sábado, 29 de maio de 2010

If I’m so fucking special, why am I alone tonight?


Ele era fantástico, na medida em que os homens da vida real o podem ser. Não era cavaleiro andante nem matava dragões, não era um daqueles super-policias que perseguem bandidos nem um Indiana Jones, mas era um tipo bem-formado, muito inteligente, culto, divertido, honesto, cheio de bons sentimentos, alto e bem-parecido. Um príncipe.
Ela era fantástica, na medida em que as mulheres da vida real o podem ser. Não era uma criatura alada nem uma super heroína de mini trajes colados a corpo, não agia como uma missionária caridosa em pleno deserto africano nem como uma enfermeira em tempo de guerra. Mas era inteligente, divertida, criativa, apaixonada, sustentava-se a si própria, com um bom índice de massa corporal e um aspecto que não fazia vomitar. Uma princesa.
A diferença é que toda a gente sabia o fantástico que ele era, porque ela não se cansava de falar dele: aos pais, aos primos, aos tios, aos amigos, às amigas, ao ex-namorado, aos coleguinhas de trabalho, à costureira, à telefonista, até o gato já era conhecedor das virtudes daquele homem. Já ela, bem, na verdade ninguém sabia quem ela era. Provavelmente ela era isso mesmo: o segredo mais bem guardado da vida dele.
Ela começou por pensar – até as mulheres fantásticas podem ser ingénuas – que ele a queria proteger de uma família complicada, problemática, com artimanhas capazes de arruinar aquela história de amor. Esta uma coisa que fazemos às vezes: inventamos desculpas para os outros para não sermos confrontados com as suas imperfeições. E com as nossas também afinal. E assim viveu iludida durante muitas luas, dizendo para si própria que isto só demonstrava o fantástico que ele era. Certamente a senhora sua mãe seria uma daquelas sogras de filme, que num acesso de loucura chegam a assassinar as malvadas que se atrevem a roubar-lhes o seu menino.
O curioso da história é que este homem fantástico tinha um irmão, e este irmão tinha uma namorada, também ela certamente fantástica, mas essa era mais que bem-vinda no seio da família. Jantares em conjunto, fins-de-semana em conjunto, até férias em conjunto. Logo, se alguém ali tinha coisas que mereciam ser escondidas não era certamente a família dele, era ela. Ela. A mulher fantástica.
Ela pensava muitas vezes que poderia fazer para ser mais fantástica. Bem, certamente muitas coisas. Mas, em boa verdade, ela estava satisfeita com a pessoa que era. O resto do mundo parecia bastante satisfeito também. Agora que olhava para trás via até que todos os conhecidos, amigos, namorados e pseudo-namorados a tinham exibido com orgulho perante pais, irmãos, família alargada e afins. Não arrotava, não cuspia para o chão, não se coçava em público. Logo, de que raio tinha ele vergonha?
Sim, é certo que ela não era uma rapariga vulgar. Admitamos que tinha no seu passado vivências pouco usuais para uma ordinary girl. Que tinha ambições pouco usuais, que tinha gostos pouco usuais. Que levava até uma vida pouco usual. Assentemos já aqui que ela não era a girl next door. Mas nada disso a impedia de ser uma mulher fantástica.
Os dias iam passando e esta mulher fantástica ficava cada vez mais triste, mais abatida, mais insegura. Podemos ter um ego do tamanho do mundo, mas, no fundo, bem lá no fundo, somos seres tremendamente frágeis. Todos queremos ser amados e aceites. Em última instância é essa a natureza humana. E quando não o somos, nem ninguém nos apresenta uma explicação racional para este fracasso, tudo o mais perde sentido. Numa autêntica fúria filosófica questionamos a nossa própria razão de ser, quem somos, de onde vimos e para onde vamos. E ela, que era uma mulher fantástica, não sabe para onde vai, mas sabe que não vai por aí. Vestiu-se, pegou no saco, saiu porta fora e meteu-se um comboio. Nem olhou para trás. E assim ficou sem saber se era ela que não era suficientemente especial para ele, ou se era ele que não era suficientemente especial para ela.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

O amor ou a “xavi”?


A nossa existência terrena é dominada por chaves (e a não terrena também, porque afinal o que o suposto S. Pedro segura na mão é a chave do suposto céu). Vivemos em pavor de perder a chave de casa e ter que chamar os bombeiros, não vá ser que nos apareça um moço daqueles altos, fortes e espadaúdos que preenchem calendários por esse mundo fora. Guardamos religiosamente a chave da casa da amiga que nos pediu que ficássemos como salvaguarda de um eventual incidente de “fiquei fechada fora de casa em pijama”, com terror imenso de que esse dia chegue e, das duas uma: ou não estamos lá para gozar o prato, ou estamos, mas sem a chave, que entretanto perdemos. Atulhamos a mala de milhentas chaves: chave da casa dos pais, chave da casa dos amigos mais íntimos, chave do carro, chave do cacifo do ginásio, chave do escritório, chave das gavetas do escritório, chave da garagem, chave da caixa do correio e, se tivermos jogado bem os dados, a chave da casa dele.
E é aqui que eu quero chegar. à chave da casa dele.
Há décadas atrás, uma senhora de voz estridente gritava em pleno prime-time televisivo: “O dinheiro ou a “xaviiii”?” E o público – imagine-se quem ia assistir a estas coisas – gritava, ora pelo dinheiro, ora pela “xavi”. E eu, do alto da minha infância, percebi que as chaves ocupavam um posto primordial na vida das pessoas.
O culminar dos variadíssimos incidentes envolvendo chaves é mesmo aquele momento em que pensamos para com nós próprias: “Ora bem, esta coisa já dura há tempo suficiente para se chamar namoro, já partilhámos leito, tecto, pratos e fluidos, de modo há que dar o próximo passo e oficializar o amasso. De que raio está ele à espera para me dar a chave de casa?”
Há quem pense que este é um acto redundante. Pois se as casas têm campainhas e as pessoas têm telemóveis não se vê vantagem em ter uma chave que, provavelmente, nunca usaremos, especialmente aqueles de nós que se pautam por um mínimo de respeito pela privacidade dos outros.
Mas, lá está… isto é a parte racional de mim a expor o assunto. Porque a outra parte, a emocional, essa quer desesperadamente a chave que simboliza uma qualquer forma de formalização de uma coisa que, por mais modernas e liberais que sejamos, carece de uma base fáctica que sustente as expectativas de uma vida em comum num futuro próximo. Aquele pedaço de metal não é, apenas, uma chave meus senhores. É uma garantia de proximidade existencial. Uma hipoteca do espaço do coração dele que aspiramos a que seja nosso. Um indicio da confiança que tem em nós. Um sinal de que não estamos a perder tempo com mais um tipo que só nos telefona quando não tem mais nada que fazer. Uma amostra do que podemos almejar da relação. Uma certificação de uma relação que de facto já existe, pelo menos para nós e para ele, mas que desejamos esfregar na cara daquela vizinha intrometida que anda sempre de shortinho e top. Uma tomada de posição perante a família e os amigos, a dizer “cheguei, vi, venci, e agora posso abrir a porta sozinha”. Uma promessa de dias felizes, em que dividamos contas e conta corrente. Um acto de fé em mais um ano juntos. A chave é, no fundo, a tal “xavi” que prometia delicias insuspeitas.
Admito que para os homens este é um detalhe de somenos. Mas, como bem sabemos todos (nós, porque já nascemos a sabe-lo; eles porque aprenderam da pior forma), as mulheres adoram detalhes. Na verdade, tudo se resume a detalhes: o berloque de um sapato, a bainha de uma saia, o tamanho das pétalas de um ramo de flores, as toalhinhas perfumadas no quarto de banho do restaurante. Detalhes. E a chave é um desses deliciosos pormenores capaz de uma mutação total na relação que entretanto estagnara.
E, sobretudo, evita-se aquele momento embaraçoso em que chocamos com algum outro morador à porta do prédio, daqueles que estão fartíssimos de nos ver por lá, e temos que empatar tempo (já sabem: conversas fictícias ao telemóvel, esgravatar na mala fingindo procurar uma chave fictícia) até que o dito vizinho saque da sua chave e se decida a abrir a porta antes de descobrir que nós entramos à socapa. Evitam-se as perguntas impertinentes de amigas: “Então, ele já te deu a chave?”, perante as quais somos forçadas a inventar a desculpa da relação aberta, do respeito pelo espaço de casa um, etc e tal. Já para não falar das súbitas mudanças de planos só para não chegar a casa dele demasiado tarde face àquilo que seria aceitável exigir de um ser humano que se tem que deitar cedo e acordar cedo, de modo que o toque de campainha está completamente excluído.
Depois, a chave serve também para marcar o final de uma era. A única vez que fui a feliz possuidora da chave da casa de alguém foi exactamente a entrega da chave o acto que escolhi como sendo o sinal de que havíamos chegado a um ponto de ruptura sem retorno. Quando ainda não existe casamento a devolução das chaves aos respectivos proprietários funciona quase como a assinatura dos papéis de divórcio. Já não há volta atrás. Enquanto esse momento não chega sempre poderemos marcar um café daqueles que servem para decidir o destino e entrega das chaves e, en passant, falar da relação, quem sabe retomá-la, com o argumento de que, afinal, “ainda tens a chave lá de casa”.
Nunca cheguei a perceber se a minha opção seria escolher o dinheiro ou a “xavi”. Nem alguma vez no campo amoroso se me colocaram as coisas nestes termos. Mas posso garantir que naquele momento em que fiz força nos dedos até ficarem roxos de forma por forçar a boa da “xavi” no meu porta-chaves senti-me como a Alice prestes a abrir a porta do País da Maravilhas.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Um ano das nossas vidas


