sexta-feira, 26 de agosto de 2011

E assim acontece


Aqueles de vós que nasceram aproximadamente na mesma época que eu habituaram-se a terminar muitas das vossas conversas com o mítico “E assim acontece”.
Talvez por isso muitos se tenham acomodado à idade que a vida é uma coisa que acontece. Não uma realidade que se decide, se constrói, se faz, mas um amontoado de acontecimentos que vão tendo lugar mais ou menos à revelia do nosso poder de decisão.
Para quê fazer planos? As coisas nunca acontecem como as planeámos.
Para quê tomar comprometer-nos? Depois não podemos cumprir o que ficara decidido, e ainda temos que acarretar com as consequências negativas das decisões que tomámos.
Para quê tomar decisões? Sobre quem decide recai sobre a responsabilidade por ter decidido e acaba por ser chamado a prestar contas… como fazem as pessoas crescidas.
Face a isto, mais vale sentarmo-nos no sofá, ligar a televisão e beber uma bjecas, e deixar que a vida nos vá acontecendo. Assim não nos comprometemos com nada, não somos responsabilizados por decisão alguma que tenhamos tornado, e a vida torna-se bastante mais simples de viver.
Pois é. Não sei é se a estamos a vivê-la ou se deixamos que ela nos viva a nós, como assistentes passivos de um filmes no qual não somos actores, mas público. Ora, não pode existir nada pior do que deixar de sentir as rédeas da vida nas nossas mãos.
Sou frequentemente acusada de intempestiva, precipitada, impaciente. É verdade. Mea culpa. Prefiro tomar uma má decisão (e sabe Deus, Alá ou o que seja, que já tenho a minha quota de decisões erradas e mesmo muito erradas) do que não tomar nenhuma. É-me absolutamente insuportável pensar que a minha vida está a decorrer ali ao meu lado sem que possa participar activamente nela. De modo que digo com orgulho, muito orgulho mesmo, que nenhum dos enormes desaires que foi acontecendo ao longo dos anos se deveu um azar, a um infortúnio, a uma infeliz coincidência. Toda e qualquer asneira que fiz resultou de - péssimas, bem sei – decisões minhas. O reverso da medalha é que não tenho nada nem ninguém a quem culpar. Nem sequer as forças cósmicas, únicas às quais poderia assacar qualquer responsabilidade, afastada que está a existência divina da minha existência terrena.
Dito isto, penso que se compreenda minha impaciência, e alguma censura, face a quem é incapaz de decidir. Bem sei que provavelmente deveria ser mais compreensiva, mesmo paternalista. Quem sabe se não deveria até dar à mão à palmatória e dar por concluído que a sensatez é mais amiga da reflexão do que a precipitação, e que provavelmente esses pobres coitados que pensam e repensar antes de expirar e inspirar tomam decisões bem mais felizes para as suas vidinhas.
Mas eu saltito na cadeira quando a pessoa do outro lado da mesa não se decide se quer o salmão ou o pato. Não resisto a um comentário mordaz face a amigas que experimentam todos os sapatos e não final ficam na dúvida. E, sobretudo, não aguento gente incapaz de assumir um compromisso porque, pura e simplesmente… não sabe se o quer.
Não é o que não o queiram. Caso contrário já teriam saltado do romance há muitas luas atrás. Não é que o queiram. Caso contrário já se teriam ajoelhado e feito o pedido pelo menos na semana passada. É que não sabem. E com isto nem nos agarram de forma suficientemente forte para sejamos incapazes de partir nem tão-pouco nos deixam ir. Assim vivemos numa espécie de limbo existencial. Um purgatório amoroso para aqueles que tiveram a desgraça de se apaixonar com graça por um acontecedor (entenda-se, alguém que deixa as coisas acontecer).
E assim acontece. E quando não acontece deveria ter acontecido. Caso contrário, nunca mais acontecerá.

