quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Na vida real


Na vida real os super-heróis não ganham. Na vida real o mundo é dos sacanas, dos incompetentes, daqueles intelectualmente limitados. Esta é a verdade.
Há umas semanas atrás dava-vos conta que euzinha, sozinha, tinha vencido a maldade. E… caramba, naquela batalha parecia mesmo que sim! Mas parece que hoje cresci 10 anos. E vejo agora, com maior lucidez, que afinal foi só isso mesmo, uma batalha. É que da guerra nunca gloriosos os super-herois.
Os meus pais encheram-me de bons valores e dons hábitos. Os maus que hoje tenho fui eu que entretanto os fui ganhando nas esquinas desta vida. Eles ensinaram aquilo que eu sempre pensei ensinar aos meus filhos: sê honesto e leal, fiel para com os outros como para contigo mesmo, dá o melhor de ti e esforça-te por ser cada dia um bocadinho melhor que seja, traz felicidade aos outros e ao mundo, alarga os teus horizontes para além daquilo que os olhos vêm, dá o melhor de ti em cada trabalho, em cada aula, em cada página. Basicamente, disseram-me para sair de casa para o mundo como uma boa pessoa. Uma pessoa de bem. Integra.
E eu, que sempre achei que eles tinham feito um bom trabalho, dou hoje por mim a pensar que deveriam ter-me pedido menos. Deveriam ter-me ensinado a ser pior, e não melhor. Deveriam ter-me guiado pelo caminho fácil da maldade e mediocridade. Deveriam ter feito de mim uma alga intelectual.
Porque é deles que o mundo é. Dos Ruis Pedros Soares deste mundo. Dos abcessos deste mundo. De gente que não faz nem deixa fazer, que não sabe fazer nem gosta dos que sabem.
Olho para trás e começo a pensar que talvez a minha vida tenha sido um grande desperdício. Tantas horas perdidas a trabalhar, tantos fins-de-semana fechada em casa, tantas noites sozinha ao computador, tantas férias que nunca foram feitas. E tudo na suposição de um dia o trabalho iria ser reconhecido. Que ingenuidade a minha. O talento não é reconhecido. O que se incentiva é o nivelamento por baixo, onde quem sobressai são os bajuladores. De modo que mais feliz seria eu hoje se tivesse dedicado a os últimos 20 anos à fina arte do bajuleio, da mentira e da incompetência. Tenho a certeza que se tivesse lixado um colega ou outro hoje estava em melhor sítio. Se me tivesse apropriado de trabalho que não era o meu quase garanto que não chegava ao fim do mês com contas pendentes. Em suma, fui mal ensinada. Pais, educai os vossos filhos para a preguiça, a estupidez, o paludismo intelectual e, sobretudo, para a desonestidade.
Desejava tanto não ser tão boa naquilo que faço. Que mais feliz eu seria se não o meu Tico e o Teço não fossem tão operacionais. Ó céus, transformai-me agora mesmo numa paralelepípedo. Dai-me a tacanhez intelectual que tanto preciso para singrar.

Bem aventurados os limitados, porque deles é o reino da Terra.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

CONFISSÕES DE UMA EX-TRISTODEPENDENTE


“Olá, o meu nome é V e sou uma ex-tristodependente. Estou em recuperação. Este é o meu 30.º dia sem depressão”
Todos nós ficamos tristes. Mas para alguns de nós a tristeza pode transforma-se a qualquer momento numa depressão profunda, com perda de peso, choro, noites em claro, e tudo aquilo a que uma boa depressão dá direito. Os comuns mortais derramam um par de lágrimas e seguem o seu caminho. Alguns de nós, porém, lançam-se em queda livre num abismo e enquanto não batem no fundo mais fundo dos fundos não emergem à superfície. Não que sejamos pessoas depressivas, lúgubres ou soturnas. Pelo contrário. A nossa felicidade supera igualmente a vossa, é arrasadora. Simplesmente, é como se qualquer emoção fosse levada até aos píncaros. E o que vale para o riso vale igualmente para as lágrimas.
Costumo pensar em mim como uma espécie de addicted, com a diferença de que a minha adição é a tristeza. Gosto dela? Sim. Sempre pensei que são os momentos tristes que melhor nos fazem apreciar a nossa felicidade. Posso viver sem ela? Com a sua total ausência penso que não, mas sem dúvida que gostaria de a ter mais afastada. Domina a minha vida? Hoje já não.
Porque estou consciente disso apenas me deixo submergir na depressão durante um de par de horas. Um fim-de-semana no máximo. Porque estar deprimida é um luxo, e nem todos nos podemos dar a esse luxo. Eu, de todo, não posso. Sou como um alcoólico em recuperação. Ele sabe que não pode sequer beber um copo de vinho porque estará a abrir a porta a perigos inimagináveis. Passado uns meses autorizar-se-á a beber um copo, mas nunca poderá cair ébrio. É difícil. Para ele um copo nunca será apenas um copo, à vontade de seguir-se-á o desejo de muitos. Ele entra em coma alcoólico; eu entro em coma depressivo. Por isso aprendi a disciplinar-me. Não sei se o controlo das emoções me torna mais fria e menos espontânea, mas tenho a certeza que me torna mais forte. Se a tristeza é a minha debilidade só lhe posso dispensar um prazo muito circunscrito do meu tempo de vida. Hoje em dia dou a mim mesmo um minuto por dia, em regra à noite, antes de adormecer. Não mais. Quem manda sou eu, não o vicio.
Da última vez que me aconteceu um desastre emocional entrei em pânico. Mais do a que a tristeza em si era o temor daquilo que se lhe seguiria. Autorizei-me a deprimir durante um fim-de-semana. E na 2.º feira pintei os lábios, disfarcei as olheiras e saí para a rua. Porque ninguém gosta de fracos. A sensibilidade é admirável, mas a fraqueza não. A vulnerabilidade até pode ser interessante, mas a debilidade é tremendamente aborrecida e monótona. Nenhum dos restantes seres humanos é obrigado a suportar os meus devaneios depressivos, sob pena de um dia eu me transformar em mais uma personagem de novela mexicana. E haverá sempre aqueles que passarão por uma fase de júbilo com a nossa angústia.
Nunca estive numa reunião de alcoólicos anónimos mas nos filmes falam sempre dos 12 passos e do célebre “um dia de cada vez”, e é assim que procuro gerir a minha adição. Não sei quanto tempo me conseguirei aguentar assim, mas sei que hoje ainda não fui derrotada.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Todos sangramos da mesma forma