Façam o seguinte exercício: olhem para trás, para um ano atrás das vossas vidas e vejam o que mudou. Provavelmente mudaram de casa. Ou de cidade. Quem sabe de emprego. Talvez tenham mudado de namorado, de marido, ou mesmo de estado civil. Mudaram o número da roupa, o número do telefone e porventura o número de filhos.
Eu, quando olho para trás, vejo outra Cinderela diferente. Sem sapato nem perspectivas de encontrar um que lhe coubesse no pé. Um bocado perdida até. E ainda sem ter feito as pazes com a vida.
Se fizer agora um balanço do que foram estes 365 dias não posso deixar de sentir algum contentamento interior pela forma como dei a volta às coisas. Mas por mais que o meu ego gostasse de chamar o si o mérito desta situação abro mão à palmatória e atribuo boa parte dele a quem em acompanhou desde então até hoje.
Desde logo, por me ter dado um motivo. Estúpido, não é? Tremendamente estúpido que eu necessite de um ímpeto exterior para mudar o que já devia ter sido mudado. Como se a minha mera vontade não fosse suficiente. Mas é que pelos vistos não era. Carecia daquele empurrão, daquele querer que funciona como uma espécie de chamamento. Eu queria mudar mas não tinha um propósito definido. Assim que esse propósito se corporizou – no caso, num corpo de quase 2 metros – tudo pareceu evidente, simples e fácil. Note-se bem que digo “pareceu”, não “foi”. Porque, de facto, foi tudo menos isso. Em boa verdade posso até dizer que tudo se tornou mais complexo, mais problemático, mais arriscado. Como é que não sucumbi perante tanta adversidade? Bem, desde logo porque sou uma sobrevivente nata. Depois, porque tive um colete salva-vidas este tempo todo. Os salva-vidas são aquelas pessoas que estão lá. Apenas isso: estão lá. Ouvem as nossas queixas até à exaustão. Limpam-nos as lágrimas. Levam-nos a comer um gelado. Preparam-nos o jantar naqueles dias em que mal nos mexemos. Fazem-nos festinhas na cabeça quando só nos apetece desaparecer. Vão-nos buscar e levar ao aeroporto, acalmam as nossas angústias, matam os vírus malignos que nos atacam os Pc’s. Tivessem eles asas e eram anjos. Não as tendo, são candidatos a meias-laranjas.
É que eu, de todo, não sou um anjo. Sim, bem sei que sou a oitava maravilha do mundo. Mas, apesar disso, não é fácil conviver comigo. E há-de haver momentos de autênticos pensamentos homicidas. Logo, quem lhes resistir é o meu herói.
Suponho que tal como as empresas fazem balanços no final do ano, para aquilatar os lucros e os prejuízos, também nós podemos fazer balanços anuais de forma a comparar o que perdemos com o que ganhámos. É claro que muitos aspectos se tornaram mais difíceis: o ter que dar contas, o planificar a dois, o sentir a falta de quem devia estar. Mas depois, ah, depois aparece todo um monte de coisas boas, doces e coloridas que nos faz pensar como poderíamos nós agora viver já sem elas.
Daqui por mais um ano, quando chegar o momento de novo balanço, posso até chegar a uma conclusão diferente. Já se sabe que os finais felizes não duram para sempre e que um ano pode virar a nossa existência inteiramente ao contrário. Mas, agora, neste momento, neste dia, o ano que deixei para trás faz-me ter vontade de me agarrar bem a ele para que não fuja e se repita incansavelmente nos outros anos que ainda tenho.

sábado, 22 de maio de 2010

A insustentável leveza das amizades masculinas


México. Praias paradisíacas. Um resort digno de artigo da revista. Comida afrodisíaca. Cocktails que nos fazem perder a cabeça. O sol a escaldar na pele. Biquínis minúsculos e vestidos transparentes. Saunas e jacuzzis. Música quente que aproxima os corpos. Eu e… um amigo. Um amigo? Pois é bebé. Para aquelas de nós que passaram cerca de 90% da sua vida como mulheres adultas sem relação consistente os amigos são o refúgio (ou será o refugo?) possível que nos permitem fazer as coisas que as outras, sortudas, fazem com as suas caras-metades.
Sendo uma boy’s girl, tenho feito praticamente de tudo com os meninos da minha vida: fui acampar na praia e partilhei tenda à noite; deliciei-me com jantares pseudo-românticos, onde à luz das velas se ouviam violinos; arrastei-os a casamentos, baptizados e outras festas de famílias; massacrei-os em tardes de compras, insistindo para que espreitem como me fica o little (sublinhe-se o adjectivo) black dress; viajei com eles para o outro lado do mundo. Tendo sempre tido um melhor amigo na minha vida – e como é bom contar com um peito musculado onde chorar quando nos partem o coração – apercebo-me agora que meus os momentos mas significativos foram partilhados com esses in between, que não são amigas nem amantes, e em quem confiamos cegamos a escolha do batom.
Claro que esta convivência tão masculina sempre me despertou dilemas morais: qual o grau de critica que é admissível dirigir à nova namorada? Será que posso fazer birra quando não me atende o telefone? Quando dançamos juntos, a que distância devem estar os nossos narizes? Devo mudar de roupa na frente dele sem, pelo menos, lhe pedir que vire as costas?
Mas o maior dilema moral aparece quando temos que conviver com o amigo e o namorado. Eu, tu e ele (mas quem é o “tu” e quem é o “ele”?).
E assim regresso ao meu ponto de partida. Viagem ao México marcada. Namorado indisponível. Será que terei que recorrer de novo ao “closer friend”? O problema é que, exceptuando aquele que é quase como um irmão, em todos os outros amigos desponta a possibilidade de haver sempre algo mais. Afinal, somos homens e mulheres, e há instintos que nos ultrapassam. Qual o grau de elasticidade suportável por uma amizade sem que irremediavelmente se torne “one week stand”? E qual o grau de tolerância suportável por um namorado face ao leque de amigos, limpinhos e bem-compostos, que uma rapariga consegue ter?
Sempre defendi que os namorados vêm e vão, mas os amigos ficam. Mas sei também que quantos mais amigos, e mais próximos, tivermos pertinho de nós, mais depressa os namorados se vão.
Ah, os eternos dilemas morais! Acho que preciso de ir ao México pensar neles."