sábado, 20 de agosto de 2011

Não sou eu, és tu


Não és tu sou eu. Quantas vezes já utilizámos esta deixa? Algures perdida entre a educação, a gentileza – e, porque não confessá-lo, algum paternalismo – vêm-nos imediatamente à boca logo que percebemos que cometemos um grande disparate. É curioso como podemos ser brilhantes naquilo que fazemos para ganhar dinheiro e desastrosos naquilo que fazemos para ganhar amor. Por isso, de quando em vez (adorooooo!!!!!!!) começamos uma coisa que nunca deveríamos ter começado, e criamos - em nós e em alguém – a expectativa de um final feliz que nunca vai acontecer. Quando nos apercebemos do final infeliz que nos espera (e não será que muitas vezes sabemos isso desde o início?), o nosso instinto de sobrevivência, cimentado ao longo de anos de desaires (sim, somos desastres amorosos ambulantes) convoca uma reunião de emergência, e depois de uma introdução amigável lá solta o tal “não és tu, sou eu”.
É quase uma regra de educação e cortesia nas relações de gente de boa formação: aquele que termina a relação assume a culpa da coisa. Bem sabemos que a culpa não morre solteira (para isso já bastou eu), e que nestas coisas de amores e desamores se há duas partes há duas culpas, ainda que em diferente grau e intensidade. Mas apesar das suas fraquezas e incongruências todos o dizemos quando estamos do lado de cá e todos esperamos que seja dito quando estamos do lado de lá.
Imaginemos agora que se inverte o diálogo, que entramos numa 5.ª dimensão, que o mundo se vira ao contrário, e que no momento de terminar uma relação alguém diz: “Não sou eu. És tu.” Não, não me enganei. Ouviram/leram/perceberam bem. “Não sou eu, és tu”.
Esta tirada elegante e cavalheiresca suscita-me tantas reflexões que nem sei bem por onde começar.
Antes de mais, se a relação vai terminar não o deveríamos fazer de modo a não deixar no outro mais mágoa e ressentimento do que aquele que qualquer desfecho causa, sobretudo quando não fomos nós a decretá-lo mas sim a outra parte?
Depois, será a culpa verdadeiramente do outro? Será que ao longo dos anos, meses ou semanas que partilhámos juntos a culpa foi sempre do outro? É que o mero facto da história terminar assim só por si demonstra que estamos perante um alguém tão mesquinho, egoísta, insignificante, egocêntrico e maldoso que nunca a culpa poderia deixar de ser (também) dele/dela. Certamente que se tratará de uma óptima pessoa, cheia de virtudes e qualidades, mas este singelo comportamento deixa antever o tal ser … como direi…Ah, já sei: mesquinho, egoísta, insignificante, egocêntrico e maldoso.
Quando as relações terminam deixam-nos sempre um vazio, um sentimento de perda. Isto vale para aquelas que nos fizeram muito felizes mas também para aquelas outras que nos fizeram muito infelizes. É um dado inexplicável da ciência, porém, mesmo o término de uma relação abusiva deixa em nós a sensação de que nos tiraram a última Coca-Cola do deserto. É preciso que passe tempo, que a ferida sare, que uma amiga (pouco sensata, mas com a distância de quem está de fora) nos diga: “Não perdeste nada nada baby. Livraste-te de boa”. E não digo isto para a animar, como quem dá uma palmadinha nas costas e tenta ver o lado menos mau de uma desgraça monumental. Digo porque verdadeiramente foi uma benesse das forças cósmicas que a alminha tenha decidido terminar a coisa, pois já se vê que nós, hipnotizadas como andávamos com o suposto charme da peça, não víamos um palmo à frente dos olhitos míopes de quem está apaixonado. Foi um golpe de sorte. Uma felicidade. Pois quem se imagina a partilhar a vida e os sonhos com alguém que nos apontasse o dedo à ocorrência de qualquer infortúnio ou desaire? É assim que se comportam as pessoas bem formadas? As pessoas mágicas? As pessoas apaixonáveis (entenda-se, por quem nos podemos apaixonar)?
“Não sou eu, és tu”. Sim, tens razão, sou eu. A culpa é por mim por te ter achado especial um dia.
(O textinho de hoje é para uma amiga especial que continua sem perceber o especial que é)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Vera Lúcia Lda., sociedade unipessoal, apresenta falência


