sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Médicos do INEM, roupa interior e outras coisinhas mais


1.º nota – Doctors are hot! Nem era preciso vermos o George Clooney a curar criancinhas, nem o McDreamy e McSteamy à luta pela ruivinha, para chegarmos a esta conclusão. Não sei se é por salvarem vidas, se é pela bata branca e o estetoscópio, ou simplesmente porque conhecem com precisão cada ínfima partezinha do nosso corpo, mas o certo é que desde há muitas gerações que os médicos nos fazem suspirar bem mais do que os engenheiros ou os advogados.
2.º nota – Um dos grandes handicaps de não ter um homem na nossa vida é a perda de importância daquilo que se usa debaixo da roupa. Enfim, poderia dizer que me visto para ficar bonita para mim mas, mas eu acho que estou bonita de qualquer forma (se eu não gostar de mim…?). Eu quero é estar confortável. E pouco me importa se olho para baixo e vejo uma cueca gigante de cores berrantes. Tudo o que funcione melhor para me dobrar ao meio e me esticar no sofá é aprovado pela mestre-de-obras.
Intersecção entre ambas as notas: O que é que os médicos têm a ver com a minha roupa interior? Tudo, caríssimos e caríssimas. É que o meu desleixo só se aplica quando estou em casa, de tranças e óculos, arrastando-me entre o computador e os livros. Mal ponho o pé na rua a roupa interior passa a ser o prius da minha existência. É que pode não existir namorado para a apreciar condignamente e a arrancar devagarinho, mas há sempre a esperança de ser atropelada ou de cair na rua de ataque fulminante e aí… bem, aí, viriam os médicos do INEM. Confesso que nunca conheci nenhum, nem intimamente nem sequer socialmente, mas tenho esta fantasia (admito que pouco fundamentada) de que são todos uns giraços, altos e bem formadinhos e, o melhor de tudo, com dois dedos de testa. Afinal, os tipos conseguiram tirar o curso de medicina, não podem ser tontos de todo!
Ora, acontecendo uma felicidade destas (eu disse felicidade? Queria dizer infelicidade, desculpem o lapsus linguae), lá teriam os médicos que me arrancar a roupa (com um bocadinho de sorte arrancam-na com a boca) e, obviamente, preferia morrer ali mesmo a ser vista com o cuecão da avó e o soutien deslavado sem armação. Por isso, todas as vezes que saio do aconchego do lar, nem que seja para ir comprar pão ao fundo da rua, lá visto eu as minhas pequeninas calcinhas (detesto a palavra “cuecas”… coisa mais sem graça… por isso adoptei a terminologia brasileira), com lacinhos de ambos os lados, o soutien “empinante”, cheio de rendinhas e rococós e, se for caso disso, as meias de liga.
E a cada passo que dou anseio com todas as minhas forças: i) que a desgraça esteja comigo; ii) que alguém tenha o bom sendo de chamar o INEM quando tal finalmente aconteça; iii) que o médico seja lindo a ponto de ressuscitar mortos; iv) e que a situação obrigue a respiração boca a boca. Ah, claro, e que v) tenha que me despir. De pouco me vale andar com as melhores roupinhas intímas se não é para as mostrar. Mas se os amáveis doutores não acharem necessário privar-me das minhas vestes, sempre posso ter um ataque de espasmos que me faça rasgar a roupa. Seria um último recurso, mas não descarto a hipótese. Afinal, no amor, na guerra e na saúde vale tudo. Especialmente se estiver em causa um conjunto de lingerie e um médico que cure males do coração

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Os ex’s das nossas vidas


Os ex (ex-namorados, ex-maridos, ex-amantes) nunca desaparecem completamente da nossa vida, pois não?
Pode desaparecer o sentimento, podem sumir-se da nossa vista, pode aparecer um outro grande amor para ocupar o seu lugar, podemos mesmo querer esquecê-los a todo o custo, mas no fundo, bem lá no fundo, eles estão sempre por aqui.
Quase como uma pedra no sapato. No caso, uma pedra no coração, que pode chegar a ser tão dolorosa como uma pedra no rim.
Há sempre qualquer coisa que nos recorda dele. Pode ser um filme que vimos juntos, um presente que não deitámos fora, ou simplesmente amigos que tivemos em comum. Umas férias que passámos e que as fotografias teimam em nos recordar. Um número de telefone que subitamente salta de uma velha agenda esquecida. Ou pior, ainda, um e-mail que cai que nem uma bomba na nossa caixa do correio.