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Declaração de direitos das mulheres de 30


Art. 1.º (Direito geral ao respeito)
As mulheres de 30 têm direito ao respeito adequado à sua idade, desde que o mesmo não seja equivalente ao correspondente a tias de 80 anos.

Art. 2.º (Direito a evitar perguntas impertinentes)
1- São proibidas, e severamente sancionadas, perguntas inquisitórias destinadas a averiguar a data de eventuais casamentos ou o motivo pelo qual tal ainda não ocorreu.
2- O mesmo se aplica a quaisquer questões sobre:
a) Nascimento de hipotéticos filhos
b) Causas de ruptura de namoro
c) Idade
d) Peso
e) Numero da roupa


Art. 3.º (Direito à protecção do sigilo quanto à idade)
1 - A mulher de 30 tem direito a que a respectiva idade seja tida como sigilosa. Este respeito abrange o direito a bolos de aniversário sem número de velas, e a cantos de Bilhetes de Identidade insuspeitamente carcomidos no local onde revelariam a data de nascimento.
2- Não será considerada mentira a ocultação da idade, ainda que recorrendo a um número falto.

Art. 4.º (Direito à protecção do sigilo quanto ao peso)
1- A mulher de 30 tem direito a não revelar o seu peso exacto. Para este efeito admite-se que suba apenas um pé à balança.
2- Quanto o expediente anterior for de todo impossível deve subtrair-se ao peso indicado pela balança um valor que oscilará entre os 5 e os 10kg, dado ser de conhecimento comum que a sabedoria aumenta com a idade e a mesma adquire peso substancial na massa corporal.



eArt. 5.º (Direito a relacionamento com homens mais novos)
1- Em caso deve uma mulher de 30 ser forçada a conviver com espécimes do sexo masculino substancialmente mais novos, salvo na medida em que os mesmos sejam um boy toy ou a sua companhia se destine a um dos seguintes objectivos:
a) Despoletar inveja numa suposta amiga que se insira no qualificativo de “cabra”
b) Despoletar ciúme num ex-namorado
3- Quando o relacionamento com homens mais novos resultar da exclusiva vontade da mulher, deve o mesmo ser respeitado e quaisquer criticas daninhas poderão ser respondidas com sarcasmo e mesmo rudeza.

Art. 6.º (Direito a ser imune a tratamento inumano e degradante)
1- É considerado tratamento inumano e degradante comparar, por qualquer meio e à luz de qualquer critério, a aparência física da mulher de 30 à de miúdas de 20 anos.
2- Exceptua-se do numero anterior o casos em que o resultado da avaliação seja mais benéfico para a mulher de 30, caso em que deve o mesmo ser largamente publicitado, inclusive na comunicação social.


Art. 7.º (Direito a descontos obrigatórios)
Os estabelecimentos comerciais produtos largamente procurados pelas mulheres, mormente sapatos, roupa interior, malas e jóias, estão obrigados a fornecer os mesmos a preço reduzido de 50% às mulheres de 30, atendendo a todo o dinheiro que já gastaram nas ditas lojas ao longo dos anos.

Art. 8.º (Direito ao sucesso profissional)
À mulher de 30 tem direito a atender chamadas de trabalho durante encontros e desmarcar compromissos à altura da hora por questões laborais, sem por isso ser criticada pelo companheiro. Entende-se que esta importante ressalva se explica pelo facto de não a ter pedido em casamento antes dessa idade, levando a que ela se envolvesse cada vez mais na sua vida profissional. Por conseguinte, este comportamento feminino será, afinal, imputado ao homem.

Art. 9.º (Direito à designação apropriada)
1- A mulher de 30 tem direito a existir o tratamento por “senhora” ou por “menina”, confirme o trato que mais se adeqúe à situação.
2- A designação “trintona” será abolida do léxico português, bem como qualquer outra expressão que se pretenda referir às mulheres de 30, dado que não há palavra alguma com essa terminação que tenha conotação positiva
3- Em conformidade com o número anterior, as mulheres de 30 serão designadas de “trintinhas”
4- Do disposto no número 1 exceptua-se o termo “boazona”, uma vez que “boazinha” é expressão própria de pãezinhos sem sal e meninas de catequese.

domingo, 16 de maio de 2010

A estranha analogia entre desgostos de amor e infecções urinárias


“Descobri que já não te amo”.
Esta é provavelmente a pior sequência de palavras do mundo. Nunca andei perdida no meio de uma onda gigante (que já se vê que não faço surf) mas tenho para mim que a sensação deve ser próxima a esta. Tonturas. Náuseas. Falta de orientação. Aumento exponencial do batimento cardíaco. Uma sensação de vómito junto à boca. Vista turva. Nó na garganta. Dores de estômago. Olhos a arder com aquele oceano de lágrimas encurralado cá dentro. E tristeza. Uma tristeza absoluta, brutal, esmagadora.
Há muitas formas de terminar uma relação. A mais dolosa é aquela em o sentimento desaparece de um dos lados mas não do outro. Quando somos nós o “um” a ruptura não deixa de ser difícil. Mas quando o “outro” … quando somos o “outro” só queremos que alguém nos acorde, porque o que estamos a viver é demasiado mau para ser vivido, de modo que nos resta a hipótese de estamos a pesadelar (nota de rodapé: se as vidas se vivem e os sonhos se sonham, porque não se hão-de os pesadelos pesadelar?)
Quando uma coisa destas nos acontece não é só aquele amor que vivemos que fica irremediavelmente marcado. Nem só o período de luto e convalescença que se lhe segue. São, no fundo, todas as relações que venham a povoar as nossas vidas, pelo menos até conseguirmos ultrapassar a rejeição.
É como se até aí o nosso corpo fosse imune a certa doença, e a partir desse momento se tenha tornado irremediavelmente sensível ao vírus, de tal forma que o mais pequeno descuido nos faz adoecer de novo. E mesmo quando não estamos efectivamente doente paira sempre a sombra de que poderíamos estar. E o pior é isso mesmo, viver com uma sombra sobre a cabeça, na angústia do que poderá nunca acontecer, mas cuja ocorrência não é totalmente impossível.
Uma vez tive uma infecção urinária tão dolorosa e prolongada que durante quase um ano, sempre que ia repetidamente ao quarto de banho começa a pensar que a infecção tinha voltado e até chegava a sentir os restantes sintomas, o que me levou a usar e abusar de antibióticos, de tal forma que o meu médico diz que foi uma sorte o meu corpo ainda reagir a eles. Esta é a melhor analogia que consigo arranjar. Devido a um choque emocional particularmente intenso podemos ficar prisioneiros desse momento e transpor para as novas relações o nosso medo mais profundo de que se repita. Usamos e abusamos de meios de defesa que acabam, não por nos proteger, mas por nos afastar. De forma que quando o outro resvala para um comportamento minimamente parecido aquele que tão bem conhecemos – e tememos – fechamo-nos como um porco espinho porque aquela sirene irritante do nosso inconsciente começa a girar, a girar, até se torna num alarme ensurdecedor. Eventualmente acabamos por ser nós a terminar a relação porque, apesar de tudo, queremos manter uma réstia (mesmo bem pequenina) de dignidade.
Ele (ou ela) não liga durante um dia? Notámos uma entoação estranha na sua voz? Parece menos entusiasmado(a) com a nossa presença? Menos combalido pela nossa ausência? Permanece em silêncio enquanto despejamos frases inteiras? Obviamente que a história terminou. A certo ponto desejamos até que termine mesmo, e o mais depressa possível, só para pôr fim a esta ansiedade. Repare-se: tal como pode haver dez milhões de causas que nos levam a fazer xixi a toda a hora (nervos, excesso de água, demasiada cafeína) também existem hipoteticamente milhares de milhões de razões para os comportamentos dos outros. Só que, a certa altura desta nossa doença, aos nossos olhos todas essas razões se prendem connosco, com aquilo que somos ou com aquilo que não somos.
Chega-se ao ponto, verdadeiramente doentio, de transpor para a nossa vida aquilo que vemos na vida dos outros. Ela acabou com ele na serie da Fox? Certamente é o que nos espera amanhã à nós. O primo da tia da vizinha da nossa amiga terminou abruptamente com a namorada? Hum… antevemos já o nosso futuro. No fundo, não somos muito diferentes daquele hipocondríacos que sentem no corpo as maleitas dos outros mal ouvem a descrição dos sintomas.
Moral da historia: os desgostos de amor são infecções urinárias. Devemos precaver-nos dele mediante cuidados mínimos de higiene social e afectiva, atacá-los ao menor sinal, mas não perder tempo a pensar neles. Se tiver mesmo que ser, façam-no na casa de banho, com as cuequinhas pelos tornozelos.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Que salvaria eu se a minha vida estivesse a arder?