Os saldos estão finalmente a terminar. E digo finalmente porque a empresa que se aloja dentro do meu corpo, gerida pelo Tico e pelo Teco, está prestes a apresentar falência. Esta lastimosa situação não se deve a má gestão, não senhora, mas sim a uma conjuntura altamente prejudicial: preços baixos aliados a bens de consumo, absolutamente necessários e absolutamente apetecíveis. Atire a primeira pedra quem nunca esgotou o plafond do cartão de crédito numa tarde de compras!
É certo que para fechar as portas dos meus armários tenho que depositar todo o meu peso do corpo (e quando digo todo, note-se que, falo de um peso pluma… que me caia já um raio em cima se estou a faltar à verdade) na porta, rezando para que não me caia em cima do nariz um vestido ou, pior ainda, um casaco de pêlo bem grosso, que sempre seria capaz de endireitar o arrebitamento do nariz.
Além do mais, o argumento da minha mãe de que eu só tenho um corpo (“e para que precisas tu de tanta roupa? Quantos corpos tens? Bla, bla, bla…) cai por terra quando nos lembramos de que o ano tem 365 dias, de modo que o meu único corpo precisa de ser coberto (nem que seja minimamente) durante dias, e dias, e dias, e dias…já sem contar com as vezes em que tenho que mudar de roupa várias vezes por dia.
E devo ainda acrescentar, em minha defesa, que muitos dos trapos pendurados nos cabides me custaram tanto quanto um almoço no MacDonals. Nasci com o dom de encontrar pechinchas no meio da maior confusão e abençoada com a paciência necessária para fazer peregrinações por dezenas de lojas até encontrar a peça ideal, ao preço ideal. Que isto de auferir um salário com poucos dígitos não permite grande margem de manobra e apela ao espírito criativo. Se para pagar a Gucci teria que me endividar até ao ponto de ser forçada a vender os óvulos, então, a Zara e Mango chegam muito bem. E em dias de celebração (a publicação de um artigo, o elogio de um professor, uma palestra bem-sucedida) sempre podemos celebrar com um pequeno luxo. De modo que a questão está em encontrar mais factores de celebração. Nesta altura do campeonato até a perda de um kilo já me chega para um festejo na casa das peles.
Tudo começou com a mudança para Lisboa. Apesar de não o ter planeado, a verdade é que no caminho de casa para o escritório sou forçada a passar em frente a autênticos antros de perdição para a minha conta bancária. Ora, como não posso mudar nem de casa nem de emprego tenho que viver com isso. Ainda resisti heroicamente durante os primeiros dias, mas na segunda semana decidi hastear a bandeira branca e pedir a rendição às forças demoníacos do consumismo e da vaidade. Que hei-de dizer? Sou uma mulher fácil. Basta que me acenem com uma pequena malinha da Guess e corro mais que o Obikwelo.
Depois veio a viagem a Nova York. Viagem em trabalho, note-se. Mas, novamente de forma totalmente não planeada, eis que chegamos à Grande Maçã em plena época de promoções. Já ouviram falar na Black Friday? Pois é bebé, eu e as meninas em NY no dia do crash dos preços. Quem iria perder a oportunidade de uma botas compradas na 5th Avenue, com 50% de desconto. E o burro sou eu?
Quando já tinha encerrado o plano das despesas sazonais, eis senão quando passo, inteiramente por acaso, numa certa e determinada rua, onde entro, inteiramente por acaso, numa certa e determinada loja e, de novo inteiramente por acaso, me perco no corredor de sapatos (ainda diz a outra que não há coincidências…), e meto os olhos no par de sapatos mais estonteante que alguma vez vira. Pensei logo que se aqueles sapatos fossem férteis queria ter filhos com eles. E pronto, tive que os trazer comigo para casa.
Não sou tonta ao ponto de achar que vivo mais feliz rodeada de tantos enfeites. Mas reconheço que sou suficientemente fútil para, naqueles dias em que acordo com uma nuvem negra a pairar sobre a cabeça, me sentir melhorzinha ao vestir o casaquinho justo de pele e o chape feito à mão, que por acaso encontrei numa rua de Bruxelas. Ao puxar o fecho para cima e ajustar as flores do chapéu na minha cabeça sinto-me a princesa mais importante do guarda-vestidos.
Reconheço que cheguei a gastar um salário mínimo numa peça de roupa. Mas, caramba, que culpa tenho eu do salário mínimo ser tão baixo?

