sábado, 31 de dezembro de 2011

As tartarugas também crescem


As tartarugas também crescem. Li há dias no jornal que é preocupante a situação das tartarugas que são compradas como mascotes de poucos centímetros e que acabam abandonadas porque os donos descobriam entretanto que a carapaçazinha se transformara numa carapaçazona de 50cm para a qual já não á aquário que chegue.
Isto pôs-me a pensar nessa ingénua crença humana de que as coisas perfeitas vão continuar perfeitas para sempre. Em boa verdade o que temos aqui são duas crenças, qual delas a mais ingénua. Primeiro, a de que existem coisas perfeitas. Segundo, a de que essas supostas perfeições se manterão ad eternum. Uma vez que sobre a primeira já divaguei que chegue para encher um manual de instruções vou debruçar-me sobre a segunda.
Não sei se fruto de um perpétua infantilidade ou de uma idiotice profunda, o certo é que o ser humano tende a acreditar piamente que para certos efeitos o tempo deixa de correr. Há quem compre um telefone porque é a última geração de telefones (como se estivessem à beira da extinção) sem pensar que dali a um dia e meio já vão ser o equivalente ao pai do mais novo telefone no terreno, e passado outro meio dia passará para a categoria de avô. Há quem arranje um namorado daqueles de capa de revista, com six pack à frente, rabiosque empinado atrás, 2 metros de homem cor de mel, sem sequer lhe passar pela cabeça que dali a uma década o Rodolfo Valentino vai estar meio careca e de dublo queixo.
Ora, quando isto acontece, e as pessoas se apercebem que a sua obra perfeita deixou de ser perfeita e acabou ultrapassada por perfeições mais perfeitas, a tendência é procurar um substituto.
Assim, os donos das tartarugas compram outra tartaruga ainda mais bebé, e se porventura descobrirem que os piolhos já se tornaram também mascotes eis que esta parece uma boa solução, porque os piolhos, porque muito que cresçam, nunca chegam aos tais 50cm, sob pena de termos seres mutantes a devorar a raça humana.
O dono do gadget deita para o lixo aquele velhinho telefone que de repente se tornou tão lento e tão desprovido de estilo, ou então ofereço-o a uma tia-avó da época da outra senhora, e que gosta de coisas da época da outra senhora. E logo se dirige a uma Appelstore em busca de um telefone que lhe indique a previsão meteorológica para todos os continentes, onde possa ver televisão e saber da bolsa e, se possível, lhe faça massagens nos ombros.
A dona do coração do to tal tipo alto e de muitíssimo bom aspecto, caracóis de anjo e sorriso de diabo, começa a sentir-se, primeiro incomodada e depois enojada, com os quilos a mais do dito, com as rugas que lhe começam a surgir no canto dos olhos, com a pança que o faz tombar para a frente. De repente ele já não parece tão alto, nem tão sedutor, nem sequer tão inteligente. A senhora começa a olhar pelo canto do olho para o rapazinho que todas as 6.º feiras encontra no ginásio, e pensa no bom que seria dormir aninhada nele em vez de ser obrigada a chegar-se para o cantinho da cama só para que o seu pé não toque no pé daquele homem de meia-idade que tem lá em casa.
Esta fixação com a perfeição, com último grito da moda, com os sapatos mais in, a amiga mais cool, o carro mais potente, a bebida mais diurética, é talvez qualquer coisa de intrínseco à espécie humana. Certamente haverá até alguma explicação freudiana para isso. Mas eu, que não sou Freud nenhum, não deixo de pasmar de cada vez que me deparo com esta ilusão naif do mais alto, do mais forte, do mais veloz e do mais bonito. Quantas vezes não foi também esta a minha ilusão….
Uma tola crença na infinidade, na intemporalidade, na utopia. Que não tem razão de ser se pensarmos que as tartarugas também crescem.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O país está a afundar. Mulheres e crianças primeiro