If you cut me, do I not bleed?
Frase recorrente dos filmes americanos. E a verdade é que – e a não ser que sejamos um daqueles super seres humanos que temem criptónio – todos sangramos da mesma forma, pelos mesmos motivos, com a mesma dor. Ou, recorrendo ainda a outra expressão tão cara aos anglo-saxónicos, todos vestimos as calças da mesma forma: uma perna depois da outra.
Após esta introdução quero começar a minha reflexão por uma afirmação sobe mim: Eu sou uma viajante. Gosto de andar por aí, de ver, conhecer, sentir, experimentar. Claro está que, não tendo muito dinheiro e estando sempre atolada em trabalho (que não de má dinheiro, curiosamente, mas isso é outra história) tive que encontrar uma forma inventiva de poder conhecer o mundo sem esfolar as minhas parcas poupanças nem me sentir rigorosamente em férias, o que seria catastrófico para uma workaholic como eu. De modo que viajo em trabalho. Sou sempre a primeira a candidatar-me para estas coisas, conferências aqui e ali, tudo o que me possa meter num avião e pôr-me a milhas (e pôr milhas também no meu cartão).
De modo que tenho a sorte de já ter estado em muitos sítios, uns mais estranhos e curiosos do que outros. Bem compreenderão que se eu meter o meu pezinho em França ou em Espanha, na Itália que seja, ninguém me pergunta “como foi?”. É que, basicamente, somos bastante parecidos. Mais churro menos churro, mais croissant menos croissant, mais cornetto menos cornetto, a coisa não difere muito das nossas farturas.
Mas volta e meia aterro em paragens mais longínquas, se não geograficamente, pelo menos culturalmente. Gente que no nosso imaginário tem um olho na testa, faz sacrifícios humanos e come criancinhas ao pequeno-almoço. A verdade é que alguns povos – pela sua história, pelos seus hábitos, ou mesmo devido ao pouco que sabemos deles – aparecem aos nosso olhos como bichos de sete cabeças.
E vai daí não cessam de me perguntar porque raio quero eu ir para lá, que interesse poderá aquilo ter, avisa-me para me desdobrar em cuidados não vá ser assaltada. E eu bem percebo estes temores. É que, obviamente, não existe país mais interessante do que o nosso, onde as pessoas não são assaltadas, muito menos pelo Governo. Mas, ainda assim, lá vou eu. Porque é muito diferente saber as coisas porque se leu num livro, ou mesmo se assistiu a um documentário do National Geographic, ou sabê-las porque alguém que lá esteve, as presenciou e cheirou, nos conta aquilo que viu e sentiu na suave melodia de um copo de vinho. De modo que vos posso assegurar com toda a ciência do mundo que, in the end of the way, we are all the same.
A minha amiga angolana explicava-me como fazer para manter o interesse do marido após um casamento de anos. Porque em todos os lugares do mundo as mulheres querem continuar a ser amadas pelos seus maridos.
O meu amigo mexicano vai religiosamente ao ginásio antes do pequeno-almoço, ensonado e quase de rastos. Porque em todos os lugares do mundo os homens bonitos têm medo de ficar gordos.
A minha amiga da África do Sul fala dos filhos como sendo o sol da sua vida. Vive para eles e por eles. Porque em todos os lugares do mundo as mães amam os filhos, talvez mais do que a si próprias.
O meu amigo de Cabo-Verde quase não sai quando a mulher viaja. Porque em todos os lugares do mundo até mesmo os maiores playboys se comportam como cachorrinhos quando se apaixonam de verdade.
Estou neste momento sentada no meu modesto quartinho na Trasilvânia onde, mais uma vez, vim em trabalho. Ora, que sabemos nós sobre os romenos? Sabemos que o Ceauşescu tinha em casa torneiras de ouro. Conhecemos um ou outro episódio escabroso das meninas romenas que entram e saem daquelas casas sérias na Duque de Loulé. E sabemos que durante anos e anos a fio foram um país fechado sobre si mesmo, gloriosamente fechado nas malhas do capitalismo. Ah, e agorinha falamos um bocadinho mais deles porque o Sarkozy nos recordou a todos que temos um problema por resolver, e que não basta enviar o povo cigano para a Roménia para dar a questão por concluída, porque isso mais não é do que esconder na pia a louça por lavar.
Mas eu sei um bocadinho mais do que isso. Sei que a minha amiga romena pará junto à montra das lojas e se queixa por não ter podido ir aos saldos, isto de ter filhos pequenos já se sabe… É que em todas as partes do mundo as mulheres param para admirar as montras. Mas deixam de fazer compras para acudir aos filhos. Sei que os meus amigos romenos se debatem com a questão de encontrar uma casa nova, que não fique longe do trabalho, nem do dele nem dela, nem da creche dos filhos, com uma preocupação exactamente igual à minha na busca da ansiada casa (bem, excepto na parte dos filhos, que aqui vamos substituir pelo “ginásio”). Porque em todas as partes do mundo as famílias tentam estar juntas. O comunismo, o pós-comunismo, o pós-whatever, não muda o ser humano. Também aqui as pessoas sofrem desgostos de amor. Vão às compras. Comem gelados. Ouvem U2.
Botton line: todas as pessoas do mundo deitam sangue quando a faca lhes escorrega das mãos ao descascar uma maçã. E se as magoarem muito fundo todas elas sagram cá dentro.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Só um bocadinho desastrada