domingo, 14 de agosto de 2011

Acho que sou como um cão


Às vezes acho que sou um gato. Um gato que vai à caça, de forma lânguida e sorrateira, e depois de brincar com a sua presa tempo suficiente a abandona num canto da sala para se ir espreguiçar no sofá.
Ás vezes acho que sou uma formiguinha, incansavelmente trabalhando férias, feriados e fins-de-semana, rodeada de cigarras a gozar la dolce vita enquanto eu me perco nos meus labirintos subterrâneos.
Às vezes acho que sou um cão. Não um daqueles caniches nervosos e irritantes, nem tão-pouco um majestoso rottweiler. Um vira-lata. Um rafeiro abandonado a quem deste guarida um dia. Durmo aos teus pés. Espero pela tua comida. Abano a cauda ao farejar um mimo. E não vou embora. Nunca me vou embora porque esta é a única casa que conheço.
Os cães vadios andam por aí sem eira nem beira. Dormem no vão das escadas, mordem quando lhes tentamos tocar e todos pensam que são cães raivosos e cheios de doenças. Mas se um dia se apegam a alguém por ali ficam. E por ali esperam.
Sempre achei os cães dotados de uma majestosa lealdade. Há quem prefira os gatos apontando-lhes maior personalidade e independência. Mas na verdade há pouco de glamoroso na deslealdade e na preguiça. Ser sexy é ser fiel. Ficar.
E eu fico. Às vezes nem sei bem porquê. Não é porque não tenho para onde ir porque tenho. Não é porque não saiba o que fazer, porque sei.
Creio que fico porque espero que um dia repares em mim. É bem provável que esse dia nunca chegue. Não penses que essa hipótese está arredada das minhas suposições. Mas nesta cabeça meio-tonta, meio-louca e meio-vazia há espaço para tantas suposições que bem posso esperar também que um dia repares em mim.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Fustigue-me, não tenho filhos