É oficial. O país está a afundar. Tal qual um transatlântico (mas daqueles pobrezinhos) embate num iceberg, também Portugalzinho embateu numa coisa, uma coisa que nem sabemos bem de onde nos chegou, nem como nem quando, mas que resulta de anos e anos de má gestão, corrupção, ganância, e todas as coisas más que infelizmente o povo português também tem.
Não foi coisa de um Governo. Sobretudo, não foi coisa do actual Governo, que mal teve tempo de aquecer o rabo nos assentos do poder. Mas nem sequer do anterior, que por deprimente e vergonhoso que tenha sido não consegue sozinho levar 10 milhões à ruina. Nem só do anterior. Nem apenas do outro antes. Foi sim uma amálgama de muitos governos, de muitos Primeiros, de muitos ministros, de muitos Ruis Pedros Soares, de muitos Paulos Penedos, de muita gente pequenina que por aí anda e na qual nós, grande parte de nós, foi suficientemente estúpido para votar e suficientemente fraco para não meter atrás das grades.
Mas vou desconsiderar por momentos de onde veio a crise para em vez disso ponderar para onde vai ela, e com ela todos nós. Ou seja, como é gerida e enfrentada.
Ora, para além de muitas tecnicidades económicas, políticas e financeiras para as quais não me sinto acreditada para comentar - até porque em todos os jornais e telejornais aparece gente mais sabedora do que eu a lançar a sua posta de pescada, desde economistas a politicólogos, passando pela oposição que, como sempre, discorda - a nota que eu retive do pensamento do nosso Primeiro é que a solução está em fazer as malinhas e sair.
De modo que vendam as casas (claro que não as podem vender porque como os actuais empréstimos bancários não há quem as compre) ou arrendem-nas (ou talvez não, já que na melhor das hipóteses o regime do arrendamento ainda vos vai ter que fazer esperar por 5 meses de rendas em atraso antes que os oportunistas que vivem disso sejam forçados a sair da vossa casinha e ir enganar outro), empacotem os bens (os que restaram) e ala que se faz tarde.
Ora, não é a primeira vez que o nosso Primeiro sugere a emigração como solução de todos os males. Os seus defensores mais acérrimos dizem-me que tal proposta demonstra lucidez e honestidade, o que faz dele um grande Homem. Vai daí, eu que até sou de direita, decidi transformar-me em politicóloga de bancada (pelos vistos hoje qualquer um o pode ser) e fazer alguns considerandos.
Considerando sobre a lucidez: a sagacidade política do nosso primeiro desperta-me dúvidas várias porque a verdade é que se todos montarmos arraiais do outro lado do mundo quem é que fica aqui na Parvolândia a pagar impostos e a sustentar a dívida? Mais, se todos formos embora quem resta para reconstruir o país? Os velhos e os mancos? É que não se espere que nos lançamos na aventura de construir uma nova vida fora daqui para cair no esforço inglório de depois de conseguirmos uma casa decente, um carro simpático e um emprego bem pago deixamos tudo isto pelo chamamento da Pátria. O país vai ficar mais pobre de recursos humanos, de bons cérebros, de mão-de-obra altamente qualificada que sairá para não mais regressar.