Sou um bocadinho desastrada. Nunca atropelei ninguém, mas já perdi a conta aos beijinhos que dei com o carro. Nunca perdi a cabeça, mas vivo cheia de nódoas negras, uma mulher maltrada pela sua própria deselegância. Nunca quebrei nenhuma peça de museu, mas venho rachando a lascado tudo o que atravessa no meu caminho.
Senão, passemos em revista os incidentes desta semana:
Em dia indefinido durante esta semana fui comprar pão antes de chegar ao lar, doce lar, após a labuta diária, e no momento de pagar ia deitando abaixo o inteiro estandarte junto à caixa. A estrutura começou a tremer, mas a coisa, felizmente, ficou por ali, Baixei os olhos, esbocei um sorriso tímido e lá pedi desculpa, acrescentando ainda, em jeito de explicação, que sou um bocadinho desastrada.
Na 5.º feira estava eu no cabeleireiro a fazer as unhas (um grande bem-haja aos amiguinhos brasileiros), fazer o buço (sim, até eu, este colosso de mulher, tenho buço) e arranjar as sobrancelhas, e a meditar na vida, enquanto a menina de serviço me espalhava cera quente pela cara. Sentada na cadeira de lavar cabeças, com a dita encostada para trás para facilitar o trabalho de arrancar o pelo onde deve ser arrancado, começo eu a pensar se me devo ficar pelas unhacas da maneta ou antes tratar dos pés também. É que em regra sou eu que pinto as minhas unhas dos pés, na convicção de que ninguém vai olhar muito para as sacaninhas e para aquelas pinceladas de verniz que me entram pela pele dentro, que eu nunca fui muito de colorir dentro do risco. Naquela posição indefesa decidi que devia confirmar o estado dos pezinhos. Mas como não podia levar os olhos ao pé a única solução era levar o pé ao olho. Vai daí, levanto a perna tão alto quanto a minha agilidade de ex-ginasta russa me permite - e, acreditem, ainda é bastante porque até consigo chegar tocar com o pé na cabeça, e eis senão quando dou por mim a dar um pontapé monumental na mesinha da manicura, fazendo voar pelo cabeleireiro vernizes, limas, tesouras, algodão, a tacinha da água tépida. No meio do silêncio que se seguiu a este episódio alguém disse “pode acontecer a qualquer um”, mas logo de seguida outro alguém argumentou que, porém, nunca tinha acontecido.
Para coroar esta semana profícua em malabarismos físicos a cereja no topo do bolo foi a conferência. A coisa começou mal ao almoço, quando outra mão desastrada que não a minha me encheu de vinho tinto. Sim, nem vinho branco, nem leite, nem cerveja. Só vinho tinto. Que, como toda a gente sabe, custa mais a sair da roupa do que eu a sair de uma sapataria. Prestes a iniciar a minha intervenção ele era tintol por mim abaixo, de tal forma que até a minha roupa interior me fazia recordar um dia de menstruação. E o cheiro… digamos apenas que poderia ser confundida com uma jovem inglesa em férias no Algarve. Pensei de mim para mim que não seriam aqueles pouco-pequenos incidentes a perturbar a minha concentração. De modo que lá fui, formosa e não segura, fazer a minha intervenção. Literalmente não segura, porque depois de ter apresentado tudo sem me atrapalhar, lá vou a sair do púlpito dos oradores, atrapalho-me com os saltos altos (mais valia ter levado umas ballerinas) e tropeço de uma tal forma que fui cair nos braços do conferencista ao lado que, por uma nesga de sorte me estendeu de facto os braços, senão tinha-me estatelado no chão. Seria, certamente, a intervenção mais memorável de todo o congresso, apenas não pelos melhores motivos.
Ora, quando regressava a casa num daqueles Alfas que me matam de enjoo com tanta oscilação pensava para comigo em que noutros planos se manifestava esta minha “desastreza”. A verdade é que eu não passo a vida apenas a cair para cima das coisas. Parece que também caio para cima dos meus planos, das minhas aspirações, das coisas boas que tenho. Os meus tropeções e as minhas cabeçadas não ma fazem só galos na cabeça, mas sobretudo no coração. Sim, sou um desastre ambulante. E a própria existência parece um desastre desse tipo, porque as coisas boas tendem a durar-me pouco antes que eu as auto-boicote, as pise, as deite abaixo.
Estou a tentar disciplinar-me. Ser mais cuidadosa. Mais atenta ao que me rodeia. Também na vida e nas relações tento andar com mais cuidado. Acontece que quem nasce com pata de elefante dificilmente passa a pézinhos de lã.
Sou só um bocadinho desastrado. Têm que me amar assim mesmo.