Reencontrar um ex pode ser uma experiência dolorosa, nostálgica, gratificante, apaixonante, desesperante ou mesmo irrelevante. Em boa verdade, mesmo quando irrelevante, nunca deixa de ter a sua relevância, que mais não seja o facto de alguém que para nós foi tão importante se ter tornado tão não-importante. De modo que também da sua insignificância se podem tirar consequências de relevo.
Qual seria o sentimento desejável ao encontrar um ex?
Gratidão pelo tempo que passámos juntos e pela felicidade que trouxe à nossa vida. Amizade que possa perdurar por força desses motivos. Mas também o sentimento de despreendimento, de deixar ir. Sobretudo é importante não haver arrependimento, excepto talvez por alguma situação em que tenhamos sido menos correctas. Mas nunca por ter terminado. Teve o seu tempo, mas terminou.
Não quer isto dizer que não haja neste mundo (onde há de tudo na verdade) homens e mulheres que um dia tenham dado de caras com um ex e só então percebido que aquele ou aquela era o amor da sua vida. Que se atirem de cabeça e que de facto aterram numa nova (e muitas vezes longa) história de amor. Acontece.
Também há quem veja OVNIS mas eu nunca vi nenhum. Não quer dizer que não acredite neles, mas sem dúvida que se um objecto voador pairasse na minha cabeça eu ficaria de pé atrás.
Tenho para mim que se as coisas não resultaram da primeira vez por algum motivo terá existido.
Bem sei que tudo muda na vida, muito especialmente as pessoas. As circunstâncias na altura eram outras. As pessoas eram diferentes há uns anos atrás, ou mesmo há uns meses atrás que fosse. Por isso consigo admitir a hipótese de aquilo que não resultou na altura poder agora resultar. Mas é uma mera hipótese, na realidade mais académica do que prática. Porque na prática o fracasso daquela última vez vai estar sempre presente, a pairar sobre os novos intentos que possam ver a luz do dia. Por conseguinte, a pressão será a dobrar. As recriminações também, pois às actuais recriminações juntar-se-ão as do passado. Em suma, se uma relação é, já de si, complicada, o seu remake é duplamente complicado.
Compreendo que por vezes seja difícil resistir aos encantos de um ex. Afinal numa certa perspectiva, é a mais segura das apostas. Já sabemos com o que podemos contar vindo dali. Há toda uma construção de intimidade e cumplicidade que não precisa mais de ser feita, porque basta ir buscar as antigas ao baú das recordações. Para efeitos de estatísticas não conta como um homem novo na nossa vida. Não conta como um dedo na lista que vamos com os dedos da mão quanto às pessoas com quem estivemos. Tão-pouco temos que nos esforçar por o encantar porque ele já conhece todos os nossos encantos. É a aposta segura e confortável. Como sair de ténis para o Bairro. Como o velho casaco de malha que usamos em casa.
O meu problema com os ex’s não é a ausência de descoberta. Porque esse é um problema para muita gente, nomeadamente, para aqueles a quem aquilo que os anima é a pica da sedução, o mistério, o admirável mundo novo de um novo namorado. Dispenso tudo isto porque para mim essa é a parte que dá dores de cabeça, de barriga e de alma. Eu quero a paz de um amor tranquilo. Sem jogos de sedução e sem sobressaltos dos primeiros dates.
Deste ponto de vista o ex é qualquer coisa de incrivelmente sedutor.
Mas, por outro lado, been there, done that.
Se não resultou na altura, com toda a minha ingenuidade e fé, muito menos irá resultar agora, que tenho tanto a apontar-lhe.
O facto é que até hoje nunca senti desejo de voltar para quem estava e deixou de estar. Não que a ideia não me tenha passado pela cabeça num repente. Mas os pensamentos são isso mesmo: repentes que não conseguimos controlar. Depois de o ter logo o afasto. Porque o meu sítio para guardar é um ex é mesmo no cantinho das boas recordações. Só isso e nada mais.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Piegas, feios, porcos e maus


Muito se tem dito acerca do povo português. Somos um povo de valentes, gente corajosa e aventureira, vaidosa e muito dada a aparência, péssimos gestores de dinheiro mas solidários e generosos, afáveis no acolhimento, saudosistas, com um perpétuo resquício de melancolia (será saudade) mas também dotados daquela animação, aquele sangue quente e aquele mar de emoções que marca os povos latinos.