Certamente já todos imaginámos este cenário dantesco: temos a casa a arder e só podemos voltar atrás para salvar uma coisa. O que seria? Um quadro famoso? O medalhão da avó? As fotos que guardam a memória dos anos passados? Aquele par de sapatos? O computador onde guardamos a tese?
E se ao invés da casa, fosse a nossa vida? Se as chamas ameaçassem consumir toda a nossa vida, e apenas nos fosse dada oportunidade de resgatar uma parte dela, que salvaríamos nós?
In the end of the day é tudo uma questão de prioridades.
Antes de escrever o que escreverei a seguir devo confessar que eu mesma sou uma workaholic. Há dois anos que não tenho férias. Sou incapaz de passar um serão a ver um filme, sem estar ao mesmo tempo agarrada a livros. Já deixei de estar presente em celebrações (aniversários, casamentos) por compromissos de trabalho. Viajo sempre com um PC. Tenho o telemóvel de trabalho constantemente ligado. Ando há meses a dormir 6 horas. Já fiz directas para poder estar em reuniões. Costumo andar com um bloco de notas para tomar apontamentos. Já me esqueci do que é um fim-de-semana. Cheguei ao ponto de sair à noite e retomar o trabalho às tantas da manhã.
Tenho telhados de vidro neste ponto, de modo que digo isto bem mansinha. Não é tanto o dinheiro que me move – se fosse por isso já há muito tinha arrumado as botas e regressado à casa do meu pai – mas o sucesso, o brio pessoal, o reconhecimento pelos meus pares.
Mas, se a minha vida deflagrasse em chamas, acham que era alguma coisa destas que eu salvava? Não. Porque todo este esforço, este empenho, este sacrifício até, só tem sentido na medida em que seja sustentado por uma relação pessoal que me permita desafiar-me até ao limite. Posso perder o resto, mas não a posso perder a ela.
O problema de muitos de nós é que vivemos obcecados pelo trabalho. Provavelmente sempre assim foi, mas somos filhos de uma geração que levou a competitividade ás suas últimas consequências.
Há bem pouco tempo dizia-me uma boa amiga que chegara à conclusão que por força do trabalho tinha descurado o seu casamento, e que só agora compreendera como durante tanto tempo tivera as prioridades totalmente invertidas. Foi necessário deixar este trabalho e arranjar um outro, com menos amarras e mais tempo disponível, para perceber que a coisa mais importante, e aqui cito-a ipsis verbis, “era ter um companheiro para a vida”.
É bem verdade minha querida amiga. Os trabalhos vêm e não. Uns melhores, outros piores, por vezes com pausas intermédias. Mas por mais importante que ele seja e por mais realizadas que nos possamos sentir com certo emprego, a verdade é que chapéu há muitos e trabalhos também. Mas companheiros e companheiros há só um. Insubstituível, incontornável, irrevogável.
Há momentos na vida em que o sucesso profissional nos inebria, porque de facto temos essa dimensão da nossa existência totalmente preenchida: um emprego desafiante, um salário bastante razoável, reconhecimento do mérito. Parece que cada dia apenas confirma o bons que somos naquilo que fazemos. Eu já vivi esses momentos. Mas sozinha. Festejava sozinha as minhas vitórias profissionais e sozinha ia para casa onde dormia sozinha numa cama enorme, dando palmadinhas nas minhas próprias costas porque não havia ninguém para me abraçar e partilhar comigo aquelas vitórias embrulhadas em artigos, teses e palestras. É como saborear um fantástico petit gateau de chocolate naqueles dias em que devido à gripe as papilas gustativas deixaram de funcionar. Ou seja, estamos a viver o nosso momento de glória, mas não há mais ninguém para o apreciar.
Depois tive os outros momentos. Aqueles em que me senti uma imbecil incompetente, e perguntava a mim mesma qual seria o meu talento oculto. Sabem do que falo: dias em que derramamos café num memo importante, em que damos uma argolada na frente de alguém que queremos impressionar, em que deixamos passar um erro crasso que afunda todo o projecto. Nessas alturas a única solução é mesmo bater com a cabeça na parede, dar um grito bem grande no metro e poder chegar a casa sabendo que alguém lá estará para nos tratar galo que fizemos na testa ao empurrar a parede para dentro e nos fazer chá para a rouquidão provocada pelo grito. Ouvir-nos e abraçar-nos. Simplesmente, estar ali. Nos bons e nos maus momentos, até que o desaparecimento do amor nos separe.
Quando encontramos uma meia laranja e assumimos para com ela o compromisso de partilha de uma vida isso torna-se o objectivo que aglomera e dá sentido a tudo o mais que possamos fazer. É isso que justifica acordar às 6 da manhã para ir trabalhar, fazer serões pela noite dentro, teclar até bater com a cabeça no teclado. Tudo em prol desse projecto comum. E enquanto ele (ou ela) estiver são nosso lado sabemos que nada de mal pode acontecer.
Era isso mesmo que eu salvaria das labaredas da minha vida. Sem hesitar.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Graças e desgraças na corte de um Estado laico