Considerando sobre a honestidade: também me foi dito que todos sabemos que esta é a única saída, e que o Primeiro seria mentiroso se nos desse falsas esperanças. Bem, não seria a primeira vez que apregoaria as tais falsas esperanças. Afinal, não foi propriamente honesto quando hasteou a bandeira do limite do sacrifício para ganhar eleições, mas agora que se sentou o trono esqueceu o tal limite. É claro que não lhe é permitido, muito menos exigido, que minta. Mas é-lhe permitido, e mesmo exigido, que nos incentive, que nos anime. Sim, o Primeiro-ministro tem que ser um treinador. Não pode ser a velha amarga e pessimista que incentiva a desistir e a baixar os braços. Tem que ser o Mourinho deste jogo.
Outro argumento muito caro a quem lhe perdoa estes infelizes discursos apela a uma ideia que sempre tenho defendido: o Estado deve ser menos, deve deixar de intervir na economia e remeter para os privados a resolução de muitas questões, cabendo-lhe apenas ser o regulamentador e fiscalizador. Para ser congruente com esta ideia de economia liberal diríamos que nós, os que temos empregos, não temos qualquer obrigação de sustentar os outros, os que não têm empregos. Logo, aqueles que o não têm arranjem-nos, aqui ou ali, ou mesmo acolá. Mas porquê é que eles não têm e eu tenho? Serei eu porventura mais inteligente, mais competente ou mais diligente que todos aqueles que neste momento não têm salário? Provavelmente serei mais inteligente, competente e diligente do que muitos deles, mas não de todos. Seria de muita presunção minha pensar que isto que tenho se deve unicamente ao meu mérito e que todos os outros são um bando de idiotas e preguiçosos. Há muito de sorte, de infelicidade e de cunha na divisão empregado/desempragado, de modo que onde eles estão agora posso estar eu amanhã. Tão-pouco percebo que o Estado se demita da função de olhar por aqueles que neste momento não têm nada, como se este fosse um problema da sociedade civil, mas depois nos peça a nós, a tal sociedade civil, que paguemos a dívida que ele, o Estado, angariou. Porque a dívida não é do meu vizinho de baixo, desempregado, com 3 filhos e sem seguro de saúde. A dívida é do senhor Estado. E se o senhor Estado não ajuda o meu vizinho, pois eu não quero ajudar o senhor Estado. Não quero pagar impostos como se vivesse na Dinamarca e ver os meus compatriotas a viver como num país de 3.º mundo.
Dito isto devo dizer que a ideia de sair daqui a mim me seduz muito. Já se sabe que eu sou um saltimbanco genético, sempre à espera do próximo voo. Mas eu sou uma privilegiada. Não tenho filhos nem outras amarras neste país para além dos meus papás, que de mim já não esperam muito neste campo. Sou mão-de-obra altamente qualificada, de modo que não me seria terrivelmente complicado encontrar emprego. Falo várias línguas. Vivi vários anos fora. Não tenho encargos económicos que aqui fiquem pendentes. Posso sair quando me der na realíssima gana. Apenas me prende um emprego que me satisfaz plenamente, a consciência de que vivo uma vida que é, apesar de tudo, bastante confortável, e os ditos papás. Mas se eu tivessem filhos, uma casa para pagar, familiares idosos ou doentes que dependessem de mim, a escolaridade básica, e um enorme temor pelo desconhecido que nunca pensei sequer em conhecer… que faria? Será que me seria exigível sair daqui nestas condições?
Este nosso Titanic está a afundar e como de costume não há botes suficientes. Em boa verdade creio que aqueles de nós que sabem nadar se devem atirar ao mar bravio e fazer pela vida num outro barco qualquer. Mas eu posso dizer isto porque não votaram em mim para Primeiro. Porque se tivessem votado teria mais cuidado antes de vos pedir que se atirassem borda fora.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Fica bem. Mas não bem assim.


