quarta-feira, 18 de abril de 2012

Um post politicamente incorrecto


Hoje está na moda louvar as benesses da homossexualidade. Ou seja, ao lado de uma data de gente que anda por aí com a bandeira dos valores da família e da decência moral, escondendo os seus muitos telhados de vidro com cruxifixos e fotografias de (supostamente perfeitas) famílias compostas como uma santíssima trindade, há depois uma série de outra gente - os modernos, os liberais, os cool – que diz que cada um deve viver a sua vida, deixar a dos outros em paz e aceitar cada um como é, independente da sua orientação sexual.
Ora eu sou deste gente segundo grupo, ao que parece, um grupo de libertinos e amorais. Porém, tenho dar a mão à palmatória e conceder em que aquele primeiro grupo, o dos bons pais de família, tem razão num aspecto: há uma coisa na homossexualidade (na masculina apenas, a feminina é-me indiferente) que eu não posso tolerar: como é que os tipos se atrevem a ficar com os melhores da espécie?
Ou seja, já não bastava uma miúda chegar aos 30’s e tal solteira que nem uma uva (enfim, as uvas são solteiras porque não existem uvos), sem companhia para ir a casamentos, para noites de sábado no sofá a ver filmes, e muito menos para um fim de semana numa pousada perdida do mundo, pois já não bastava tudo isso, como agora ainda tem que o seu campo de escolha limitado porque quase metade dos espécimes preferem bíceps a mamas? Sendo certo que há por aí muita mulher com bíceps (os ginásio fazem milagres) e muito homem de mamas (os ginásio não fazem milagres tão grandes assim), mas… you get what I mean.
Relembro com saudade os dias em que eu perdia um homem para miúdas altas com pernas de metro e meio. Agora perco-os para gajos de barba, pança e por vezes (arg!) de duplo queixo. Quão mais baixo pode uma mulher descer?
Mas o cenário ainda fica pior. Sim, pode ficar pior. É que ao contra todas as regras de lealdade e honestidade que deviam pautar a convivência social, não há forma de saber se o colega giro lá do escritório ou o instrutor que nos ajuda a fazer agachamentos no ginásio é ou não é. Gay, entenda-se. Aquele velho cliché dos trejeitos afeminados é coisa de filme. A vida real não é a “Gaiola das Malucas”. A vida real está pejada de tipos lindos, altos, com ar atléticos, que falam trinta e três línguas e conseguem conversar de astronomia, literatura e politica, que sabem cozinhar e usam fatos Ermenegildo Zegna, mas que preferem a bela da perna musculada e peluda à minha pernoca menos musculada e depilada. Sim… bem sei… eu estava a pedi-las. Agora que leio de novo a descrição realmente havia pouco que fizesse supor que um tipo destes seria hétero… Parece que quando são demasiado perfeitos ficam perigosamente perto da gayaldade. Mas a verdade é que os tipos não têm escrito na testa qual a sua preferência sexual e, a par de alguns que de facto nos dão todos os sinais disso e mais algum, a maior parte dos casos são dúbios. Será que ele vem muito ao ginásio para ver gajas? Ou gajos? Ou será que simplesmente acha agradável fazer exercício físico? Será que ele vê muito futebol porque é um desporto másculo? Ou porque os jogadores usam calções, se abraçam todos muito e saltam para cima uns dos outros? Percebem o que quero dizer? A vida é cruel para uma miúda solteira nos tempos de hoje, caramba.
E depois temos o problema oposto: o tal tipo que fala as tais trinta e tal línguas, demora imenso tempo a vestir-se e no final fica perfeito, cozinha e tal, logo, tudo indica que joga na outra equipa, até porque nos ouve pela noite fora quando choramos baba e ranho por algum desgraçado que (mais uma vez) nos decorou a testa, nos faz festinhas na dita testa, e nos diz que tudo vai correr bem. É preciso ser gay para aguentar dramas novelescos destes, certo? Wrong. Porque depois, quando menos esperamos, o tipo salta-nos para cima a vem à tona a sua verdadeira natureza hétero, frustrando assim todas as nossas expectativas numa confortável e segura amizade gay. Como é que uma coisa destas pode acontecer? Bem meninas, os homens são capazes de tudo e mais metade para conseguir o que querem, até aguentar melodramas e tardes de compras se no final houver um prémio.
Ou então – e na verdade até acredito mais nesta hipótese – nós somos capazes de nos convencer a nós mesmas de tudo, porque desilusão após desilusão já damos por certo que um tipo que preenche todos os requisitos é necessariamente gay. E com base nessa ilusão andamos semi-nuas pela casa, contamos-lhes coisas femininamente íntimas e, pior que tudo deixamos que nos vejam sem maquilhagem ou com os olhos borrados, ou a vomitar na sanita. Tudo porque aquele tipo não podia nunca na vidinha ser hétero. Too good to be true. Bem, alguns deles são mesmo demasiado bons para ser verdade. De modo que não deixemos que o nosso currículo de idiotas e filhos da puta nos deixe perder o tal que era hétero, apesar de não o parecer.
E desculpem lá se alguma destas coisas era politicamente incorrecta. Mas as coisas são mesmo assim.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

