quarta-feira, 31 de março de 2010

Com a tua depiladora ou com a minha?


Vivemos estranhos tempos meus amigos. Como diria Dickens, “it was the best of times, it was the worst of times”. O que a mim me perturba particularmente (para além da pedofilia, do terrorismo, da xenofobia e do racismo) é esta promiscuidade de géneros que nos leva a ficar em dúvida sobre que parte da relação nos incumbe a nós e que parte lhes incumbe a eles.
Já nem falo das situações em que o tipo ficar especado a olhar para nós na hora em que chega a conta do jantar, na vã esperança que movimentemos os nossos graciosos bracinhos para pegar na carteira (eu opto por jogar com ele ao célebre “vamos-lá-a-ver-quem-aguenta-mais-tempo-especado-até-ceder-perante-os-olhares-do-empregado-que-obviamente-vai-olhar-para-o-cavalheiro-e-não-para-a-senhora), nem do facto de eles saírem do carro e desatarem a andar como se não houvesse amanhã enquanto eu espero pacientemente que alguém me abra a porta do dito (sendo que, não voltando o marmanjo para trás, acabo por ter que ser eu a abrir a porta mas, então, faço questão de sair bem devagarinho, esticar as pernas, subir a saia, empinar o peito, passar a mão pelo cabelo, de tal forma que o fulaninho se vê forçado a vir colocar em mim a bandeirinha do “eu cheguei primeiro a esta mulher” e da próxima pensará certamente duas vezes se quer que o público em geral me veja sair do carro sozinha).
Mas não, nem falo de nada disto. Até porque estes são pequenos nadas importantes na vida de relação, mas que obviamente não substituem o respeito, a lealdade, o companheirismo, isso sim, verdadeiramente importantes quando se trata de decidir se é com aquela pessoa que vamos passar os próximos 50 anos.
O que a mim me incomoda é esta modernice de os homens pareceres mulheres. E, dir-me-ão os meus amigos que também aborrece a modernice análoga de as mulheres parecerem homens. Eu própria confesso que gosto de usar a minha gravata e o meu chapéu masculino dos anos 40. Que por vezes dou por mim sentada de perna aberta e a escorregar na cadeira. Mas sou, essencialmente, muito menina.
Por isso me custa tanto que os meninos não sejam meninos. Uma coisa é um homem ser limpinho, de meias lavadas e sem cheiros suspeitos. Outra coisa, diferente da uma coisa, é fazerem limpezas de pele, arranjaram as unhas e as sobrancelhas, voltarem atrás porque a meia não combina com a camisa, terem mãos delicadas como pele de bebé, viverem obcecados com os pneus e as calorias. Eu ainda admito uma ou outra destas manias isoladas, mas quando me aparecem em duo, ou em triplo, ou em batalhão, aí, levanto a mãozinha e grito: STOP!
Minhas senhoras, meus senhores, que fazer quando ela se despacha primeiro do que ele, e é ela que tem que ficar pacientemente sentada, a ler o jornal e a fumar um cigarro, enquanto ele escolhe a gravata e corta os pêlos do nariz (achei que esta imagem ficava bonita)?
Há regras básicas, vitais, inabaláveis em qualquer relação: i) ele não pode ser mais bonito do que eu; ii) ele não pode demorar mais tempo a prepara-se do que eu; iii) ele não pode ter mais ocupar mais espaço no guarda-vestidos do que eu; iv) ele não pode ter menos pêlos do que eu.
Pois que hei-de eu pensar quando estou no ginásio a flagelar-me com abdominais e flexões e de repente pouso os olhinhos (míopes) na bela da perna depilada. Por momentos fico na dúvida se a perna é de uma “ela” ou é de um “ele”, mas tanto músculo não engana: estou perante um Schwarzenegger depenado. Que raio vos passou na cabeça para começarem a arrancar pêlos? E não se ficam pelas pernas. Sobem ao peito passando pelas partes intermédias. Recordo as palavras de um amigo meu que me explicava a sua fobia gay com o argumento de que na cama perna peluda com perna peluda não bate certo. Pois bem, eu acho que este mesmo argumento serve para fundamentar a minha fobia metrossexual: em momento íntimos não quero a minha pernoca depilada a roçar-me numa outra perna… igualmente depilada. E tremo só de pensar no momento em que ele me pergunte: “com a tua depiladora ou com a minha”?, como sucessor do clássico “na tua casa ou na minha”? É que certamente atrás dessa pergunta virão indagações sobre o meu blush ou o dele, os meus tampões ou os dele, os meus ovários ou os dele.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Senhor desconhecido, quer ser meu amigo?