sábado, 18 de setembro de 2010

Não sou tão inesquecível assim


Há momentos em que dou por mim a pensar que se desaparecesse neste momento tudo parava. Enfim, o metro continuaria a andar, o Carlos Queiroz continuaria a fazer-se de Calimero e o Sporting continuaria a perder, porque há coisas que nunca mudam. Mas a vida das pessoas que gostam de mim parariam. Essas vidas, na minha fantasia paranóica, ficaram semi-devastadas pela minha ausência.
Acho que a primeira vez que esta ideia me passou pela cabeça foi em vésperas da minha ida para Angola, quando comecei a meditar em quão triste e vazia seria a vida dos mais papás sem mim, filha única desde que nasci. E senti-me quase, quase, culpada por deixá-los sozinhos. Mas eis que os dois se aproximaram ainda mais, e tenho para mim que desde essa altura vivem existências mais bem preenchidas, quase como namorados casados há mais de 30 anos. Depois, pensei nos meus amigos, aqueles que tão estupefactos e tristes ficaram no dia em que anunciei a decisão de partir. Admito a hipótese de terem ficado apenas estupefactos, e de eu ter confundido com tristeza o espanto por tão insana e súbita decisão. O certo é que as suas respectivas vidas continuaram de forma plácida e serena, namoraram e desnamoraram, casaram, tiveram filhos, mudaram de casa, de emprego e de cidade (de sexo, creio eu que nenhum), e quando regressei, esperando encontrar a minha vida tal como a deixara, como se o tempo tivesse parado ali, eis que dou por mim num mundo novo, uma espécie de 6.º dimensão, onde toda a gente tinha metido a vida a andar e a avançar. Sem mim. Porque, afinal, ninguém é insubstituível.
Ainda há bem pouco tempo voltei a reviver esta traumatizante experiência. Peguei nas armas e bagagens (nunca percebi a expressão da “mudança de armas e bagagens”… é suposto levar comigo a caçadeira do meu pai?) e rumei a uma cidade diferente, onde conhecia duas ou três almas, e onde, once again, comecei do zero, do menos um, direi mesmo. Nos momentos mais difíceis batia à “porta” dos amigos que deixei para trás. Não havia telefone, mail ou sms que aguentasse a força da minha solidão e das minhas saudades. Para espanto meu todas essas pessoas continuaram as suas vidas como eu se eu nunca tivesse feito parte delas. Quando lhes ligava estavam soterradas por agendas ocupadíssimas. Ou tinham outra chamada em espera. Ou respondiam por monossílabos. E quantas vezes ouvia eu o som de um teclado do outro lado da linha enquanto lhes abria o coração ao telefone.
O que mais estranheza me causa é que parece que as pessoas que mais toquei foram aquelas que menos tempo conviveram comigo. Ainda hoje mantenho amizades fortes e firmes com amigos de outros países, com os quais convivi meros dias, semanas ou meses. Já os amigos de longa data parecem ter-me apagado das suas memórias. Que quererá isto dizer? Serei eu melhor na versão “amostra de perfumaria” do que na versão “frasco inteiro”? Será que as pessoas se apaixonam por mim à primeira vista mas se desenganam à segunda?
Porque ficarei eu triste quando parto? Porque deixo de ter as pessoas na minha vida? Porque deixo de ocupar a vida delas? Porque sinto que as abandono? Ou porque me dói que não se sintam abandonadas?
E assim se mistura o sentimento de culpa com megalomania e egocentrismo. Confesso: custa reconhecer que não sou o centro do mundo. Nem sequer o centro do mundo de alguém.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Nas entrelinhas



Nas entrelinhas dizem-se coisas fantásticas, esmagadoras, absurdas, horripilantes, apaixonadas, dolorosas, surpreendestes, misteriosas.
O que está nas entrelinhas deixa-me a mim assustada, apaixonada, agradecida, receosa, envergonhada, devastada, feliz, exuberante.

As máquinas são mais fáceis. E isto que eu mal sei lidar com elas e já fui proibida de me aproximar de impressoras, fotocopiadoras e faxes. Mas quando o círculo da placa cerâmica do meu fogão fica vermelho eu sei que está quente. Só isso, mais nada. Quando a máquina de lavar louça apita eu sei que terminou. E não há mais nada. As máquinas não funcionam com mensagens subliminares, com coisas que são ditas sem o serem, com sentimentos na penumbra. São simples e límpidas como uma garrafa de água do Luso.
Já as pessoas… as pessoas são tão complexas! E quantas vezes o que dizem é bem menos, pelo menos bem menos importante, do que aquilo que não dizem, do que o que fica por dizer, do que aquilo que esvoaça nos silêncios, nas hesitações e nos duplos sentidos.
Se ele diz que está cansado, será que está mesmo fisicamente extenuado? Ou cansado de mim? Só cansado para estar comigo ou para estar com toda a gente?
Se ele comenta que a outra fazia as coisas de outra forma, quer dizer que eu as faço mal? É uma mera comparação fáctica ou antes valorativa? Será que tem saudades dela? Ou, pelo menos, de como ela fazia as coisas?
Se ele comenta que já não sou quem era é porque gostava mais do “era” do que do “sou”? Mudei assim tanto? Ou mudou ele? Ou o que mudou é o que existe entre nós?
Se ele me explica que ainda não decidiu a vida dele, que raio quer decidir? Sobre o emprego? O carro? A casa? Eu? Nós?

A pior inimiga de mim mesma vive cá dentro, dentro desta cabeça.
Por vezes é benevolente e permissiva. Vê as coisas mas finge que não as vê. Inventa justificações absurdas só para não ter que encontrar a real explicação.
Ele não vem esta noite? Claro, é compreensível, anda cheio de trabalho, certamente prefere dormir para acordar bem-disposto no Domingo.
Ele ainda não te disse que gosta de ti? Demonstra sensatez, não se quer precipitar.
Não te apresentou à família? É reservado. E quer proteger-te.
Achas que ele já não gosta de ti? Que disparate! Ainda ontem te disse que sim. E te ofereceu flores. Não se oferece flores quando não se gosta, bem sabes.
E ela, a minha cabeça, desculpa-o. E eu acredito nas desculpas.
Outras vezes ela cria cenários e teorias da conspiração. De repente o episódio mais inócuo se torna um engodo, um enredo de fotonovela. Faz-me duvidar de tudo, questionar todas as afirmações. A certo ponto só me apetece perseguir as pessoas para confirmar se o que me dizem é verdade ou se o mundo não terá construído uma enorme cabala contra mim, para me enganar e poder observar todos os meus movimentos, como se estudasse um animal numa jaula. E começa a discorrer sobre a nova amiga que ele tem no Facebook. Sobre aquele telefonema ao qual ele respondeu monossilabicamente. Sobe a mensagem recebida de madrugada. Sobre o café com a ex-namorada. Sobre a fotografia antiga que conserva na carteira. Na verdade, quando ela – a minha cabeça - quer fantasiar basta-lhe bem pouco para o fazer. Na verdade basta-lhe nada. Porque do nada também se conseguem criar filmes. E o nada vive por entre as linhas. Essas linhas onde eu digo e ouço o que não e desespero, e espero por respostas que não chegam.