Embora sejamos todos pessoas diferentes, ainda assim creio que é possível traçar um itinerário emocional pelo qual todos passemos exactamente nos mesmos momentos. Algumas de nós podemos suprimir ou um outro estádio, trocar-lhes a ordem (primeiro a revolta e depois a saudade, ou vice-versa) ou sentir as coisas ou bocadinho mais acima ou um bocadinho mais abaixo. Mas de um modo geral o percurso é este:
- “Não acredito que isto aconteceu!” – a surpresa. Porque mesmo já se sabe que vai acontecer… é sempre uma surpresa quando acontece.
- “Como é que este filho da puta se atreve a fazer-me isto?” – a revolta. O desespero mistura-se com a raiva, e mesmo com o ódio e a repulsa. Presentes são destruídos e inexplicavelmente muita coisa aprece partida lá em casa.
- “A culpa foi minha. Não fui suficientemente boa” – a autodestruição. A minimização da pessoa fantástica que somos e a sobrevalorização de um tipo que nos partiu o coração.
- “Não acredito que isto me aconteceu a mim” – a auto-comiseração. Dias em casa a chorar, 5kg a menos. O mundo, tal como o conhecemos, acabou ali.
Mas eis que a Fénix renasce das cinzas. Pode ser um convite para jantar, o ombro de uma amiga, um novo projecto profissional, ou até um vestido que experimentámos e nos fica especialmente bem. Os mortos não voltam à vida, mas as pessoas de coração despedaçado sim.
Partindo do pressuposto que somos pessoas mentalmente equilibradas e que os eles e as elas, apesar de não se terem portado no seu melhor, são ainda assim pessoas medianamente decentes, eventualmente acabamos a desejar-lhes uma boa vida. Não lhe queremos mal, que morra infeliz, doente e sozinho, na miséria, com dor de dentes e diarreia. Não. Afinal, aquela pessoa fez parte da nossa vida, fez-nos feliz durante esse período, de modo que lhe desejamos prosperidade, amor e saúde.
Mas… não tanta felicidade quanto a que nos calhe a nós. Apesar de tudo temos que ser nós os mais bonitos, os mais magros, os mais bem-sucedidos, os que temos os filhos mas bonitos, os mais desejados. Especialmente, temos que ser nós os mais amados.
Racionalmente sabemos que sua felicidade actual não significa necessariamente uma infelicidade passada ao nosso lado. Muito menos que tal se deva a alguma coisa que o presente someone tem e que nós, o past someone, não tínhamos. Mas aquilo que o cérebro sabe muitas vezes não chega para nos apaziguar, e continuamos a atormentar-mo-nos com a ideia de que não fomos o suficientemente. Simplesmente, não fomos o suficiente.
Isto já nada a ver com as réstias de sentimento que permanecem – porque permanecem sempre, ainda que de forma diferente do quando éramos um “nós” – nem com supostas paixões que permaneçam. É antes uma espécie de tola competição para ver quem sobrevive melhor, quem encontra o maior amor, quem sai por cima. Como se nestas coisas de amores e desamores houvesse vencedores e vencidos.
Será que isto nos torna pessoas mesquinhas e pequeninas? Talvez. Mas somos humanos, e os seres humanos são, entre outras coisas, mesquinhos e pequeninos. Além disso, os nossos desejos não são despojados de alguma grandeza. Não lhe desejamos mal, não nutrimos ressentimento, não o caluniamos, recordamos os momentos juntos com carinhos. Mas se há coisa de que não conseguimos abrir mão é do sentimento que nós somos melhores e merecemos melhor.
De modo que estou em crer que a verdadeira epifania… talvez não seja exactamente isso, de modo que vou reformular: a verdadeira afirmação de nós mesmos como a pessoa que desejaríamos ser acontecerá no dia em que desejemos a esse alguém o mesmo, ou mais até, do que aquilo que queremos para nós.