“Queres ser minha amiga”?
Recordam-se de como era simples? De como tudo era simples quando não passávamos de um metro de gente, e nunca nos preocupávamos em fazer figura de tolos ou com aquilo que os outros iriam pensar?
Infelizmente, já não tenho 6 anos. E embora o meu sentido de pudor se arraste pelo mínimo da escala adulta, ainda assim deparo-me com tamanhas hesitações no momento de conhecer uma pessoa nova que não raras vezes passo por snob. Convenhamos que tenho a minha dose de nariz empinado. E que algumas vezes fui vergonhosa e irritantemente snob. Mas sou, essencialmente, tímida. Já o era, com 6 anos. Mas na altura dava a volta à coisa com um sorriso desdentado e lá ia de mão dada com a pequena criatura que tentava seduzir-me com uma careta. Fazer amigos era tão simples.
Hoje não vou de mão dada com ninguém. Quando a idade quintiplica a tarefa de fazer amigos quintiplica também. Não sei se é de mim ou se é da idade. Não me estou a escusar de responsabilidades. Sou um bicho do mato assumido. Não me alargo em conversas com estranhos. Passo horas silenciosa ao pé de quem não conheço. Já atravessei jantares de olhos postos no prato. Mas há que admitir que o momento não ajuda em nada. É que estou naquela altura em que os contactos humanos se tornaram externamente complicados e estabelecer um qualquer tipo de conexão com um perfeito desconhecido é quase mais difícil que encontrar o príncipe das histórias.
Porque nesta fase da vida a maior parte de nós conformou-se com os amigos que foi fazendo ao longo das décadas, de modo que já não tem disposição nem disponibilidade para deixar entrar alguém no seu mundinho. Ou então não tem tempo. A nossa agenda já não é apenas preenchida com a escolinha, trabalhos de casa e lanches em casa dos avós. Nada disso. São horas de trabalho intenso, noitadas ao computador. Maridos, mulheres e filhos. Levar as crianças à escola. Visitas aos sogros e aos cunhados. Ginásio. Passar a roupa a ferro. Jantaradas com os amigos de longa data. Ena! Onde é que se vai encaixar uma pessoa nova?
Depois, o próprio acto de aproximação humana surge agora rodeado de quid pro quos. Qual o momento adequado para meter conversa? E quando me calo? Quando ele ou ela começar a revirar os olhos? Não será melhor um bocadinho antes? De que falo? O tempo é sempre um tema seguro, mas com recentes alterações climáticas e o mito do fim do mundo podemos passar por fatalistas. De futebol é melhor não, fico muito acirrada com quem não é lagarto. Politica, pior ainda, porque tendo a ficar ainda mais acirrada. Moda é um tema mais pacífico, mas corro o risco de esmagar qualquer possível interesse com a minha costela fútil. Literatura seria interessante, mas cheguei à conclusão que as pessoas raramente leram os mesmos livros, de modo que depressa a conversa se resume a um “ainda não li”. Já para não falar de quem nunca leu um livro na vida. Cinema já permite mais confluências, até porque os filmes não existem assim tantos filmes em cartaz, mas depressa passamos para os filmes de Tv, daí para os canais, e de repente estamos a falar dos programas da SIC mulher ou do noticiário da TVI. Caramba, porque não podemos simplesmente falar da Rua Sésamo e de merendas?
Claro que só me tenho que preocupar com o tema da conversa depois de, efectivamente, meter conversa. E eis aqui o primeiro, e incontornável, problema. Onde e quando é apropriado faze-lo? Estou em crer que no balneário do ginásio, enrolados em toalhas e de cabelo a pingar, está fora de questão. E que tal simular um embate de carrinhos no supermercado? Ou então pisar alguém no metro… Não será que há outra forma de fazer isto sem parecer desastrada?
Fazer amigos à noite está fora de questão. Muito cedo apreendi que as amizades que se fazem em bares e discotecas só duram até ao amanhecer. Além disso, confirmado que está que à noite todos acabamos por ser predadores e presas, a vã tentativa de fazer um amigo depressa será confundida com um engate de ocasião. E isto aplica-se quer a aproximações masculinas quer a femininas. Até porque é moderno ser bi.
Resumindo: a alguém que hipoteticamente mude de cidade e se defronte com o desafio olímpico de fazer novos amigos só restam duas hipóteses, ambas devedoras dos nossos tempos de 6 anos. Ou bem que nos contentamos com amigos imaginários, que sempre saem baratos porque não comem nem bebem e vivem cá dentro da cabeça, ou não resta outra opção senão seduzir o primeiro desconhecido que nos apareça à frente com uma careta. Se não resultar façam queixinha aos pais.