Eu sou daquelas que fica de olhos arregalados a olhar para bebés, que mantém longas conversas com putos de 4 anos e que se delicia com qualquer botinha de lã. Já sabem que eu sou uma bomba relógio em potência, pronta para explodir resmas de bebezinhos rechonchudos.
Mas por muito que me delicie com as criancinhas já não me delicio com os pais das ditas, nem com outros adultos competentes que as acompanhem. In other words, eu posso lamber a ponta dos dedos depois de comer um bolo mas não tenho que lamber o pasteleiro.
Cenário 1: fila do pão, longa e pachorrenta, como são as filas do pão num sábado de verão pela manhã quando parece que mais ninguém tem pressa de ir para a praia senão eu. Mas o azar é que o senhor à minha frente temuma criancinha ao colo. Vai daí a senhora do pão parou o atendimento para fazer gracinhas à criaturinha. E o papá, embevecido como todos os papás, agiu como se o seu rebento fosse assim… a 10 576.ª maravilha do mundo. De modo que ali ficámos um bom par de minutos, eu já a saltitar na havaiana, o puto com toneladas de ranhoca a sair-lhe pelo nariz enquanto o pai e a senhora do pão o adoravam como se ele fosse o deus menino. Ora, eu não sou propriamente um rei Herodes, gosto até mais de crianças do que o comum mortal. Mas há momentos para gostar e estar ali a goooooooosssstttttaaarrrr, e outros para uma festinha na cabeça e ala que se faz tarde;
Cenário dois: os amigos que nos visitam com os respectivos rebentos. Que são lindos, sim senhor. Muito espertos, pois então. Como não íamos nós gostar deles se são filhos daqueles amigos que carregamos cá dentro como bocadinhos de nós. Pois é, mas quando as criaturas desatam a correm pela casa, com as mãozinhas pegajosas de milhentos caramelos e porcarias que tal (e mais vá-se lá saber o quê) a tocar em tudo o que é cortinado e sofá, aí, já repenso os longos anos de amizade que tivemos… Cada um é livre de impor as regras na sua casa. Há gente que em nome da veia criativa dos homenzinhos e mulherezinhas do futuro lhes deixam desenhar nas paredes, partir molduras, enfim, pintar a manta. Mas quando vêm à minha toca, aqui, eu sou a rainha da macaca preta. E como não tenho filhos paridos por mim o meu grau de tolerância face a birras e guinchos é menor que o dos papás. É que eles não são carne da minha carne nem sangue do meu sangue. E, convenhamos, há coisas que só se toleram a quem transportámos dentro de nós durante 9 meses, de modo que não podemos esperar que o resto mundo ache uma graça que a criatura faça xixi no meio da sala;
Cenário três: noite linda, gente bonita, musica ambiente, um bom vinho… e no canto o puto que não pára do berrar. Uma pessoa trabalha e trabalha muito. Pois a única noite em que sai… à noite tem um daqueles gritos estridentes a entrar-lhe pelo tubo de Eustáquio. E os papás sem outra reacção que não orgulho, ali pasmados a olhar para o infante como se fosse uma bela ária a sair-lha da boca. É certo que as pessoas com filhos têm tanto direito de desfrutar da noite como eu tenho. Não podem é estragar-nos a noite a todos. Por conseguinte, das duas uma: ou arranjam uma babá, ou quando a criança começa a ter ataques de fúrias abandonam o edífico, just like Elvis.
Sublinho: a culpa não é das criancinhas. Mais digo: deixai vir a mim as criancinhas. Não deixai é vir os paizinhos.
Não há vacas sagradas. O que vale por dizer que se for preciso apontar o dedo a um puto, aponta-se. Quem disse que as crianças são o melhor do mundo nitidamente não conheceu algumas delas. E não me estou só a referir aos pequenos assassinos dos filmes do terror.
Eu não sou a pior pessoa do mundo por nem sempre ter paciência para crianças. Até gosto de bebés muito para além da fase de blastocisto. E se não os tenho não se deve a nenhum decisão pré-ordenada, nem a egoísmos ou outras prioridades, mas sim ao facto de o mundo andar escasso de príncipes encantados dispostos a procriar.
Mas mesmo que não quisesse ter filhos isso não me transformava numa cabra egoísta. Apenas numa pessoa que não queria ter filhos.
Por isso é sempre com algum espanto que noto os olhares indignados quando eu explico que (ainda) não tenho filhos, os olhares de lado quando olho para o lado perante uma mudança de fralda, o tom acusatório quando reviro os olhos às birras. Pronto. Fustiguem-me… não tenho filhos!
PS- quando daqui a uns anos eu andar com uma criancinha agarrada do pescoço, a mostrá-la ao mundo como se ela fosse um misto de Gisele Bündche e de Marie Curie, mostrem-me este texto por favor. É que eu vou ser a pior mamã do mundo: a mais tolerante, mais transigente, mais boba, mais aduladora dos feitos do seu rebento, mais chata a impor ao mundo as gracinhas da criaturinha. Ora, eu não quero ficar embevecida com qualquer cocó da criatura como se nunca antes dela uma criancinha tivesse defecado. Portanto, nessa altura, fustiguem-me também.