Sobre tudo isto escreveram durante anos romancistas e poetas.
Pois bem, há poucos dias atrás eis que o nosso Primeiro nos descobriu outra peculiaridade. Pelos vistos somos piegas. Somos gente fraca, à qual apraz a lamúria e que se lamenta por tudo e por nada.
Ou seja, em nome da utilidade pública expropria-nos dos subsídios de Natal e de férias, mas ao contrário dos outros expropriados recebemos uma compensação diferente: em troca do nosso sacrifício sabemos que o resto da Europa muito valoriza o nosso esforço. Enfim, valoriza medianamente, vá lá. Porque a senhora Merkel lá vai dizendo que somos malta preguiçosa e pouco dada ao trabalho. Coisa que eu até acreditaria, porque tudo o que a senhora Merkel diz vem com aquela ar de solenidade da razão profunda do rigor alemão e de quem deve ter 245 especialistas a estudar cada vírgula do seu discurso. Mas vai-se a ver afinal a senhora Merkel enganou-se e nós até trabalhamos mais do que os alemães. Mas adiante, somos expropriados dos nossos subsídios, e lamentamo-nos. Vivemos em cima da ténue linha entre empego e desemprego, e lamentamo-nos. Temos uma greve a cada dia que passa, e lamentamo-nos. Trabalhamos quase todos a recibo verde, e lamentamo-nos. Nem nos tempos do antigamente se deverá ter passado tanta fome em Portugal, e lamentamo-nos. Os senhores dos bancos e os senhores da EDP (sobretudo a senhora da EDP) preparam-se para auferir um salário de nível pornográfico, e lamentamo-nos.
E enquanto escrevia este post na televisão passava uma peça televisiva sobre um casal bem velhinho, como os avós de toda a gente, que vive há 8 anos num contentor e agora até isso corre o risco de perder. Não quero culpar o governo, os vários governos que tivemos, de todas as misérias deste mundo, até porque parece que aquela em particular se deve a outras causas, mas o facto de a gestão deste país deixar estas coisas acontecer leva-me a pensar que alguma coisa corre muito mal nessa gestão. O jornalista fez à senhora uma daquelas perguntas inteligentes: se ela não estava irritada com tudo isto. E a senhora, perto dos seus 80 anos e a arrastar-se agarrada a uma bengala, disse-lhe que sim, claro, mas… que podia ela fazer? E queixou-se. Se o nosso Primeiro estivesse a ver isto em casa decerto sofreria outro rude golpe com a passividade daquela avozinha, que se limitava a lamentar a sua triste sina ao invés de pegar nas muletas e numa pá e construir ela própria outra casa para morar.
Uns piegas. Outra coisa não me ocorre. Razão tem o nosso Primeiro quando revela a profunda desilusão que lhe suscitamos.
Resta então perguntar: que é suposto que façamos? Que se espera desse homem novo que se ergue dos escombros da miséria?
Parece que uma saída airosa, e que muito aprazaria ao nosso Primeiro, é fazer as malas e contribuir para o PIB de outro país. Sempre se diminuía a percentagem de piegas a manchar a honra da Nação.
Mas parece que ainda não emigrámos em número suficiente de modo que há que explorar outras hipóteses. Um delas, bem viável, é que morramos todos de fome antes da paciência se terminar (note-se que não se trata aqui de nenhum jogo de palavras em alusão aos meus verdes) e com isto ficava o problema resolvido, uma espécie de eugenismo político e social para eliminar os piegas e os queixosos. Outra hipótese seria seguir o exemplo dos nossos colegas gregos e começar a partir isto tudo. Pedrada aos polícias, incêndios, violência brutal. É isto que se espera de nós? É que se é, esperem sentados. Afinal, nós fomos o povo que fez uma revolução sem disparar um único tiro.
Senhor Primeiro, seremos piegas, não o contesto. Gostamos mais de cravos do que de armas. Mas tenha uma coisa como certa: gostamos mais de nós e deste país do que de V. Exc. (mesmo quem em si votou), e pode ser que um dia, piegamente como nos é típico, lhe acenemos com um lenço branco.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Casamentos interessantes com pessoas desinteressantes


Corre por aí o mito de que há uma data de gente super-interessante que no fim do dia vai para casa ter com pessoas super-pouco-interessantes. Isto é um casamento. E pelos vistos a coisa funciona porque não alguns ainda não se divorciaram.