sábado, 17 de dezembro de 2011

QUANDO O AMOR SE MEDE AOS QUILÓMETROS


As relações humanas são complicadas. Quando entre os meus ventrículos e os dele se intrometem centenas, por vezes milhares, de quilómetros, esta complicação torna-se um verdadeiro enigma de física quântica. Como é que se mantém a chama de uma relação à distância?
Convenhamos que a questão não é nova. Os nossos avós e os nossos pais já se depararam com estes dilemas, com a pequena agravante de existirem muitas vezes guerras pelo meio. Já nem falo dos nossos mais longínquos antepassados, que deixaram donzelas debruçadas de janelas de torres para ir por aí matar dragões (ou mouros, o que estivesse mais a jeito).
Claro que hoje em dia a questão está simplificada pela existência de comboios rápidos, viagens aéreas a preços low-cost, telefones, internet e Pc’s com webcam. Se assim é, porque é que eu não conheço nenhuma relação à distância que tenha desembocado num final feliz?
Comecemos pelas minhas, que já sou perita no assunto. O primeiro amor da minha vida era polaco, lindo e alto, espirituoso e… morador em Varsóvia. Durou 5 meses. E assim se inaugurou um longo rol de relações internacionais, desde brasileiros a angolanos, passando por um libanês. Todos os finais foram dramáticos e dolorosos. I should have known better…
Quando o amor se mede à distância, entre continentes ou entre países, ou mesmo entre cidades, temos que nos convencer, antes de mais nada, que estamos sozinhos. Tudo aquilo que os outros fazem a dois, nós teremos que fazer a um.
Nos jantares românticos somos nós e o sofá, eventualmente deixando que a televisão se junte quando estamos numa onda de ménage.
As noites frias, à falta de quem nos aqueça os pés na cama, são suportadas à custa de sacos de água quentes, soterradas em cobertores e lençóis térmicos.
Fins de semana na praia? Enfim, se formos sozinhas não corremos o risco de nos deitarem areia para cima, e lá se haverá de descobrir uma forma de espalhar bronzeador na parte traseira.
Saídas de sábado à noite? Temos a hipótese de saídas com as meninas, e lá vamos nós com a famosa seta luminosa a pairar sob as nossas cabeças, anunciando à rapaziada que o mulherio anda à solta, o que é particularmente embaraçoso quando as amiguinhas andam em busca de companhia masculina, porque então se torna difícil explicar aos candidatos a “companhia” que elas têm de facto luz verde na testa mas que a nossa está vermelha…como as casas de banho do comboio quando estão ocupadas. Saídas com casalinhos? Cortem-me já os pulsos. Resta aquele núcleo indefinido de meninos que oscilam entre os conhecidos e os quero-ser-mais-que amigo. O desejável é evitar os convites que daí venham. Mas a verdade é que passar as noites em casa à espera de um telefonema ou um beijinho na net pode arruinar a nossa sanidade mental. Por isso lá vem o dia em que cedemos, e aceitamos o tal simpático (e completamente inocente e despretensioso) convite para jantar, que na maior parte dos casos termina connosco a bater a porta do carro e uma voz masculina a gritar lá de dentro: “Mas ele nunca iria saber…”
Sim, é difícil manter um amor que se mede em quilómetros. Força de vontade, perseverança, firmeza, lealdade, honestidade, capacidade de aguentar infinitas horas de solidão, paciência, esperança em dias melhores, tudo isso se espera de nós. Falo, em suma, de super-mulheres. E de super-homens, porque acredito que tudo isto se aplica a eles também. Vale a pena? Não sei ao certo. Acredito que sim. Tenho fé que sim. Não sendo eu católica, e tendo que ter fé em alguma coisa, que seja na vitória do amor (já estão a vomitar? É que eu estou quase).
Até porque nada bate aquele momento em que entramos no comboio, a contar cada segundo que falta, com o coração a bater, tirando o espelhinho da mala de minuto a minuto para ver se estamos bem, na ânsia de transformar todos aqueles quilómetros em centímetros de distância.