As ruas ficaram desertas de carros e do atavio daqueles que correm para o trabalho, mas em compensação encheram-se de polícias. Do céu chegava o som ininterrupto de um helicóptero, quase fazendo crer que estávamos numa espécie de Cabul. Parte dos metros e dos autocarros desapareceu do mapa de quem devia chegar ao emprego. Aliás, os empregos do Estado desapareceram por um dia. A cidade parou. Quase se diria que Jesus Cristo em pessoa desceu à terra e logo aqui em Lisboa. Mas não, é só o Sumo Pontífice da Igreja Católica que decidiu dar um ar da sua graça por terras neste cantinho do mundo. Isto, se ele tivesse graça alguma.
Não sou católica. Já o disse várias vezes, a propósito de várias coisas. Tenho cá a minha fé: em mim, em vocês todos, nos saldos, em cremes contra a celulite, num Sporting campeão, e até há dias em que acordo com uma fé num ser superior e transcendente. Não lhe chamo Deus. Não lhe chamo nada porque não sei que nome tem. Se calhar é mesmo Deus e ainda não dei por isso.
Mas não tenho nada contra as várias fés, nem contra católicos em particular, nem contra o menino Jesus, nem contra o Papa. Verdade seja dita que este senhor Ratzinger não me caiu no goto. Nem é por causa do suposto passado nazi, nem do suposto encobrimento aos casos de pedofilia, porque ainda não tive comprovação alguma de que tudo não passasse de um testemunho de ouvir dizer. Digamos que é uma antipatia pessoal, sem razão fundada que não seja a total ausência de empatia. Se João Paulo II despertava em mim aquele carinho de quem recorda um avô, este senhor faz-me pensar em… nada, diria mesmo.
Diz quem sabe que é uma cabeça brilhante, um fantástico pensador, em suma, um grande intelectual. Vamos partir do princípio que assim é, na vã tentativa de tornar este circo menos ridículo. Suponhamos - e é meramente um “suponhamos” (adoroooooo!) - que o nosso Portugal tem o privilégio de receber por estes dias uma das grandes cabeças do nosso tempo. Mas será a primeira vez que temos entre nós um dessas mentes iluminadas que nos fazem ouvi-lo e lê-lo incansavelmente? Quando Gabriel Garcia Marquez visitou Portugal não creio que o Governo tenha concedido tolerância de ponto a todos o que são apaixonados pelos seus livros. Nem me parece que o governo português tenha colado milhares de painéis a dizer que “eu aprendi a pensar com Sarte”.
Ou será que este circo todo se deve ao facto de se tratar de um Chefe de Estado? Mas nesse caso resta explicar todas as honras de Estado concedidas a este e não aos demais.
E é isto… Fora estas duas razões não vejo outra que possa justificar tamanha veneração. Certamente não será pelo facto de o senhor ser chefe de uma Igreja, porque da última vez que vi ainda estávamos num Estado Laico. A não ser que o mesmo suceda na próxima visita do Dalai Lama, e já estejam as nossas televisões a preparar cobertura total das honráveis palavras do líder religioso dos budistas.
Compreendo que um par de milhões de portugueses vê na visita papal o ponto alto da sua existência, e que deixarão tudo em troca de uma bênção que os faça esquecer a miséria (humana, de valores, de comida), a crise, a solidão. Todos temos as nossas crenças profundas e nenhuma é melhor do que a outra. Já não compreendo que sejamos todos nós a pagar do nosso bolso os presentes que o senhor Ratzinger vai receber, os aviões e helicópteros onde vai andar, e, sobretudo, não me entra na cabeça que um país que se está a fundar se dê ao luxo de parar de produzir por um dia. Quem quer ir ver o Papa tire um dia de férias do trabalho. Tal como eu faço quando preciso de ir ao médico, ou quero fazer uma viagem relaxante, ou simplesmente ir às compras.
É bem verdade que provavelmente precisamos de uma réstia de esperança que nos ilumine para acreditar que dias melhores virão. Essa dita restiazinha pode chegar-nos de vários sítios: da vitória benfiquista (outra religião esta, com Catedral e tudo), de lutas politicas, de um bom livro, da bênção papal. A maior parte destes momentos de afirmação colectiva de valores custa dinheiro ao erário público. Basta assistir a um jogo de Futebol para perceber que todo aquele espectro armado não cai do céu mas sim dos impostos que pagamos. São, por assim dizer, custos da vida em sociedade e do respeito e equilíbrio pelas diferentes convicções e por aquilo que custa concretiza cada uma. Só transformando-me numa eremita poderia garantir que a minha sociedade individual era gerida a meu bel prazer, sem risco de suportar os custos gerados pela existência do Outro. Mas tudo tem um limite. Parar uma cidade, parar um país, parar a vida de todos nós que pouco nos revemos num senhor de branco que a muitos nos suscita dúvidas, isso, é ultrapassar os limites do bom senso e do respeito.
Não me recordo de campeonato, cortejo, festival, manifestação, festa, ou outra coisa qualquer que tenha paralisado o país com tão grandes repercussões na vida de cada um de nós.
Os católicos querem o papa em Portugal? Paguem eles por isso. Querem assistir à missa? Deixem eles de trabalhar e assumam as consequências desse acto.
Ainda hoje ouvia uma senhora, que fez questão de frisar ser católica, que se lamentava porque devido às limitações nos transportes o marido não conseguiu ir trabalhar e teve que meter um dia – forçado – de férias. Assim como todos aqueles cujos filhos frequentam escolas públicas e que não tiveram onde os deixar, os que os obrigou a ficar em casa. Quando o Governo apresentou o PEC e falou em sacrifícios pessoais referia-se a isto também.
O Cristo Rei deve andar doido com tamanha confusão…

segunda-feira, 10 de maio de 2010

The serial girlfriend


Uma vez ouvi na televisão que não havia notícias de serial killers do sexo feminino. Parece que para mater em série só mesmo os homens. Em contrapartida, surgiu recentemente um espécimen, frutos dos tempos actuais, e típica do sexo feminino, que muito tem amedrontado a sociedade hodierna. Refiro-me à serial girlfriend.
Certas escolas de criminologia defendiam que o criminoso era criado pelo meio envolvente, isto é, seriam as ocorrências da vida que fariam dele o que era. Pois bem, é exactamente o que sucede com o “sujeito” do nosso presente estudo. A serial girlfriend não namora porque queira, mas sim porque a isso é forçada pelas circunstâncias exteriores. A carência de um príncipe encantado genuíno (e não “made in China”, que a qualquer momento se transforma em sapo viscoso) obriga-as a saltitar de flor em flor, de namorado em namorado, cometendo assim a sua cadeia de crimes.
Vários especialistas na matéria concluíram que esta pobre criatura é, em boa verdade, vítima da sociedade em que vive. Pois nos tempos das nossas mães os príncipes pareciam ser mais frequentes… afinal, elas casaram com eles e foram, medianamente, felizes. Mas agora, estas modernices de mulheres emancipada impelem-nos (que digo eu??? forçam-nos) a procurar o perfect boyfriend.
Consequências: estamos transformadas em “namoradas em série”, a pior espécie de criminosa que há (enfim, a seguir, às “miúdas que roubam os namorados das namoradas em série”, que ainda são piores do que nós).
Vamos a não sei quantos “dates” por mês, andamos com os nervos em franja de beber tanto café com variadíssimos 1,80m de homem, martirizamo-nos com dietas infinitas para compensar os milhentos jantares a que a nossa posição obriga… enfim, um martírio, apenas suplantado pela culpa perpétua de deixar plantados bons rapazes. E porquê? Bem, pode ser porque têm um tique na orelha esquerda ou porque não acenaram com a cabeça o número adequado de vezes durante a nossa conversa. Vítimas que ficam para trás, quantas vezes mutiladas… mas somos impiedosas quando se trata de trucidar aquilo que não nos serve.
O problema da serial girlfriend é que, por vezes, é ela a deixada para trás. Como se fosse a legítima sanção a aplicar ao mais perigoso dos criminosos. Pode não haver pena de morte entre nós, mas se há alguma coisa que a serial girlfriend suporta pior do que a morte é a humilhação de não receber um segundo telefonema. E aí está uma coisa que Jack, o Estripador, nunca sofreu na pele. Ou talvez não… Quem sabe não foi por ser deixado plantado que ele deixou de matar e, de mansinho, desapareceu da História?

sábado, 8 de maio de 2010

Amigas de amigas têm que ser amigas também?