Ora, eu não percebo isto. Como é que alguém que se interessa por politica, história, viagens, literatura, enfim, todas essas coisas que tornam a vida mais suportável, consegue partilhar a existência com alguém que suscita o mesmo interesse que um frasco de Nutela vazio?
Note-se que não se trata de partilhar algumas horas do seu tempo com as ditas pessoas, de dividir um gabinete ou de ter um cacifo lado a lado no ginásio. Trata-se de casar. Partilhar os dias e as noites. Ter filhos. Tudo isto com amebas.
Confrontada com a falta de resposta para este algoritmo social sou forçada a concluir que as tais pessoas supostamente interessantes são, na verdade, tão vazias e tão ocas como as suas caras-metade.
Ou seja, é certo que os opostos se atraem (sabes bem não o podes negar, e um Martini convida a viver e blablabla), e por isso vemos o lutador de sumo com a modelo de 30kg e depois vemo-nos a mim, a super-Barbie, com um nerd anti-barbies que eu acho sexy e que me acha sexy a mim, and so on and so on. Mas até a atracção dos opostos se defronta com limites intransponíveis, uma espécie de fronteira entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul: uma pessoa que lê livros de verdade não se mistura com alguém cujo ponto alto de leitura é a Vogue, e só aquelas páginas com fotografias de roupa e no máximo 3 ou 4 palavras.
No meu ingénuo e platónico entendimento das coisas o QI continua a ser A barreira. Podemos viver com discussões, com falta de dinheiro, com milhentas coisas que tornam a vida a dois uma coisa complicada. Mas viver sem conversas? Sem ter alguém a quem contar o que se passou naquele dia no trabalho e que efectivamente compreende aquilo que queremos dizer?
Um amiguinho meu, mais iluminado do que eu certamente, garante-me que estes casamentos funcionam porque se fundam em valores supremos, mais supremos que o amor ou a camaradagem.
Ora, eu não sou tacanhamente romântica. Percebo bem que em certas famílias apenas certos casamentos sejam admissíveis. É óbvio que um desses cavalheiros jamais se poderia enroscar com uma plebeia como eu. Ou melhor, enroscar até poderia. Aliançar é que não. Como é que explicava ao tribunal familiar que eu não tinha um daqueles nomes tirados de uma árvore genealógica com mais de 500 anos, nem tinha estudado no liceu francês? Como justificaria as tatuagens, os piercings e, pior que isso, as opiniões? Não é que eu seja particularmente interessante. Há dezenas e dezenas de países onde nunca estive. Não sei falar alemão nem leio grego. Não conheço fórmulas químicas. Não sei pilotar um avião nem conduzir uma moto. É até bem provável que seja meio tonta. Mas pelo menos trabalho, pago as minhas contas, já li um ou dois livros na vida e até, pasme-se, por vezes vêm pessoas de longe para me ouvir falar.
Restam-me então duas hipóteses. Ou bem que o interesse de que desfrutam no seu círculo de amigos é mera aparência granjeada à força de uma ou duas poscas de pescada que atiram cá para fora depois de ver um daqueles programas da RTP2. Ou bem que de facto são interessantes e, por milagre das relações humanas, jantam, dormem e fazem a barba ao lado de seres mais limitados.
Ao que parece organizaram a sua vida para ser minimamente suportável, e quem sabe até feliz. Trabalham muito, chegam tarde a casa, brincam com os filhos, entretanto é hora de dormir, no outro dia assim e no outro assim também. Desde que cumpram algumas presenças oficiais em festas de família, e pelo menos 15 dias de férias com a prole e as esposazinhas, dispõem até de um calendário bastante livre onde podem conversar e discutir com alguém que lhes estimule outras necessidades para além da reputação ou da paz familiar. E isto é um casamento interessante com pessoas desinteressantes.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Cinderela pregando aos peixes


Se a Cinderela fosse o Padre António Vieira também pregaria aos peixes. Não para mostrar as desvirtudes humanas, ou para que tenha especial apreço ou especial desprezo pelos peixes (pelo contrário, gosto muito de um peixinho), mas porque muitas vezes entramos em conversas onde o nosso interlocutor está ao nível de um peixe que, como sabe, não é uma criatura especialmente inteligente. Excepto o golfinho, alegarão agora os peixes, o que bem demonstra o peixes que são, já que o golfinho é um mamífero.