Deus escreve certo por linhas tortas. Mas o Diabo escreve nas entrelinhas.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Onde estava você no 11 de Setembro?


Ontem passei o dia sentada em frente ao meu PC, a braços com este atentado terrorista que eu própria lancei à minha vida: a tese.
Há 9 anos atrás, em 2001, recordo-me de uma breve imagem na televisão enquanto mudava de canal, que mostrava um avião a chocar contra um gigante edifício. Naquela altura o mundo era diferente, e não pensei duas vezes na cena, que julguei tratar-se de um filme. Saí de casa, enfiei a cabeça na tese que na altura me atormentava a existência e só horas depois soube que nunca mais nada seria como antes.
Tenho vários amigos muçulmanos, uns mais radicais nas suas convicções, outros totalmente alheados, outros ferozmente contra o que se passou. Admito que não seja fácil viver a sua fé nos dias de hoje quando se vive no Ocidente. Ou melhor, para eles não é fácil, pura e simplesmente, viver entre nós. É preciso levar as coisas com serenidade, paciência, e muito sentido de humor. Recordo com carinho o convite do Mohammed para irmos dançar salsa num clube. Sugeri que regressássemos de táxi à student house, porque as ruas de Washington àquela hora da noite não eram propriamente seguras. Ele encolheu os ombros, desenhou um sorriso maroto na cara e respondeu-me: “Vera, sou árabe! Se formos interceptados por alguém, ou mesmo por um gang, eles olham para mim e desatam a fugir com medo que eu seja terrorista”.
Bem sei que a história do 9/11 está mal contada. Andam por aí muitos mitos urbanos, muitos rumores e teorias da conspiração veiculadas por documentários mais ou menos bem fundamentados. A vontade de desmistificar o que sucedeu naquele dia confunde-se com a vontade de desmascarar o presidente, a Condoleezza, enfim, aqueles outros terroristas que ocupa os lugares mais importantes do mundo. Também eu partilho as perplexidades de muita gente, e creio que a tragédia não foi tão inevitável assim. O governo sabia de antemão dos atentados? Tenho para mim que sim, até porque pouca coisa se passa neste mundo que, de uma forma ou de outra, não chegue à Sala Oval. Várias pessoas influentes foram avisadas para não voar nesse dia? Talvez (embora eu o não o tenha sido). Os serviços secretos israelitas estavam a par da operação? Bem, sem desprestigiar o engenho da Mossad parece-me já demasiado elaborado, embora não descarte totalmente a hipótese.
Mas nos vários 11’s de Setembro que já vivi desde então o pensamento que mais me tem ocupado o espírito é o das centenas de pessoas que morreram nesse dia, e dos milhares que morreram nos atentados terroristas que desde então se seguiram.
Acho o terrorismo um dos actos mais cobardes que existe. Gente que não dá a cara, que actua na sombra como ratazanas, que se vangloria com a morte e o sofrimento, que elege por alvos pessoas que não têm nada a ver com a guerra que eles inventaram. Nem precisamos de ir muito longe para descobrir, aqui ao mesmo ao lado, várias famílias de Guardas Civis que já sentiram na pele o ódio, a cobardia e a tacanhez da ETA. E para reforçar ainda mais a ideia de que o terrorismo não é apanágio de uma religião bem podemos recordar o que os cristãos fizeram em certo período da história e as barbáries da Santa Inquisição e da evangelização forçada de povos “selvagens”. Isto para dizer que todos temos as nossas máculas.
Ainda assim não consigo deixar de me chocar ao pensar que uma cultura tão activa e florescente como a árabe tenha decaído a este ponto. Durante séculos os árabes foram exímios astrónomos, matemáticos, físicos, pensadores, artistas. Nos dias de hoje, alguém me sabe dizer o nome de um pintor, de um escritor, de um cientista? Certamente que existirão vários no meio daquele punhado bem grande de gente boa e admirável, mas em regra acabam mortos às mãos de um fanatismo religioso da pior espécie ou então são forçados a abandonar o país.
E foi tudo isto que ontem me passou pela cabeça enquanto tentava distribuir atenções entre a tese e os documentários que os vários canais de televisão passavam insistentemente. E acho bem que o façam. Acho bem que não esqueçamos. Mas para tentar aprender com o que se passou, e não para remoer velhos ódios e planear vinganças.
Visitei o Ground Zero pela primeira vez um ano após o “aero-massacre”. Estava apinhado de gente com flores, fotos, orações e lágrimas, muitas lágrimas. O ano passado voltei lá e desta vez só encontrei tapumes e máquinas escavadoras. Da próxima vez não sei o que irei encontrar. Fala-se por aí que será um centro muçulmano, e muita gente considera que a escolha da localização foi de um tremendo mau-gosto, para não dizer outra coisa. Provavelmente até é. Confesso que não sei se irá fazer sarar a ferida ou antes, acicatá-la. O que sei é que aquele foi o dia em que o mundo mudou. Mudou a politica, as relações entre os povos, as penas dos crimes de terrorismo. Até mudou a forma como eu faço as minhas malas antes de viajar. Mas, pior que tudo, mudou todos aqueles que perdem alguém.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Como perder um namorado em 10 lições (para ler com muita ironia)