domingo, 11 de dezembro de 2011

A minha traição é melhor do que a tua


“Mas como é que ela sabe?”
“Ele disse-lhe. Foi ele que lhe disse na cara”.
“A sério?”
“Sim. Disse-lhe que não estava preparado para nada sério. O que procurava era uma amiga… uma amiga colorida”
“E como é que ela reagiu?”
“Ela já desconfiava. Afinal, que se há-de esperar de um homem que tem escrito no Facebook que quer conhecer mulheres?”
“E como reagiu ela?”
“Não reagiu mal. Respondeu-lhe que ele tinha que decidir o que queria porque ela tinha outra pessoa”.
“Mas tem?”
“Achas? Não tem nada. Disse-lhe isto para o espicaçar. E parece que ele ficou transtornado. Perguntou-se se era mesmo verdade, que não estava nada à espera disso… Enfim, ela disse-lhe que tinha outra pessoa na vida dela e que assim iria continuar, a não ser que ele quisesse outro tipo de relação”.
Nesse momento tive que sair do autocarro e não consegui saber mais nada desta relação desengonçada (só para rimar). Mas mal pisei a calçada com o meu sapatinho (não me recordo exactamente de qual, mas certamente era fantástico) pus-me a pensar o quanto as relações tinham evoluído nos últimos anos.
Tempos houve em que as pessoas mentiam para encobrir amantes e casos extra-relacionais. Hoje em dias as pessoas mentem para criar amantes e casos extra-relacionais.
Ora, quando é que ser infiel se tornou um requisito para uma relação bem-sucedida? Quando é que a promiscuidade se tornou um atributo bem cotada na bolsa de valores das relações amorosas?
Subitamente damos por nós a inventar jantares para os quais não fomos convidadas, telefonemas que não fizemos e quecas que nem pensamos em dar, só para ser mais… Mais quê? Mais interessantes? Mais apetecíveis? Mais sedutoras? Basicamente, um “melhor partido”. É como se não o facto de não flirtamos (ou sexamos, diria mesmo) com outras pessoas para além daquela com quem mantemos uma relação (mais ou menos) estável nos tornasse, de alguma forma, aborrecidas e pouco interessantes. Um coirão. As miúdas que ninguém quer. É certo que bem pode suceder que isso aconteça porque, simplesmente, não estamos interessados noutra pessoa. Mas isso seria um atestado de estupidez e de falta de sex appeal…não?
Hoje em dia, mais do que ter pessoas interessadas em nós para nos encher o ego, é preciso demonstrar publicamente que existem pessoas interessadas. Mesmo que não existam. É indiferente. Ao contrário da mulher de César não basta sê-lo, há que parecê-lo.
De modo que se não existem, inventem-nas. Criem contactos com números inexistentes e atribuam-lhe um nome que pareça terrivelmente interessante e sexualmente potente. Enviem a si próprias rosas vermelhas com um cartão escaldante, para serem recebidas na frente de muita gente mas, especialmente, na frente da “pessoa”. Recusem convites alegando hipotéticos jantares, saídas, fins-de-semana, ou qualquer coisa que vos torne mais apetecíveis. A imaginação não tem fim. E a loucura também não….
Porque é de loucura que falamos quando acreditamos que alguém vai gostar mais de nós porque se sente atraiçoado e magoado. Infelizmente, não é uma loucura da nossa cabeça, mas deste mundo em que vivemos, onde se implantou a ideia de que as pessoas mais interessantes são aquelas mais assediadas e – eis agora o grande salto filosófico – as que mais cedem aos assédios.
As pessoas já não se juntam para serem fiéis uma à outra, mas para se atraiçoarem mutuamente. Depois do tempo dos galanteios chegou o tempo das mágoas e das traições. De modo que já não há motivo para esconder facadinhas matrimoniais. Revelem-nas abertamente ao mundo. E se porventura não vos apetecer estar com mais ninguém… inventem-nas. A este estado chegámos!
Nunca pensei dizer isto, mas tenho saudades do antigamente….
Tenho saudades o tempo em que teria que inventar a suposta homossexualidade de algum cavalheiro bem-parecido com quem fosse apanhada a beber em copo. Agora a saída mais airosa para mim é debitar os vários encontros românticos que eu e o tal cavalheiro já tivemos. Caso contrário sou uma falhada. Ou, pior que isso, uma monogâmica.
De modo que se alguém perguntar onde estive nos últimos dez minutos façam o favor de não contar que os passei aqui sozinha, sentada no sofá a escrever. Peço-vos encarecidamente que espalhem aos quatro ventos que tive um jantar à luz das velas com um tipo alto, forte e espadaúdo que me convidou a ir passar com ele um fim-de-semana em Paris.