Bem sei que esta pergunta quase parece o intrincado trocadilho dos três tristes tigres. Mas a complexidade não reside no jogo de palavras, mas na delicada questão filosófico-existencial que lhe está subjacente: em que termos se apresentam as nossas obrigações (se é que alguma existe) para com pessoas que claramente repudiamos, mas que por triste sina, são “gostados” por parte daqueles de quem mais gostamos.
Quase estraguei a amizade com um amiga minha quando lhe comentei que não suportava a amiga dela. Note-se: não me estendi num rol de lamúrias. Se a mim me incomoda queixas mordazes – ainda que pertinentes - sobre as pessoas de quem mais gosto, suponho que aos outros também. Mas daqui não decorre que tenha que aguentar a pastilha - no caso uma daquelas pegajosas e sem sabor – nos meus brevíssimos momentos de lazer. Passo a explicar: naquele Verão a criatura era visita assídua dos nossos rendez-vous, das nossas jantaradas, das nossas idas à praia. Era, inclusivamente, visita assídua do meu carro. Não me importo de dar boleias, tanto mais que eu própria as uso regularmente. Já me importa um bocadinho mais ir buscar e levar a casa pessoas com quem não tenho muitas empatia. Agora, incomoda-me particularmente faze-lo, estacionar o meu baby car para uma noitada com as meninas, e passado umas horas ter a senhora enjoada a pedir para ser levada a casa. Como sou uma gaja porreira (a população mundial que não me conhece diz que sim) ainda fiz o jeito um par de vezes, mas certo sábado à noite achei que demais era demais e sugeri o táxi, tal como eu faço quando não quero incomodar quem já teve a gentileza de me abrir as portas do carro. Agora, a gota de água foi a discrepância de entendimentos quanto à posição que cada um ocupa no mundo, nomeadamente, quanto ao nível de controlo que devemos ter da vida dos outros. Encontros de meninos são isso: encontros de meninas. Para falar do que nos der na realíssima gana, sem pudores, sem escolhas de palavras, sem censura. Nos meus encontros de meninas não estou disposta a acolher uma diácona Remédios que nos trucide a cada comentário mais incauto. E assim terminou uma amizade que nunca se chegou a formar. O pior que ia terminando também com uma amizade já formada com uma pessoa de quem gosto muito, e que sentiu como ofensa pessoal o meu pedido para não nos juntar às duas na mesma situação. Do modo como vejo as coisas tão aberrante seria eu pedir à minha amiga que não passasse tempo com ela como pedir-me a mim para o fazer. Intolerante? Admito. Cada vez sou menos tolerante com a tacanhez humana e mais exigente com as pessoas com quem me relaciono. Provavelmente é da idade, como há pouco tempo bem alguém me fez notar.
Há anos atrás incompatibilizei-me com um grande amigo do meu melhor amigo (segurem-se na cadeira que o drama se adensa). Por uma tolice, reconheço. Provavelmente mais culpa minha que dele, reconheço também, embora continue a entender que o post-conflicto se deveu menos a mim do que a ele. Whatever. O certo é que vivemos de costas voltadas durante um par de anos. Acredito que ambos tentámos ter tento na língua, de forma a não encurralar o nosso comum amigo, mas admito que de quando em vez lá me saía da boca um comentário mais venenoso (e, se bem o conheço, certamente também a ele). Mas como esse nosso comum amigo era mais importante para qualquer um de nós do que as divergenciazinhas pessoais que nos afastaram decidimos um belo dia fazer tréguas e a partir daí vivemos uma periclitante paz social, ocasionalmente abalada por um tiro mais certeiro. Nunca vamos ser os melhores amigos do mundo, mas a verdade é que temos vários pontos em comum, essencialmente a estima e admiração que nutrimos por uma mesma pessoa, e que leva a crer que, afinal, não somos tão diferentes assim.
Em suma, não encontrei no código das amizades nenhuma lei que nos impinja amigos de amigos que nos provoquem uma sensação de absorção, mas ao contrário. Há o dever óbvio de respeito, que limita o teor venenífero de comentários acerca da sua pessoa. Mas, aparte disso, sinto-me absolutamente livre para repudiar alguém do meu círculo existencial. Será que isso faz de mim má pessoa? Provavelmente sim. Mas a verdade é que a vida é demasiado curta e complicada para desperdiçar tempo com companhias que nos fazem desejar estar desacompanhada.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

O pior D. Juan da história da humanidade


O mundo dos encontros e desencontros amorosos está repleto de frases feitas, destinadas a tentar seduzir o outro, chamar a sua atenção, provar a sua boca, chegar a vias de facto e, eventualmente, roubar-lhe o coração. As frases de engate saltitam por aí como pulgas desvairadas. Algumas ficam na história pela sua completa falta de imaginação, desadequação ou pelo embaraço que nos causam, levando-nos a pensar que o tipo que nos sussurra ao ouvido tamanha aberração linguística é, provavelmente, o pior D. Juan da história da humanidade.
“Posso conhecer-te?” – esta é, de longe, a pior tirada da extensa lista de tolices possíveis. A vontade mais imediata seria responder que pode, desde que eu possa de seguida ignorá-lo.
“Não nos conhecemos de algum lado?” – a questão é que, ainda que efectivamente a situação encaixasse no 0,0000001% de reais reencontros, ainda assim, a verdade é esta: se não reconheço a criatura e nem me dirijo a ela, é porque o hipotético encontro não deixou recordações memoráveis.
“Costumas vir muito aqui?”- este é o momento em que começo a olhar para todo o lado na vã esperança de fugir antes que o meu stalker tente descobrir igualmente onde vivo, qual o numero de BI e o grupo sanguíneo.
“Posso oferecer-lhe uma bebida?” – querido, podes oferecer-me um Patek Philippe, um anel de brilhantes, um descapotável ou mesmo um par de Manolos. Uma bebida? Isso é para pobre, n’é filho?
“Vou já ligar à minha mãe a dizer que conheci a sua futura nora” – esta é um completo tiro no pé. Quem é capaz de achar piada a um totó que conta à mamã todos os pormenores da sua vida? Será que isso inclui o que se passa (ou não se passa) debaixo dos lençóis?
“E se tomássemos uma bebida para nos conhecermos melhor?” – a melhor forma de nos conhecermos será analisarmos os respectivos códigos de ADN. Sugiro que se entregue ao cavalheiro um cotonete com uma raspagem da mucosa bocal para que ele proceda à necessária análise.
“Já te disseram que és uma mulher muito interessante?” – não. E ainda bem. Interessantes são as feias, gordas e estúpidas (as outras são lindas, elegantes e inteligentes), mas chamamos-lhes interessantes para não ferir susceptibilidades.
Falo notar neste momento que provavelmente o meu grau de intolerância – que se deduz das meditações acima expedidas – explica em grande medida o facto de ainda me encontrar sozinha. Fosse eu mais “flexível” e nesta altura estaria a escrever estas máximas existenciais de aliança no dedo (e, quem sabe, um par deles na testa). Mas em minha defesa devo dizer que, uma vez ou outra, lá dancei eu ao som da canção do bandido. Nem o meu coração é de aço nem a minha nem a minha solidão é imbatível. Porém, para mal dos meus pecados (que creio que não tenho, mas não asseguro porque nem sei ao certo o que isso é), escolhi a canção errada.
A pergunta de engate que me calhou foi esta: “E se fossemos ver a vista à minha casa?”. Ouvi esta tricky question no final de um jantar que prometia muito, levando-me a pensar para comigo “O que tu queres sei eu”. E lá subi ao 10º andar para ver a suposta vista, tentando ao mesmo tempo proceder a um autos-canner visual para ver se estava minimamente apresentável. E que sabem que mais? … O convite era efectivamente para ver a vista. De modo que ali ficámos os dois, especados em frente a uma janela gigante, a olhar para um estádio de futebol que se erguia aos nossos olhos. My friends, por vezes ver a vista é, só mesmo, e infelizmente, ver a vista.

terça-feira, 4 de maio de 2010

O que é que a menina da burca tem?