É claro que nem todos os interlocutores têm necessariamente que estar ao nosso nível intelectual. Alguns são um bocadinho mais inteligentes que nós, outros um bocadinho menos inteligentes, e assim vamos passando os nossos dias, umas vezes aprendendo, outras ensinando.
Depois temos as não-conversas. As não-conversas são basicamente discussões de assuntos com peixes. Isto porque a pessoa do outro lado da conversa não faz a puta ideia do que se está ali a discutir e a certo ponto damos por nós a pensar: “que raio estou aqui a fazer?”.
Comecemos por esclarecer que sou uma das pessoas mais tolerantes que conheço no que respeita às opiniões. Irrita-me até à unha do pé gente que parte para uma conversa com o intuito de evangelizar. Isto porque não há coisa que mais aprecie do que um bom esgrimir de argumento. Pode dar-se o caso de no final da batalha argumentativa a outra parte acabar por me dar razão e lá fico eu feliz e contente. Ou então sou eu que lhe dou razão a ela, e fico ainda mais feliz e contente porque naquele dia adquiri uma nova perspectiva das coisas. Mas em regra a coisa termina com um “we agree in disagree” e cada um vai à sua vida ciente das suas convicções.
Assim é que eu, que acho que o embrião não é pessoa, tenho amigos que defendem acerrimamente que sim. Eu, que sou pelo amor entre as pessoas, qualquer que seja o sexo, porque não é o género dos cônjuges que faz um casamento, tenho amigos que acham que este é um negócio jurídico reservado a um homem e a uma mulher. Eu, que adoro sapatos, tenho amigos que detestam futilidades. Eu, que sou lagarta, tenho amigos lampiõeozinhos. E idem, idem.
O que quero dizer com isto é que estou habituada à discordância e à discussão. Não sou intransigente com aqueles que pensam de forma diferente. Muito pelo contrário, são aqueles que se situam no extremo oposto do meu leque de valores que mais coisas me ensinaram e já por diversas vezes me fizeram questionar muitas das ideias que tinha como assentes na minha cabeça.
Mas – e este é o tal MAS – esses outros têm que pensar. Recusou-me terminantemente a desperdiçar os meus argumentos com gente que atira umas larachas e lhes dá foros científicos. Que pretende impõe uma ideia mas sem se preocupar em justificá-la. E incomoda cada caracol meu os supostos salvadores da pátrias, os mensageiros divinos que clamam pelos direitos das criancinhas, dos embriõezinhos, das beatazinhas que vão à missa para dizer mal do senhor padre, das mocinhas virgens que se dedicam ao cybersex, dos paizinhos de família que batem na mulher e na amante. É que quem hasteia com tão vigor a bandeira da moral e dos bons costumes faz-me duvidar dos bons valores que marcham naquelas cabecinhas.
Dito isto, devo dizer que é sempre com grande moléstia intelectual que ouço certas vozes espalhar a sua infinita sapiência acerca da maternidade de substituição. E enquanto a ouvia falar daquela vil corja das pessoas inférteis que se aproveitam das coitadinhas das mães de substituição pensei para mim mesma que os canais televisivos deste mundo devem atirar à sorte quem vão convidar para debater as questões, porque só assim se explica a presença da dita num debate de tão suma importância. Caramba, como é que lhes dão tempo de antena quando há por aí tanta gente interessante para ouvir rebater as minhas ideias?
Note-se: defender a proibição absoluta da maternidade é uma posição perfeitamente legitima, tanto quanto a minha o é. E de certeza que existem bons argumentos para a sustentar, embora eu não veja quais. Simplesmente, de certeza que serão pregadores destes que me os irão explicar, porque quem compara a maternidade de substituição à escravatura e ao tráfico de pessoas nitidamente entrou num patamar de devaneio com o qual não posso pactuar. Quem me diz que os homossexuais não podem adoptar porque são todos uns tarados pedófilos que iriam abusa das criancinhas está para além de toda a discussão, de toda a troca de ideias, enfim, da intelectualidade tal como a conheço.
Para mim, que venho de uma escola de argumentação, de retórica, de debate de ideias, entrar neste tipo de argumentação é qualquer coisa de inconcebível. Mais depressa descaço eu os meus sapatinhos e vou pregar aos peixes. Certamente daria o meu tempo por mais bem empregue.