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

O cuecão


Ah, o cuecão. Essa instituição centenar, que acompanhou as nossas trisavós, bisavós, avós, mães e, com algum horror meu, constato que algumas de nós. Ora, eu já tive oportunidade de manifestar a minha mais veemente repulsa por roupa interior que funcione como turn off, mas como este meu bom povo teima em não me dar ouvidos sinto-me coagida a tecer mais algumas considerações sobre o tema.
Eu sou, essencialmente, uma observadora. Posso passar horas a observar pessoas e a ouvir as suas conversas. Há quem me chame coscuvilheira, mas eu prefiro observadora.
Pois bem, estava eu a observar a família que tomava o seu brunch junto a mim, composta pela santíssima trindade de pai, mãe e filho, quando subitamente a mãe se se levanta da cadeira e eu vi. Basicamente o mundo inteiro viu. O famigerado cuecão.
Quero frisar que não falo de uma daquelas mães matrafonas de 50 e tal anos. Falo de uma mãe quiçá (ao tempo que queria utilizar esta!) mais jovem do que eu, ou se preferirem, menos velha do que eu. Ou seja, uma matrafona novinha. Mas desleixada.
Bem sei que não tenho propriamente legitimidade para criticar a forma como se cuidam as mulheres que têm filhos. Adivinho que as prioridades hão-de ser outras, e que entre pintar os lábios ou mudar de fraldas cheias de cocós estas últimas levem a dianteira. Mas a verdade é que eu estou mal habituada. É que fui parida por uma mãe que sempre foi gira, super-gira, e que ainda hoje é uma giraça. E estou rodeada de amigas que depois de ter os seus rebentos continuam a competir comigo (e dar-me grandes abadas, diga-se já) no capo da giracidade. De modo que estou habituada a mães giras. Compreendo que haja coisas difíceis de combater. O corpo mudou, o tempo para o ginásio escasseia, e por muito se corra a lei da gravidade, os pneuzinhos e as estrias são inimigos invencíveis. Mas podem continuar a ir ao cabeleireiro de vez em quanto, a cobrir a raiz (que isto de usar raiz à mostra do mundo só ficaria bem a uma Shakira loira de raiz escura… e nem mesmo a ela, convenhamos), a usar roupa apropriada para o corpo, a passar um blush ou um rimmel. Caramba, a basiquice do básico.
De modo que não se compreende que uma mamã jovem, e com um marido/companheiro/namorado/amigo colorido medianamente bem-parecido se atreva a usar um modelo de calças que levam a pensar que quem usa ali a fralda é ela e não filho. Muito menos se compreende que se atreva a sair à rua nestes preparos. E muito menos ainda que as calças que escorregam pelo rabo abaixo deixem antever o tristemente célebre cuecão, assim me dando a mim uma terrorífica imagem que me acompanhará em todas as noites de insónia.
Miúda, vê se te compões. Passa na Women’ Secret e compra uma cuequinha nova. Não tem que ser minúscula. Pode até ter cintura subida, ou mesmo uns boxers femininos. Nem toda a gente se sente confortável com um fiozinho a roçar-lhe o rabiosque. Mas, pelo amor da Santa, nada de usar cuecas que parecem ter sido usadas pela avó, tecido e mais tecido em camadas a imitar uma fralda, elásticos a ceder por todos os lados e muitas vezes um ou outro buraco a perfurar qualquer réstia de dignidade que sobeje à mulher com cuecão. Ah, and by the way, aquela cor de casquinha de ovo pode ficar bem na parede da sala, mas em cueca gigante não. Nem essa nem outra.
Não quero exagerar demais o meu tom surpreso ao ver a mãe de família atrelada ao seu cuecão. Não foi de todo a primeira vez que fui submetida a tamanha tortura visual. Quem muda de roupa em balneários públicos já por diversas vezes terá sido vítima de uma tal traumatizante experiência. Eu, pela minha parte, tenho a minha cota de cuecões, soutiens que deixas as ninas quase a bater nos joelhos e outras pérolas que tais. O cuecão ganha de longe este campeonato de mau-gosto. Ver a coleguinha de cacifo a baixa as calças e colocar perante os meus olhos limpos e puros o cuecão é uma visão que me agonia o almoço e me deixa três pensamentos. Primero, o turn off que aquele pobre companheiro sexual não sofre de cada vez que ela se digna a não ter dor de cabeça. O equivalente masculino seria uma de nós ver o tipo a despedir-se deixando antever um slip leopardo. So, I rest my case… Segundo, a humilhação que sinto como membro da espécie feminina perante tal cena lamentável. Terceiro, não deixo de reconhecer o seu importante efeito anticoncepcional (é que depois disto não há homem que consiga estar, digamos, à altura) e nesta época de crise qualquer método alternativo que permita poupar nos métodos contraceptivos comprados na farmácia é uma solução pensável.
Depois disto não me venham a dizer que usar roupa interior bonita e sexy é desejo de mulher oprimida, que é objecto sexual e todas essas coisas que algumas feministas gostam de apregoar para justificar o buço que lhes adorna a cara. Cuecão não é coisa de mulher emancipada. É antes coisa de mulher desleixada.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