Arranjar um namorado é simples. Os homens são, basicamente, fáceis. Obviamente, desde que não se seja esquisita. Se a vossa preferência for para homens inteligentes, bem-formados e bem-parecidos…esqueçam! Agora, sendo zarolho, balofo e estúpido, nem uma hora necessitam de despender com o dito para que vos caiam em cima as mais melosas juras de amor.
Perder um namorado é igualmente simples. Reconheço que o facto de ainda sobreviverem relações de meses, e mesmo anos, parece provar a tese contrária, mas o problema é que certas mulheres não sabem como perder um namorado. Tentam, esforçam-se, e a melguça está sempre ali ao lado, nos bons e nos maus momentos, até que a morte os separe.
Já eu sou perita em perder um homem no mais curto período pensável. Foi uma técnica que aperfeiçoei ao longo de anos. Admito que a minha primeira relação mais séria quase que chegava aos 2 anos. Mas era então uma naif menina com pouca prática nestas artes. Ultimamente sou uma autêntica expert, convidada para falar nos maiores fóruns mundiais.
Qual o meu segredo? Tudo está em tratá-los bem, minhas caras. Mimá-los, fazê-los sentir seguros, demonstrar-lhes afecto, presenteá-los com sexo digno dos melhores filmes porno. Não há homem que sobreviva a isto, e em dois tempos emigram para a Antárctida, de modo que terão a suprema felicidade de nunca mais receber uma telefonema do dito.
Outras dicas preciosas:
- Acarrear inteligência e bom humor para as conversas (os homens detestam isso, porque se sentem ameaçados e, como já me disseram, intimidados, de modo que uso muito este truque)
- Manter uma aparência que explore o melhor do corpinho e da carinha laroca (esta é infalível, porque as criaturas só gostam das mulheres bonitas dos outros, de forma que, quando mais giraças aparecerem, mais aumenta a probabilidade de os apanharem a babar-se para a badalhoca ao lado)
- Não transigir no pagamento das contas pessoais em restaurantes, hotéis e afins (e se os incentivarem a comprar-vos presentes caros é mais que certo que têm homem para a vida inteira)
Finalmente, e este é o ponto mais importante, sejam fieis e leais, porque se há coisa que prende um namorados são os dois altinhos na testa. Flirtar com cada gene Y que vos apareça à frente, fazer propostas indecentes ao melhor amigo dele, enrolar-se com o primo e dormir em casa do ex-namorado… minhas amigas, não há nada que um homem aprecie mais. E há que lhes dar razão. Já pensaram no tormento que é saber que se tem alguém à espera, que só tem olhos para nos, e que nunca nos vai deixar mal? Pleaseeeeee! Isso já não se usa. Eles, que nos amam e querem agradar, sabem disso, e fazem o seu melhor para manter a traição viva e presente. Pois há lá maior prazer do que viver na dúvida e estar bem no finzinho da lista de prioridades de alguém. A cereja no topo do bolo é apanhar o significant other em pleno acto, coisa que, obviamente, só faz para nos agradar.
Não se assustem se ao início não obtiverem sucesso nos primeiros 6 meses. Admitamos… nem todas dispõem do meu talento, que acredito ser inato. Posso não saber de física quântica, mas de perder namorados sei eu.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Jogos de lealdades