sábado, 6 de agosto de 2011

R-E-S-P-E-I-T-O


O mundo ensandeceu. E sei isto porque hoje em dia toda a gente se acha no direito de fazer a aberração mais aberrante que lhe passe pela moleirinha, ainda que caindo em comportamentos grosseiros, ordinários e profundamente desanimadores face à nossa esperança na espécie humana.
Há dias arrastava-me eu pela rua, calçada fora ao fim de um dia de trabalho, falando ao telemóvel para encurtar a distância que me separava do meu sofá, e eis que passa por uma criatura que – pasme-se – passa a sua nojenta mão pelo meu (não nojento) rabiosque. Gostava muito de escrever estas linhas relatando o murro que lhe dei no nariz ou a forma como lhe desfiz os tintins. Mas não, não o posso dizer. Porque o que fiz foi ficar especada ali no meio da calçada, a gritar impropérios ao telefone, como se a alma do outro lado da linha tivesse culpa alguma na minha desgraça semi-porno. Não fui a correr atrás dele, e o tipo também não correu porque demais sabia ele que estava seguro. Eu nunca o iria interpelar, agarrar-lhe no braço, pedir-lhe contas. Esta gentinha que anda por aí a conspurcar a nossa existência sabe que está segura porque passaram a vida a fazer maravilhosas habilidades destas e toda a gente teve demasiado receio ou pudor para os chamar à razão. Ou pura e simplesmente, não se importou. A verdade é que se eu galgasse metros atrás dele e o puxasse pelo braço o mais certo era acabar também eu por sair magoada da história. E, obviamente muitíssimo mal vista pelos meus pares. É que as meninas, ou as senhoras que não sã assim tão meninas, não entram em escândalos, não armam briga, engolem e calam (so to say…). As meninas devem ignorar estes incidentes. Não lhes dar demasiada importância, porque não a merecem. Não criar confusões que as tornem “faladas”. Por isso as meninas engolem em seco muitos sapos. Eu, naquele final do dia, engoli um bem grande. Tão grande que senti necessidade de o contar aqui. Porque sei que a todas vos passou o mesmo. Aquela besta - sem desprimor para as bestas, que algumas até são animais de bem - já o deve ter feito a milhares de mulheres, e se o continua a fazer é porque até hoje nenhuma o presenteou com a tão merecida estalada. Nem eu, reconheço-o. De modo que ele vai continuar feliz na sua vidinha patética de quem não consegue tocar em mulheres de outra forma que não seja sorrateiramente, de forma ardilosa e cobarde. E nem sei se o poderemos censurar. É que nós – nós comunidade e nós mulheres - toleramos estes comportamentos à luz da doutrina do “não me vou rebaixar ao nível deste fulano”. Mas porque nenhum de nós algum dia achou que deveria arregaçar as mangas e fazer alguma coisa, porque os paizinhos da criatura não cumpriram como deve ser o seu inestimável trabalho educacional durante os primeiros anos de vida, agora temos aqui um patético tarado a rastejar entre nós.
Ora eu estou farta. Estou farta de piropos que me querem comer tudo menos a unha dos pés. De convites desapropriados de gentinha desapropriada. De insinuações, más-criações, grosserias.
Eu também tenho dias maus nos quais me apetece descarregar em alguém, seja a pessoa à minha frente na fila no autocarro seja o empregado do bar. Mas respondo sempre com um “obrigada” e um “se faz favor”.
Eu também vejo homens as quais me apetecia passar a mão pelo rabiosque (que me desculpa e minha meia laranja, mas certamente que ele pensa o mesmo face aos rabiosque de muitas meninas) mas não invado a sua esfera de privacidade pessoal.
Eu também comento com as meninas piropos mais ou menos elegantes acerca dos cavalheiros que passam na praia. Mas não me sai pela goela nenhuma proposta menos decente (aliás, nenhuma proposta de todo me sai) em pleno areal, que faça incidir sobre o espécime os olhares do povinho que esteja por aqueles lados.
Ora, eu não sou especialmente bem-educada, respeitadora, graciosa, inteligente ou bem–formada (enfim, por acaso até sou mas agora para o meu argumento convém que não seja) a ponto de apenas eu saber que estas coisas não se fazem. Todos o sabemos. Quase todos o cumprimos. Então, porque raio vamos tolerar que A ou B não o façam? Porque tiveram uma infância difícil? Porque são alminhas torturadas? Porque se divorciaram agora? Porque os paizinhos se divorciaram quando tinha 5 anos e além disso atiraram-lhe o peixinho dourado pela sanita?
Meus amigos, vivemos numa sociedade e como tal não somos livres de passar a mão naquilo que não é nosso, de gritar supostos piropos que não foram pedidos, de responder de forma torta a uma reacção negativa ao nosso incontestável (ou muito contestável) charme.
Desculpem lá, mas estas são regras da casa. Vamos cumpri-las e faze-las cumprir. É tudo uma questão de respeito. Pelos outros, mas por nós próprios também.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Luckily I’m in love for my best friend