domingo, 28 de março de 2010

A importância de um segundo


As palavras, as acções, as omissões, tudo isso tem um tempo. Há um momento certo para cada coisa. Se chegarem demasiado cedo chegam fora do tempo. Se chagarem demasiado tarde chegam fora do tempo também.
Eu, que sou apressada devido à minha carga genética, peco sempre pela antecipação. Diga as coisas quando ninguém ainda as espera. Uso os sapatos quando ninguém nunca os viu. Corto o cabelo antes de alguém o ter sonhado assim. Vivo antes do tempo talvez. Como se o mundo ainda não estivesse preparado para mim. Eu, pelo menos, gosto de pensar que é assim. Mas talvez seja ao contrário, e admito até que seja eu a não estar preparada para o mundo. E decido tudo no tempo que tarda o bater de asas de uma borboleta. Sem indecisões. Sem meios-termos. Posso até dizer que mais dilemas me suscita comprar um casaco do que decidir a minha vida durante 20 anos.
Em contrapartida, os outros chegam sempre demasiado tarde para mim. Sobretudo as palavras. As palavras dos outros tocam nos meus ouvidos quando a cabeça e o coração já desistiram delas. É como se dissessem as coisas quando para mim deixaram de ser importantes. E por isso são apenas sons que ficam ali, no ar, a pairar. E que aborrecida eu fico por já não lhes poder dar sentido. A sério que as querias utilizar. Fazer delas poesia. Magia. Mas sou inepta no que toca ao aproveitamento daquilo que era mas já não é. Os resquícios do que podia ter sido.
Acontece-me muito com gestos e palavras. Porque eu sei imediatamente quando gosto de alguém. E não temo em dize-lo. Sabe-se lá quando é que vou cair fulminada no chão por um raio ou por um telhado, e parto daqui sem dizer às pessoas o importantes que foram para mim e o quanto gostei delas. O mesmo vale para quando não gosto. Há quem o guarde para si e o moa e remoa dentro das vísceras, sem nunca o contar a ninguém ou então partilhe aquela raiva passados anos, décadas mesmo. Eu não. Anatomicamente tenho a boca desmesuradamente grande e por isso sinto alguma dificuldade em prender as palavras dentro dela. Por vezes arrependo-me, confesso que sim. Tantas vezes disse o que não sentia de verdade, mas cuspi aquelas frases como se me queimassem a língua. E imediatamente depois desejava eu voltá-las a sentir a queimar. Demasiado tarde.
Dizem que o ponto óptimo é sempre o equilíbrio. Nem tarde nem cedo. No tempo certo. Mas eu também nunca garanti que era equilibrada. Por isso vivo neste anseio de ouvir aquilo que chega sempre demasiado tarde. E depois, quando finalmente chega, já não sei o que lhe hei-de fazer. E arrasto comigo, no um baú de recordações, a memória de todas essas palavras e sentimentos que empurrei lá o lixo das sensações e dos sentimentos. Se alguém em puder explicar como os poderia reciclar ficaria muito agradecida