Toda a gente quer saber o que é a baiana tem. Porque a menina da Bahía remete para tudo o que é delicioso e sensual na vida, para praias quentes de areias douradas onde se bebe leite de coco ao som de um sambinha.
Em compensação, ninguém tem o mínimo interesse pela senhora da burca. É que o corpo escondido por trás das vestes recorda-nos precisamente o oposto da baiana: fanatismo religioso, morte, destruição, terrorismo. E dominação da mulher também. Dificilmente se pode negar que esta é uma ideia intimamente associada à mulher de rosto tapado, não apenas pelo nosso imaginário ocidental e cristão mas corroborado pela realidade dos factos.
Sucede porém que se esta fosse a única preocupação que move os políticos europeus e os impele a proibir o uso da burca nos respectivos países muitas outras coisas teriam que ser proibidas, por castradoras da mulher e atentatórias da sua dignidade. E, pasme-se, nem todos se reportam à religião islâmica. Não é vil que nas sinagogas as mulheres se sentem num local diferente dos homens? E porque casam de branco as noivas cristãs, a demonstrar a sua suposta pureza, ao passo que aos noivos podem ir de qualquer cor porque, afinal, não têm que ser necessariamente castos?
O uso – ou não uso - da burca é uma opção tão legítima quanto a das mulheres que decidem ir para freiras e entregar a sua vida a Deus. Não é uma opção, mas uma imposição? Bem, mas nesse caso o problema não se prende com a burca, mas com relações familiares altamente deturpadas e hierarquizadas em torno da figura masculina. Relações essas que nem sequer são apanágio de determinada religião, mas sim de visões do mundo que não mudam pelo facto de se despir uma burca.
É que para além dessas mulheres que são efectivamente forças a esconder-se existem aquelas outras que o fazem por opção, porque assim se sentem bem e consideram ser esta a postura mais digna que podem assumir. Algumas são mulheres educadas ao estilo ocidental que certo dia acharam que deviam procurar um novo rumo e uma nova posição no mundo. Não estou com isto a dizer que concordo. Estou simplesmente a sublinhar que também me incomodaria bastante que alguém viesse em meu salvamento porque uso saltos altos e assim me deixei dominar pelo sentido estético masculino, fazendo de mim uma vítima dominada. Vão-me certamente dizer que muitas dessas mulheres que assim se vestem voluntariamente foram alvo de uma lavagem cerebral que lhes confundiu as prioridades e as leva a fazer coisas estranhas pensando que são normais. Provavelmente assim foi, assim como provavelmente também nós fomos programadas para passar fome até caber em bikinis minúsculos aptos a satisfazer as fantasias masculinas, a esfregar-nos semi-nuas em varões e a gritar de prazer ao som de palmadas no rabo. Não é uma crítica. Apenas um questionar da legitimidade de umas para criticar outras.
E se queremos levar o assunto para a questão da violação da dignidade da mulher, que dizer da bimba que vi há dias num jantar, mamas postiças, cabeço postiço, pestanas postiças, qual Barbie de carne e osso atrelada ao fulano como se fosse o troféu que o tipo ganhou por conduzir um Porshe?
Claro que no caso de crianças a situação toma contornos diferentes. Mas, tanto quanto sei, ainda cabe aos pais a liberdade de educar os filhos dentro das suas crenças e convicções pessoais. Desde que, claro está, com isso não coloquem em perigo a sua vida ou a sua integridade física, o que exclui desde logo excisões femininas e recusas de tratamentos necessários porque impliquem transfusões de sangue. Curiosamente, a circuncisão masculina, provavelmente por não implicar consequência negativas no futuro, tem passado incólume pelo aro da critica, conquanto se trate de uma intervenção corporal grave e irreversível em menor, sem que daí advenha beneficio algum. Sempre resta a ressalva dos tais poderes-deveres dos pais não lesarem tão-pouco a dignidade da criança. Mas, caramba, será a burca tão mais perniciosa do que certos cortes de cabelo que se fazem aos putos, ou do que vestidos de cetim cor-de -rosa repletos de folhos, internamentos em colégios católicos onde aprendem coisas que não lembram ao menino Jesus (nem falo de outras coisas que supostamente se lá passam), peregrinações a castings de novelas, e outros que tal?
Depois emerge um argumento mais pragmático, segundo o qual, por questões de segurança, é necessário ver o rosto das pessoas de modo a poder identificá-las em caso de necessidade. Vamos lá então proibir todos os actuais mandamentos da moda que descaracterizem o rosto humano (piercings por toda a face, tatuagens de rosto inteiro), bem como chapéus, lenços na cabeça, perucas, óculos escuros, excesso de maquilhagem. Ah, e não esqueçamos a plásticas ao nariz, o botox na testa e o silicone nos lábios. É que eu se vir a Manuela Moura Guedes na rua sem saberei dizer se é ela.
Ser feminista é acreditar na igualdade entre homens e mulheres, e conceder a todos o mesmo poder de escolha. Não é, de todo, arvorar-se em salvadora da pátria e das oprimidas, fustigando-nos a todos com visões do mundo supostamente emancipadoras, que caem no paternalismo do “eu é que sei o que é melhor para ti”. Poupem-me. Poupem-nos a todos. E se há muito ainda para fazer em prol das mulheres islâmicas, não creio que esse muito passe pela proibição da burca.
Agora, caríssimos, tudo isto só será assim se eu, quando pisar o meu pezinho numa das terras de Maomé, possa usar os meus caracóis ao vento e as minhas pernocas ao léu. É que o respeito pelas culturas e pelas religiões exige correspondência. Eles querem rezar virados para Meca? Pois eu quero entrar na minha Igreja. Eles querem tapar cada milímetro de pele? Pois eu quero apanhar sol. Até sou bastante compreensiva com as taras e manias de cada um, mas que o sejam também com as minhas, de modo que enquanto os países islâmicos impuserem as suas regras de conduta (de vestimenta, de alimentação) aos visitantes, deixa de me chocar a mim que se lhes imponham a eles as nossas enquanto viverem entre nós. Se nos exigem que na Arábia sejamos árabes tenho para mim que não seremos porcos racistas em exigir que na Tuga sejam tugueses.
Ou será a liberdade de estar na vida um valor de sentido único?
O que é que a senhora da burca tem? Tem sem dúvida o direito a ver respeitado o modo como se cobre, tal como eu tenho o direito a ver respeitado o modo como me descubro.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A PERFEITA OBRA DE ARTE