As coisas de que gostamos juntos


Um dia alguém que me era próximo disse-me que a mulher que dividisse vida com ele teria que gostar de praia e de ginásio, porque estes eram os seus interesses. O tipo era, basicamente, um idiota, mas dizia algumas coisas acertadas e esta era, à sua maneira básica e simplista, uma delas.
De facto, para duas pessoas é crucial que partilhem interesses e gostos. Não é necessário que sejam iguais, que concordem um tudo, que os seus gostos coincidam escrupulosamente. Há muito que se diz que os opostos se atraem. Mas pelos menos hão-de ter um leque de interesses em comum. Coisas de que os dois possam falar animadamente ao jantar, que os faça passar tempo juntos, procurar informações na net, conversar com outras pessoas. É preciso gostar juntos e passar tempo juntos a fazer juntos essas coisas de que gostam juntos.
Ora, eu até gosto de praia e de ginásio, mas isso não foi suficiente para nos manter lado a laso, o que comprova que os interesses em comum não são um remédio milagroso para aquilo que está destinado a não ser. Mas, por outra parte, é-me difícil conceber um duo que não consiga encontra pontos de intersecção, isto é, coisas que os façam vibrar a ambos. Se um passa os fins-de-semana a jazer jogging e montanhismo e o outro vai de manhã meditar e à noite a concertos de música clássica suponho que a convivência se resuma às compras de supermercado e aos jantares de família.
E a verdade é que, se olharmos para o lado, para os casais que fazem parte das nossas vidas, concluímos que se parecem muito um com outro. Esta é uma avaliação que se torna ainda mais evidente quando os conhecemos antes mesmo de se terem encontrado um ao outro, de modo que agora podemos assistir à sua “assimilação”. Usam roupas parecidas. Muitas vezes têm as mesmas opiniões e com os mesmíssimos argumentos. Ouvem a mesma música. Mas o mais curioso é que utilizam até as mesmas expressões. Gostam das mesmas coisas e irritam-se com as mesmas pessoas. Recordo-me do dia que uma das minhas amigas mais queridas deixou de beber o café com leite que tinha bebido ao longo de quase mais de 20 anos de vida. A razão? O namorado achava que fazia mal… e logo ali tive uma lição sobre os efeitos do dito no estômago humano.
Isto pode ser divertido, curioso, e por vezes até mesmo irritante. Mas é uma coisa que, suponho eu, não podemos evitar. Suponho também, e ainda com mais força, que nem sequer é de evitar. Este processo de semelhanciamento demonstra o interesse que temos pelo outro, que o admiramos e tomamos como modelo de conduta, e revela que nos vamos aproximando de forma a criar juntos uma coisa diferente do mero somatório de duas partes que permanecem separadas, cada uma dançando a sua música.
E nem sequer creio que isto revele alguma perda de individualidade, seja lá o que isso for. Pois certamente que a individualidade não consiste em permanecer exactamente o mesmo durante toda a existência, como uma Gabriela Cravo e Canela, que nasceu assim e vai ser sempre assim. Os indivíduos únicos e singulares mudam, crescem, tornam-se coisas diferentes, e nunca deixam ser eles mesmos.
O que se pode perguntar é se essas coisas diferentes que nos tornamos seriam outras distintas caso a nossa cara-metade não fosse o x e fosse o y. Certamente que sim. As pessoas que encontramos ao longo da vida condicionam muito daquilo que somos.
Eu não nasci a gostar de motos, de futebol, de ski, de aviões e de bacon frito. E não sei se vou continuar a gostar destas coisas caso (note-se que eu disse “caso” e não “quando”) um destes dias me veja de novo sozinha neste sofá. Provavelmente algumas dessas coisas deixarão de ter interesse para mim, e até se pode supor que outras me causarão mesmo repulsa. Mas ate lá vou aproveitar todas estas coisas de que gostamos juntos porque acredito que aquilo de gostamos juntos é o que juntos nos vai manter.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Desculpe, foi você que disse isto?