Há muitos e bons motivos para se ter uma meia laranja.
Começo desde logo por sublinhar o difícil que é partilhar a vida com alguém. Sobretudo para aqueles que nós que durante grande parte da vida adulta partilharam os dias e as noites consigo mesmo. Ter alguém que de repente ocupa o nosso espaço, ignora os nossos amigos e nos “empurra” para grupos desconhecidos, ou mesmo que simplesmente se atreve a respirar o mesmo ar que nós, tudo isso pode causar um tsunami na pacata vida um solitário empedernido.
Veja-se: não seria bom poder ficar a trabalhar até mais tarde, sem remorsos, preocupações com jantares, ou telefonemas a cobrar atrasos?
Não.
Não seria.
Não é.
Não há liberdade ou desprendimento neste mundo que suplante o que é ter alguém para quem fazer o jantar (ou, no meu caso de cozinheira frustrada, que nos faz o jantar a nós). Alguém que nos liga a perguntar onde estamos. Alguém que nos cobra, nos pergunta, nos procura. Alguém que se preocupa.
Mas esse alguém não pode ser um mero alguém. O mundo está cheio de gajos, “de um tipo qualquer”, de seres humanos vá lá. Desculpa Ben Harper, but there are not so many special people in the world.
Esse alguém tem que ser o nosso melhor amigo.
Isso significa que não está lá só para as partes boas, para as comemorações, para aqueles dias em que tudo corre bem, para os anos em que formos bonitos, atléticos e saudáveis. Está lá também nas partes más. Nos dias escuros. Nos dias em que não temos emprego, nem dinheiro, nem vontade de sair da cama. Nos dias em deixamos de ter boas ideias e passamos simplesmente a idiotas. Porque, basicamente, é isso que os amigos fazem.
É claro que tem que haver mais do que a pura fraternal amizade. Caso contrário partilharíamos todos as nossas vidas com os coleguinhas da 3.º classe. Tem que haver química, faísca, sei lá, aquela coisa que nos arrepia quando tocamos alguém.
Certamente todos já sentimos solavancos físicos com certos géneros humanos, usualmente altos e bem-parecidos, com sorriso trocista e ar ligeiramente pecaminoso (para os cavalheiros a versão seria uma fulana cheia de curvas, rabiosque empinado e beicinho). A nossa parte física - animal diria mesmo – já levou muitas veze a melhor sobre a parte racional. Mas não pode levar a melhor sobre o que o nosso coração nos diz. E o coração gosta de quem nos trata bem, logo, nos faz feliz. O musculozinho cor-de-rosa não gosta de tipos deliciosos à superfície mas repugnantes no fundinho do fundo. Os nossos olhos podem gostar muito do que vêm, mas de que nos serve alguém que quando mais precisamos não está, não sabe estar, nem se importa com isso?
Para alguns de nós a vida será sempre um dilema entre uma paixão avassaladora e um amigo que nos segura na mão e nos canta ao telefone quando estamos tristes. Mas para outros de nós (…) não há escolhas a fazer. Uns porque uns se apaixonam pelo melhor amigo. Outros porque a paixão se tornou no tal melhor amigo.
Hw lucky am I?