Algures no mundo existe uma pessoa chamada Guillermo Vargas Habacuc. Não sei o que come ao pequeno-almoço, se prefere café curto ou longo, se é casado e tem filhos, qual o seu clube de futebol. Para muitos será um homem comum. Para mim é um demente, um imbecil e um criminoso da pior espécie. Porque uma coisa eu sei: este tipo matou um cão à fome. E chamou-lhe arte. Arte? Desculpe, está o senhor a dizer que amarar um cão e deixá-lo paulatinamente a morrer à fome (não com certo regozijo, suspeito eu) é o mesmo que pintar a “Mona Lisa”? Ou o tecto da capela Sistina? Ou esculpir a “Pietà”? Ou escrever “Les Misérables”? Ou compor a Nona Sinfonia? Ou dançar o lago dos cisnes? Bem, assim de repente, vêm-me à memória uns quantos artistas que não concordariam certamente com tal asserção. ´
Reconheço que a arte moderna em muito da distingue dos pintores holandeses e flamengos do século XVI ou do impressionismo de Van Gogh. Quem vê a “Fountain” de Marcel Duchamp pode ser levado a pensar que um urinol de porcelana pouco tem de artístico. E não discordo de todo, embora confesse que encare as suas criações com certa curiosidade infantil, que no final acaba por me transmitir uma sensação próxima à do “O Beijo”, de Klimt. Próxima… não exactamente igual. Convenhamos que empinar uma roda de bicicleta em cima de um bando não é o mesmo que cantar uma ária de ópera a ponto de nos fazer chorar.
Mas matar não é arte. Nem que seja um cão (diria mesmo - atendendo às enormes alegrias que os animais já me deram e que muitos humanos nem se aproximaram - especialmente não se for um cão). Nem que o cão seja vadio e não tenha ninguém que chore a sua perda. Porque eu choro. Eu choro a perda daquele cão, o modo como morreu, o sofrimento porque passou. E não me venham dizer que os bichos não sofrem. Sofrem, sentem, choram até.
Sinto-me ofendida porque um monstro matou um cão. Acho a suposta “obra de arte” repugnante. E pouco me importa que o seu autor tenha ganho o 1.º lugar da Bienal de S. José de Costa Rica durante dois anos. Ou melhor, importa-me muito. Incomoda-me muito. Enoja-me muito que haja quem lhe aplauda as taras de doente mental.
Chegou-me às mãos uma petição para o impedir de participar na Bienal Centroamericana de Arte em 2009. Eu assinei. Mas depois percebi que afinal teria imenso gosto em ver o lá. Simplesmente, desta feita, sendo ele a obra de arte. Não seria lindo ver o tal Guillermo Vargas Habacuc amarrado a um poste a definhar de fome? Eu choraria de emoção perante a beleza de tal obra de arte. A obra perfeita, atrevo-me a dizer.
A arte é bela, estimulante, desafiadora, cativante. Pode despertar alegria ou tristeza, mas sempre há-de trazer excelência às nossas vidas. Matar um ser indefeso - humano ou não humano - de forma a causar-lhe sofrimento atroz é a negação de tudo isto. Este tal suposto artista deitou estes valores por terra. Só antevejo a possibilidade de lhe reconhecer algum mérito artístico no dia em que se amarrar a ele próprio até ao momento em que a fome lhe leve a melhor.

Nota da autora:
para quem estiver interessado, http://www.petitiononline.com/13031953/petition.html.
Assinem por favor.
Obrigado.
Vera

sábado, 1 de maio de 2010

Quando for o meu dia da mãe


Daqui por uns anos, espero eu, será o meu dia da mãe. Serão os meus filhos a correr em desespero em busca do presente perfeito que possa simbolizar, num recibo de cartão de crédito, tudo o que gostam de mim (once again… espero eu).
E com isto pus-me a pensar que pensão de mim essas futuras crianças que hão-de sair cá de dentro.
Que pensarão dela os filhos da Cindy Lauper? “ Mãe, tinhas um cabelo bem… assim, a modos que cor de rosa…”. E os da Nina Hagen? “Mamã, daquela vez que te masturbaste em palco foi, digamos, embaraçoso. Aliás, como estarão essas wild girls agora? Uma vez rebelde sempre rebelde? Estará a Blondie a abrir o seu presentinho de bengala, enquanto segura um charro com a outra mão? Ou será que a vida nos amolece? Será que os genes da rebeldia passam para os filhos? Ou corro o risco de me sair na rifa um betolas de sapato vela as teimar que sou mãe dele enquanto eu o tento enxotar?
A minha mamã não tem nada a ver comigo. Não fossem as evidentes semelhanças físicas quase se diria que fui trocada na maternidade, e que nesta altura há uma família de punks a criar uma menina que senta direita à mesa e usa laços no cabelo. Em suma, custa a crer que eu tenha saído daquela mulher. Mas saí mesmo. E ela amamentou-me, e criou-me, e educou-me, alimentando o meu espírito de free thinker. E isso é o que eu mais admiro nela. É que se a minha mãe tivesse sido uma gaja radical, uma hippie dos 70 a deitar marijuana pelas narinas, não seria estranho eu ter nascido tão às avessas. Mas para alguém que é (pelo menos medianamente) conservadora, bem-comportada, cumpridora, serena, pacifica, é um feito notável ter feito de mim o que sou e amar-me por isso. Ou melhor, amar-me apesar disso.
Se a minha mãe achou piada aquando lhe disse que ia viver para Angola sozinha durante um par de anos? Bem, digamos que quando o choro acalmou ao telefone só me conseguiu perguntar porque não tinha escolhido antes Paris.
As tatuagens? A primeira ainda foi tolerada, mas a segunda ia despoletando uma crise de tal ordem que cheguei a ponderar entregar-me a uma agência de adopção. Felizmente a terceira apaziguou os nossos diferentes sentidos de beleza (não termino esta consideração sem porém fazer saber que foi esta senhora que me rapou o cabelo à Sinead O'Connor e o pintou de pink, de modo que também nela há algo de selvagem e inconformado. Mas é um “algo” pequenino)
Os piercings? Nunca ninguém te vai contratar para o tipo de trabalho que a tua cabeça te permite ter, dizia-me ela, suspirando por entre os seus caracóis louros.
Acho que o grande medo da minha mãe era que eu me boicotasse a mim própria e terminasse os meus dias a vender brincos artesanais numa esquina, com cabelo de rasta e roupa esburacada. Porque ela sabia que eu podia ser isso mas também poderia, se o quisesse, ser mais do que isso. O mundo era o meu destino. E eu esforcei-me por demonstrar que os seus temores eram infundados, que tudo de bom que ela deixou em mim floresceu, e que apesar das coisas estranhas que faço, que digo e que sou ainda assim há aqui uma filha que lhe pode dar alguma felicidade e conforto.
Depois penso em todas as coisas que me repetidamente me disse enquanto eu crescia - “estás muito magrinha, até se vê os ossos”; “não chegues tarde, tens que dormir”; “não gosto nada do tamanho dessa saia”; “achas que isso é roupa para levares para o trabalho?” – e penso: será que um dia serei eu a dizer isto aos meus filhotes? Convenhamos, temos aqui um caso sério de falta de legitimidade. Com é que eu lhes vou impingir a sopa quando eu própria pesei menos de 40kg? Como lhes vou impor um toque de recolher depois das minhas directas? Atrever-me-ia a criticar o tamanho da saia depois de eu mesma usar camisas a fazer de vestidos? E quanto à indumentária de trabalho, bem, digamos que eu apareci em entrevistas de emprego com calças verdes florescentes aos quadrados (e o admirável é que ainda assim me contrataram). Pensando bem, quando for a minha vez de ter filhos estou lixada…
Enquanto isso não acontece continuo a passar horas ao telefone com a minha mamã, chocando-o com cada comportamento meu (every step you take…), e tentando aprender com elas as guide lines desta coisa de ser mãe.
Não serei o bebé perfeito que ela sonhava, mas acho que no fim de contas a coisa não saiu tão mal. Ela continua a ser, ainda hoje, a minha melhor amiga, a minha maior confidente (quantas filhas contam às mães a primeira vez que tiveram sexo?) e a minha âncora, para que eu não me perca demasiado no meio da minha loucura.