Todos nós opinamos. Provavelmente esta é até uma daquelas coisas que nos torna humanos. Enfim, não imagino um gato ou uma vaca a opinar, de modo que posso dizer que opino, logo, sou humano.
Todos nós opinamos sobre futebol, o tempo, a política. E sobre os outros. Sobretudo sobre os outros. E aqui intervém uma importante regra estatística: estou certa que em cerca de 99% das vezes as nossas opiniões sobre os outros são negativas, impiedosas, humilhantes e injustas. Não nos estou a apontar o dedo. Provavelmente não conseguimos evitar de agir assim exactamente pela nossa natureza pensante. Podemos tentar minorar esta tendência, sem dúvida que sim. Eu própria tenho tentado fazer esse exercício e recuar as minhas palavras (já que não posso recuar os meus pensamentos) quando sinto que passei a barreira da constatação de factos e já saltei para o lado da fantasia e da maldade. Nem sempre sou bem-sucedida, confesso, mas vejo este projecto como um objectivo de longo prazo e assim continuo a tentar domar os meus instintos assassinos no plano opinativo.
O problema está quando nos aproximamos de alguém sobre quem opinámos de forma tão violenta, e nos apercebemos que estávamos completamente errados, que afinal aquela é uma boa pessoa, e damos a mão à palmatória. Este foi um fenómeno que já experimentei algumas vezes. E então, mesmo correndo o risco de estragar o que já fazia pressentir ser uma boa amizade, senti-me compelida a confidenciar os meus pecados passados, o que tinha dito, o que não tinha dito, enfim, quis começar de novo.
Nunca fui tão ingénua a ponta de pensar que eu era a única opinadora de serviço. Sempre soube que eu também era opinada e, na verdade, sempre soube que o era muito. Mas entre o saber abstracto e o saber concreto vai uma grande distância, e quando essa distância desaparece há que decidir o que fazer e como enfrentar a situação.
Ou seja, e a pergunta é esta: o que fazer quando descobrimos que uma pessoa da qual nos começámos a aproximar, e a ter até alguma estima por ela, disse algum dia (ou alguns dias) coisas más, caluniosas e inverídicas?
Basicamente, as opções são três:
- Opção A: ignoramos e agimos como se nada fosse, tomando dito comportamento como um acidente de percurso, e pensado que certamente agora a alminha já estará terrivelmente arrependida das coisas que disse sobre nós;
-Opção B: cortamos qualquer ligação com a pessoa, convictos de que não pode fazer parte do nosso círculo de amigos;
-Opção C: confrontamos o sujeito/a sujeita com as suas palavras, pedindo-lhe contas do que disse e uma justificação para as ditas alegações.
Ora, o dilema é… isso mesmo, um dilema. À partida inclino-me para a opção C, que aliás tem sido a minha escolha em várias hipóteses destas. Sucedem, porém, que esta só é uma solução concretizável quando não temos pejo em deslindar a forma como tomámos conhecimento do dito incidente, o que nem sempre se verifica, porque muitas vezes sabemo-lo pelas palavras de alguém (e estou a assumir garantidamente que esse alguém é da máxima confiança e veracidade) que nos pede encarecidamente que não revelemos a sua identidade.
A hipótese A tem a seu favor uma ideia de perdão e de altruísmo, mas resta saber se é possível manter uma amizade quando o vinculo de confiança foi quebrado. Como podemos tomar um café com alguém na angústia de, quem sabe, o dito ir de seguida publicitar que fizemos, acontecemos e voltámos a acontecer?
Resta assim a hipótese B, provavelmente a mais pacífica das três, embora corramos assim o risco de destruir uma promissora e próspera amizade com base, quem sabe, numa coisa saída da boca para fora depois de copos a mais, sobretudo quando cai bem vangloriarmo-nos perante os amigos de coisas que nunca aconteceram e - vendo bem as coisas e tendo os pés na terra - nunca sequer poderiam ter feito.
A vida real é mais difícil que escrever posts. Porque na vida real as perguntas são bem mais complexas de resolver. O que é que é demasiado grave de dizer? Qual a margem de manobra que podemos conceder às pessoas? Até onde conseguimos lançar as coisas para trás das costas? O perdão tem um limite? E se abordarmos a pessoa e ela – o mais certo suceder na ordem lógica das probabilidades - nega a pés juntos ter dito o que disse?
Quão mais fácil seria se o célebre anúncio da Porto Ferreira substituísse o tal “Foi você que pediu um Porto Ferreira” por um “Foi você que disse isto”?