E no 7.º dia Deus criou o iPhone


No início era o verbo. Perdão, era o iPhone.
Esqueçam tudo o que já ouviram acerca da Criação. Os montes e os vales, as avezinhas, Adão e Eva, tudo. Basicamente, a história inteira resume-se ao iPhone.
Eu nem sou dada a gadgets. Rectifico: eu não sou nada dada a gadgets. É com humilhação que reconheço que nunca fiz qualquer tipo de ligação dos aparelhómetros na minha casa. E faço perguntas tão imensamente tontas aos técnicos destas coisas que acabo sempre a conversa fazendo-os prometer que não relatam a ninguém as perguntas que lhes fiz. Basicamente, sou aquilo a que se chama uma ignorante informática, que nunca faz outra coisa com o BlackBerry senão mesmo chamar por telefone. Ah, e ainda não estou certa de saber a diferença entre um Gigabyte e um Megabyte.
Por todos estes motivos eu seria a última pessoa do mundo a converter-me à Iphonia. Chegue até a revirar os olhos um par de vezes perante os relatos extasiados dos iPhonautas, embora confesse ter baixado um pouco a guarda no dia em que um amigo me mostrou a aplicação do ratinho que ronroneia quando lhe mexem na pancinha. Mas depois do encanto momentâneo perante tal maravilha da técnica da Apple, passado um par de horas ali estava eu, firme e hirta na minha convicção de pessoa que só usa o telemóvel para ligar. E ligar a números previamente registados manualmente pelas minhas próprias mãozinhas (já o fato de ter uma agenda telefónica aparece no meu caso como um grande incremente tecnológico).
Mas o meu ateísmo teve pavio curto, e bastou que me acenassem com uma maquineta destas 50 euros mais barata e lá vou eu, a abanar a caudinha para pegar no meu primeiro iPhone.
Qual a sensação? De absorção. Mas ao contrário.
Aqueles primeiros minutos oscilaram entre o êxtase e o sentido de ridículo. Na verdade não sabia de devia dar pulos de alegria com o meu novo amiguinho aos pulinhos na bolsa, ou se me devia esconder por baixo das minhas frágeis convicção de quem se vende por um iPhone.
Agora já sei o que fazer. Vou sentar-me aqui a instalar tantas aplicações quantas estes bichinho aguente.
Tenho o bendito há um par de dias e já nem sei como sobrevivi 3 décadas e meia sem ele. Como raio pude eu algum dia escolher um restaurante que não me tenha sido indicado pelo Appetite? E como pude andar de metro sem saber o horário de cada linha? E saber onde estava sem o meu GPS de localização?
Como poderia eu alguma vez desempenhar bem o meu trabalho quando havia um ou outro minuto em que não estava contactável? Agora, ai que maravilha, posso ler cada e-mail profissional logo que cai na minha caixa de correio e deixo de ter desculpas tontas para não responde imediatamente. Acabaram-se as invocações de que estava de férias ou no hospital. Até a meio do soninho posso agora acordar só para me certificar que o mundo continua de pé mesmo sem a minha vigilância constante.
Mas, o mais importante de tudo, é que o iPhone, como qualquer engenhoca que se preze, colmata qualquer tipo de carência afectiva que uma babe possa ter. Porque nunca há-de aparecer tipo algum que diga que nos ama com tanta sinceridade e com tanto carinho como um entrunfe que faz eco das nossas auto-declarações de amor. Nem que se delicie tanto com os nossos mimos como um gatinho bom que ronronea quando lhe tocamos na barriga pelo touchscreen.
Acabaram as noites sozinhas em casa. A partir de agora vou ter um rectângulozinho com um canto de revistas que nunca pensei em ler, cheio de informações uteis e inúteis e que a todo o momento me mantém ligada a todas as redes sociais existentes no mundo, inclusivamente sites de amizade do Cazaquistão.
Assim, esta noite vou adormecer bem agarradinha ao meu iPhone, e estou certa que ele me vai dar um abracinho também.