzir!). Os tradicionais critérios distintos há muito perderam a sua força de reposição da verdade. Aliança? Quase ninguém usa, e quando usa são tão estilizadas que ficamos sem saber se não será uma jóia de design, coisa que muito apraz ao hodierno género masculino. Filhos? Bem, hoje em dia nascem mais crianças fora dos casamentos do que dentro deles, de modo que a existência de um filho pouco nos diz relativamente à presença de uma união estável. Nem sequer o partilhar casa é critério atendível. Não só porque todos já concluímos que dividir casa permite-nos dividir as despesas, e que o género não deve ser impeditivo do companheiro de alojamento, como os casamentos mais modernos são pautados pela ideia de que cada um apenas consegue manter a sua verdadeiramente individualidade se tiver uma chafarica só para si. Nem mesmo a identificação civil serve actualmente de ajuda a uma pobre rapariga solteira, dado que o antigo BI (ao qual se conseguia, apesar de tudo, lançar a mão após complicados enredos estratégicos que inevitavelmente terminavam com o tal “então mostra lá o teu BI que eu já te explico”) foi substituído por um traiçoeiro cartão do cidadão do qual esta informação não consta. Caras autoridades públicas, para vocês pode ser irrelevante saber se um tipo é casado ou solteiro, mas para nós não é… Neste ponto dir-me-ão que estou a complicar, e que bem mais simples e honesto seria simplesmente perguntar-lhe se é casado ou tem alguém, o tal significant other, pelo menos suficientemente significante para levar a casamentos e reuniões de família. A questão é que esta pergunta honesta muito raramente recebe uma igualmente honesta resposta. Em regra ninguém tem ninguém, estão todos livres como passarinhos ou, melhor dizendo, como falcões prestes a deitar a unha à sua presa, entende-se, nózinhas. Ou então, numa outra versão dos acontecimentos, estão com alguém, sim senhor, mas as coisas vão mal há muito tempo, ela não o compreende, pensam seriamente no divórcio, ela até o trai com o melhor amigo… soa-vos familiar alguma coisa destas? Alguém já a ouviu? Alguém começa já a revirar os olhos quando o tipo saca do historial de desgraçadinho? Pois é, o mundo tornou-se dúbio e traiçoeiro para uma Cinderela à procura de príncipe. Mas não desesperais. Num dos pântanos desta vida hão-de encontrar um sapo, e se arriscarem o suficiente para lhe dar um beijinho (sem língua, de preferência) na sua pelezinha viscosa, quem sabe se o bichano não se transforma em príncipe. Solteiro, como manda a regra dos contos de príncipes e princesas.