terça-feira, 3 de abril de 2012

O que acontece antes de morrer


Antes de morrer vive-se. E depois um dia tudo acaba e morre-se. Até aí tudo bem. Até aí eu aguento, e até alimento certa curiosidade pelo que vem depois. O que me inquieta é o vem imediatamente antes, e que pode durar one split second ou uma eternidade.
A dor. A solidão. A degradação. Isso é que me atormenta.
Se houvesse alguma fórmula magia de terminar tudo num instante, sem dores nem mágoas, então todos nós dias enfrentaríamos a morte mais serenamente. Mas essa é uma felicidade ao alcance de muito poucos.
Não deixa de ser paradoxal – quase ridículo – que a medicina tenha evoluído, e nos tenha oferecido tantos mais anos de longevidade, mas permaneça inútil face a doenças que degradam a nossa existência até ao ponto em que perguntamos se aquilo que temos é vida ou já é uma forma de não vida.
Pensar que um dia tivemos braços e pernas, nos levantámos sozinhos, falámos sem nos babar, pensar que um dia fomos assim e que hoje somos… o que somos. De certa forma mais vale que a primeira coisa a definhar em nós seja a mente e não o corpo, porque um espírito desperto num corpo que nos atraiçoa deve ser qualquer coisa de próximo a sentirmo-nos encarcerados.
Ao vermos aqueles que nos são mais queridos passar por esta provação enfrentamo-nos com os nossos piores medos. O medo de perder alguém, obviamente. E nessa medida queríamos que esta angústia perdurasse para além dos limites do tempo. Mas, também e sobretudo, o medo de o ver sofrer, de pensar aquilo que ele poderá estar a pensar. E não há nada tão lancinante como ouvir alguém dizer que a morte nunca mais chega. E aqui já só queremos que tudo termine. Qual é o limite da dor e do sofrimento para que alguém chegue a ansiar pelo que acontece depois? É isto um exame? Uma espécie de teste para ver quanto mais conseguimos aguentar? Qual a força com que defendemos as nossas convicções? Há um momento em que por muito que se tema o sofrimento que se seguirá só desejamos que tudo tenha um fim.
Não sei quando chegará a minha hora. Não a anseio nem a temo propriamente, excepto pela parte das coisas que terei que deixar para trás e que vou deixar por fazer. Dizem que vemos uma luz, um túnel com uma luz, e imagens daquilo que foi a nossa vida. Provavelmente pensamos nos erros que fizemos e nas desculpas que gostaríamos de ter pedido.
O tal famoso mistério do que vem a seguir não me angustia para nada, porque tenho para mim que será qualquer coisa de mais sereno do que o que temos hoje. Mas a forma como vai acontecer, o tempo que vai levar, a dor física que vou sentir, a preocupação por quem cá deixo, tudo isso me consome.
Pode ser que até lá inventem alguma pílula dourada que nos apresse o momento, que não nos deixe atormentar com nenhum desses pensamentos. Que o que venha mesmo antes da morte seja algum último suspiro de vida onde nem sequer pensávamos no que poderia vir a seguir.