Certamente já vos aconteceu. Um dia, assim do nada, são abordadas por uma perfeita desconhecida no café, no Facebook, no mail, por telefone, que vos diz qualquer coisa do tipo: “Olá, tu não me conheces. Sou a Y, e sou, bem… assim uma espécie de namorada do X. Sei que vocês são amigos e preciso de te fazer umas perguntas”.
Esta “espécie de namorado” – nome vulgarmente dado à miúda com quem se enrolam, mas que não assumem em privado e muito menos em público – quer, basicamente, decifrar a vida de alguém, e crê que nós podemos funcionar como chave descodificadora.
Nesse mesmo instante somos confrontadas com os nossos instintos mais básicos de lealdade. De um lado temos o X (vamos chamar-lhe assim), que oscila algures entre um conhecido simpático, o melhor amigo do nosso namorado ou mesmo o nosso melhor amigo. Do outro lado temos uma fulana que nos é completamente estranha, mas que o destino colocou naquela situação onde um dia já estivemos ou onde tememos vir a estar.
Note-se que no meu enredo o “engandor” é um menino e a “enganada” é uma menina. Admito que nem sempre assim seja e que os papéis se possam inverter. Certamente há por aí resmas de gajas a vangloriar-se de ser médicas quando não passam de empregadas de Zara, ou, puxando um bocado mais a fantasia, a fazer-se passar por agentes secretos ou membros do Conselho do Estado (por favor, não esbocem um sorriso irónico a pensar que estou a atirar para o ar exemplos extremos porque o relato de hoje baseia-se em factos reais), ou fingir ser moçoilas solteiras e desimpedidas quando já são mães de 3 filhos. Certa mente que tudo isso acontece. Simplesmente, nada disso me aconteceu a mim. Nunca nenhum cavalheiro desgostoso e enganado me procurou para saber a dura verdade acerca de uma amiga ou conhecida que se tenha feito passar por quem na realidade não é.
Já o inverso… meus amigos, colecciono histórias. Não sei se por ter tantos amigos meninos, ou porque este blog passa a imagem de uma guerreira que lidera as hostes femininas, a verdade é que já não é a primeira vez que me vejo confrontada com uma senhora em busca da vida secreta de um senhor.
E assim temos duas lealdades em confronto neste ringue que é a minha cabeça-
No canto esquerdo do ringue tenho alguém a quem devo, pelo menos, um mínimo de lealdade. Porque faz parte do meu círculo de amigos, ou pelo menos de conhecidos de quem tenho boa impressão. Ou, na pior das hipóteses, porque o meu mais-que-tudo me matava se lha traísse o amiguinho. Do lado direito do ringue aparece-me uma miúda que não conheço, mas que me apresenta um drama que conheço bastante bem. Não sinto que lhe deva nada em particular pelo facto de partilharmos ambas um par de cromossomas X’s. Esta coisa da solidariedade feminina, para mim, pára no limite onde a minha amizade chega. Quer isto dizer que a devoção e fidelidade que tenho para com as “minhas meninas” não se estende, nem pouco mais ou menos, a todas as mulheres do planeta. Aliás, é exactamente a mesma devoção e fidelidade que nutro para com os “meus meninos”. Para mim o critério sempre foi o da amizade, da convivência, do carinho e do companheirismo, e não se deixa poluir por supostas afinidades femininas.
Mas, então, que raio me faz hesitar e não mandar estas desconhecidas dar uma volta? É que, de facto, o caalheiro do outro lado do ringue se portou mal, muito mal.
Acho o engano e a mentira uma filha da putice imensa, mais que suficiente para abolir alguém do meu coração. Quando é preciso inventar contos e fábulas sobre a nossa profissão, o nosso estado civil, as nossas idas e vindas, será que nós próprios não nos transformamos nesse momento numa grande e gigante mentira?
Mas, por outro lado (e vejam só como é tortuoso o meu pensamento), não creio que me caiba a mim levantar o véu. Não sou nenhum anjo vingador destinado a espalhar a verdade pelo mundo. Até porque, uma partezinha da minha cabeça medita igualmente sobre a história que me foi contada pela “ela” e faz-me recordar que não tenho motivo algum para duvidar dela mas, por outro lado, nada me assegura que seja verdade. Ou, pelo menos, toda a verdade, sem corantes nem conservante.
E ali fico, entre a espada e a parede, dividida entre as lealdades pelas quais me tento reger. A minha saída airosa tem sido, até à data, a de me escusar de intervir (em jeito de analogia jurídico-processual, com se fosse um juiz com interesse directo no caso), explicado à senhora que não me cabe a mim, sobretudo dada a posição que ocupo no enredo, contar tricas e laricas sobre o visado, dando a entender que o melhor que terá a fazer será confrontá-lo, olhá-lo nos olhos e, se for caso disso, terminar a conversa com uma joelhada nos tins tins.
E porque a situação assim o proporciona, até aproveito para deixar já um esclarecimento, que há muito se faz sentir, dados os reparos que me têm feito, porque ao que parece quando escrevo critico mais os masculinos que os femininos. Então, cá vai: não tenho nadinha de nada contra os homens. Pelo contrário, tenho tudo a favor. Desde logo, porque sou uma mulher heterossexual. Depois, confesso que até que tenho uma certa inveja de vocês que podem fazer xixi de pé e não ganham celulite nas coxas. Mas, precisamente porque sou uma mulher heterossexual, as minhas maiores razões de queixa são contra os senhores. É que nunca nenhuma miúda me deixou pendurada para uma saída, me traiu com terceiros, em suma, o meu coraçãozinho de “babe” nunca foi partido por mulher alguma. Já de vocês, ai, de vocês tenho histórias, e histórias, e histórias, tantas que podia escrever um blog sobre isso.

domingo, 5 de setembro de 2010

Na alegria e na tristeza


“Prometo amar-te e respeitar-te, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza todos os dias da nossa vida até que a morte nos separe”.
A vida é feita de altos e baixos. Nos altos queremos um homem suficientemente seguro de si que abra a garrafa de champanhe e brinde connosco. Nos baixos queremos um homem suficientemente forte para nos amparar as quedas.
Às vezes as pessoas preferem estar connosco quando estamos mal, porque assim se sentem mais precisas. E logo que vêm a nossa vida a andar para a frente pensam que se tornaram desnecessárias. Ou então não suportam que o nosso caminho avance e o deles não. Isto é particularmente certo quando a vida que anda é a dela e a que estagnou é a dele. Homem que é homem aguenta muitas coisas, muitos socos e muitos copos de whisky, mas não uma mulher que ganhe mais, que tenha mais sucesso, que granjeie mais admiração. Por isso, quando encontrem um que vibre com os vossos sucessos, minhas amigas, não o deixem fugir porque não encontrarão muitos assim. É bom ter ao nosso lado alguém que não se sente ameaçado, nem rebaixado, nem inferior. Que, bem pelo contrário, se sente o homem mais feliz do mundo por nos ter ali. Quem é inseguro gosta de se sentir forte, o líder, o herói. Para isso precisa de ter junto a si quem o faça pensar que ele é superior, a estrela do universo. Ora, os nossos momentos felizes dificilmente deixam espaço para o outro brilhar.
Mas por muita falta que nos faça um companheiro para a vida nas horas felizes, a verdade é que é nos momentos menos felizes que mais valor damos a quem permanece junto a nós, aguentando tempestades, birras, dramas e tristezas. É que por muito fortes que nos façamos perante os demais quando somos assaltos pelas agruras da vida é na intimidade do lar que tiramos a máscara de super-mulher e passamos a ser uma menina, indecisa e insegura. É perto daqueles que mais gostamos que mostramos as fragilidades, as incertezas, os medos, as raivas, as fúrias mesmo. Quando todos os outros nos elogiam a força e a coragem ele (ou ela) sabem que no fundo estamos assustadas e queremos um mimo, um aconchego, um abraço.
Ainda há dias vinha eu pela rua e de repente os meus pensamentos foram assaltados por uma música que, bem, enfim… como dizer? Quase tenho vergonha de a conhecer. “Thank you for loving me
For being my eyes
When I couldn't see
For parting my lips
When I couldn't breathe
Thank you for loving me”
Eu sei… é do piorzinho que se fez por aí. Nem mesmo um Bon Jovi ainda trincável em plena Roma salva a musiquinha. Mas a verdade é que enquanto caminhava cabisbaixa rumo a casa pensava é como é bom ter alguém para nos receber e nos confortar. Alguém que nos diz que, no matter what, tudo vai correr bem.
Não sou uma pessoa fácil. Em boa verdade ninguém o é. Mas eu sou um bocadinho menos fácil. O mero facto de existir alguém neste mundo que me acha suficientemente especial para me aturar quando toda a minha vida se desmorona é louvável. E espero que ali esteja sempre, na alegria e na tristeza. Até que a morte nos separe. Ou até que ele se farte de mim.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Euzinha contra a maldade



Se eu fosse uma super-heroína (sem qualquer alusão aos alucionógenos) queria usar uma capa e lutar contra a maldade. Sabem do que falo. Daqueles que tornam os nossos dias um bocadinho pior. Pode ser o vizinho da frente que nos riscou o carro, o colega de trabalha que reivindica para si os nossos feitos, um ex-namorada que não larga do nosso pé, enfim, o mundo está cheio de gentinha frustrada com as suas vidinhas miseráveis para quem o único regozijo deriva da maldade.
Há duas formas de lidar com este tipo de espécimes. Uma delas, mais fácil, consiste em ignorar. Fazer de conta que não estão lá. A minha mãe sempre me ensinou que a melhor forma de lhes demonstrar a nossa superioridade é precisamente passar por eles como se nem os víssemos. Mas eu sou desprovida dessa alma caridosa que enche o corpo da minha progenitora. E, sobretudo, sou empurrada por aquele idiota sentido de justiça que não só arruinou a forte probabilidade de uma brilhante carreira cinematográfica ao fazer-me escolher o curso de direito, como parece prestes a arruinar a minha pacífica existência com esta história de salvadora do mundo. Ah, o ego de uma miúda não tem limites. Vai daí, tenho este ímpeto que impede de ignorar a malvadez e a estupidez e, em vez disso, me encoraja a salvar a humanidade das garras dos maus.
A questão é que eu acho os seguintes: as pessoas más estão, necessariamente, de mal com a vida. Os motivos podem ser os mais variados. Ou têm o pénis pequenino e tentam compensar essa pequenez com prepotência. Ou morreu-lhes o peixinho de estimação quando eram putos, de modo que vivem em constante sede de vingança. Ou não são muito espertos, pelo que tentam esconder o minúsculo tamanho do seu QI com acções maldosas para nos fazer pensar que são génios do mal. Ou sofrem de prisão de ventre e a única forma de se aliviarem é mesmo tornar a nossa vida uma merda. Pardon my french. Um cocó.
Enfim, as explicações científicas são variadas e todas elas bastante lógicas e coerentes. Mas creio que nenhum tem força suficiente para funcionar como causa de justificação da ilicitude ou de exclusão da pena. O que quero dizer com isto é que, por mais miserável que seja a vida destes pobres diabos, nenhum de nós, comuns mortais, tem que aturar isto. After all, todos temos vidas complicadas. Eu própria tenho os meus dramas existenciais. Às vezes gostava de caber na minha roupa de há 10 anos. Mas não é por isso que ando por aí a difamar as pessoas. Também eu sofro com as derrotas sportinguistas, mas essa dor não me dá o direito de humilhar os outros. Gostaria imenso de poder gastar mais dinheiro para os meus devaneios materialistas do centro comercial, mas daí a sentir-me legitimidade para andar pelo mundo a gritar com quem me aparece à frente vai uma grande distância. Todos temos problemas. Mas os outros não têm culpa disso. E se por acaso nos esticamos e tentamos transformá-los em sacos de pancada das nossas mazelas emocionais, aí, meus amigos, arriscamo-nos a um destes dias apanhar pela frente um tipo mais temperamental que nos ponha no devido lugar.
Ora eu, se estou cansada (ultimamente, quase sempre), tendo a ignorar aplebe. Penso para comigo que uma pessoa que se satisfaça com a malvadez equivale àqueles desgraçados que o único sexo que têm é consigo próprios, de modo que reservo cerca de 2 ou 3 minutos a lastimá-los e sigo em frente. Até porque já tenho idade suficiente para saber que muitas vezes nós, os super-heróis, não conseguimos vencer as forças malévolas do mal, e quem se lixa é o mexilhão. Mas depois, ah depois, fico com aquele nó na garganta, começo a ver tudo turvo, quase nem consigo respirar, e sei que é o meu gene da justiça a fazer das suas. E aí abro a minha boca e digo o que tenho a dizer. Confesso que por estas e por outras já perdi muito. Mas, God, que bem que sabe fazer aquilo que está certo. Porque o certo – e desculpa-me mamã – não é fechar os olhos. Essa é a solução fácil, a que não nos causa incómodos. Tomar a atitude certa e justa pode acarretar muitos dissabores: fazer-nos perder o emprego, excluir-nos de um grupo, ser comentados pela multidão. Mas cá dentro ouvimos um aplauso por saber que tomámos a atitude corajosa, de quem os tem bem no sítio, de quem não teme defender aquilo em acredita, de quem é bem-formado e age de acordo com os seus valores. Faço uma vénias a todos esses super-heróis