sexta-feira, 26 de março de 2010

Putos mimados


Um grupo de alunos de uma escola russa espancou uma professora de educação física. A senhora tinha 73 anos e, se me permitem divagar sobre a parte caricata da história, devo manifestar a minha admiração por uma avó ainda se atrever a dar aulas de educação física, ainda para mais a alunos da secundária, que em regra estão naquela idade cientificamente confirmada como sendo a mais idiota e irritante pela que passa o ser humano.
Mas voltemos ao tema: um grupo de alunos de uma escola russa espancou uma professora. Parece que nem sequer era a primeira vez. Só que desta deram-se ao luxo de se armar em Tarantinos e meteram o vídeo a circular na net.
O caso não é inédito. Nem é preciso mudar de continente. Também nós tivemos o nosso dramazeco de criatura mimada a dar-se ares de Rambo perante uma professora num dos melhores liceus do país.
A realidade é que a má-educação se tornou numa epidemia. Tão preocupados que estávamos com a gripe das aves e a gripe A que nem vimos que os nossos filhos - enfim, os filhos dos outros - se estavam a transformar em pequenas aberrações. Verdade seja dita: esta pandemia não afecta apenas os menores de idade. Todos já tivemos experiências de 3.º grau com gente perfeitamente repugnante. Recordo aqui a fulaninha de ar macilento que me passou à frente na fila do fast food e quando a interpelei me respondeu que o mundo “estava era para os espertos”. Já sei… quem se empanturra com chips e ketchup merece todos os desaforos imagináveis pelas maldades que faz ao corpinho, mas ainda assim tenho para mim que não sou obrigada a levar com frustrações alheias porque já tenho que lidar com os meus próprios demónios. Na vã tentativa de evitar um confronto público – até porque eu sou muito latina nestas coisas e fervo numa gota de água – abandonei o local. Mas como a criatura teimou em vir atrás de mim gritando esganiçadamente referências à minha pessoa e, o imperdoável, à mamã, decidi que a senhora que havia em mim tinha que fechar um bocadinho os olhos e deixar sair cá para fora the wild me. Não chegamos a vias de facto, mas bem perto por lá andámos. Estou orgulhosa? Não. Estou tremendamente embaraçada com esta história. E só a relato aqui para demonstrar a minha “tese” sobre estas questões: o mundo está cheio de putos mimados.
Quem são eles? Gente de horizontes limitados, mentes estreitas, terrivelmente frustraos com a pessoa que são e com a vidinha que levam, que vivem de mal com o mundo, e que gostam de descarregar nos outros toda a sua angústia, como forma de esconder a pequenez de que são feitos. Os alvos da tamanha mesquinhez costumam ser aqueles que são mais fracos, ou que têm aparência disso: uma senhora de 73 anos, os mais velhos, os mais novos, os mais doentes. No meu caso, este ar pseudo-angelical, de vestidinho às flores e cachinhos dourados no cabelo deve passar uma imagem de doçura, quase tontice. Mas como nem tudo o que parece é a senhora fulaninha teve o azar de marrar com alguém cujos maus feito e intolerância perante a tacanhez são quase lendários. De modo que o único consolo que tenho por ter perdido a compostura e adoptado comportamentos que em nada abonam a meu favor é pensar que, quem sabe, da próxima vez que a criatura abrir aquela boca para disparar palavras feias e maldosa apensará duas vezes se não irá dali com uma resposta mais certeira e, atrevo-me a dizer, com o nariz de encontro à testa.
É isso que falta a esta gentinha toda que por aí anda a magoar e a desrespeitar os outros: uma bela palmada ou um par de açoites bem dados. Hoje em dia isso parece tabu. Castigaras crianças? Nunca. Porque as traumatiza, porque no diálogo é que está o ganho, porque criará adultos revoltados. Meus senhores, não advogado maus tratos, nem sequer que a palmada se transforme no castigo por excelência. Mas causa-me espécie ver tanta criancinha por aí a berrar pelos cantos, a interromper conversas de adultos, a dizer palavras cujo significado só aprendi depois de fazer 18 anos (já sei, sou uma totó), a maltratar animais pelo puro prazer do sofrimento, a destratar os pais, professores e coleguinhas. E penso para com os meus botões e os zips que a tal palmada no rabo poderia mudar muita coisa.
Dir-me-ão que nem todos estes incidentes nascem de putos mimados de classe média alta. Bem sei que na génese de alguns deles estão problemas mais graves, de miséria e maus-tratos. Mas não temos todos nós problemas? Divórcios, mortes, pais desatentos e ausentes, doenças, pobreza, traumas variados, angustias, solidão. Vamos por isso desatar por aí aos tiros? E a ofender os outros? E a descarregar neles as nossas furiazinhas pessoais? Todos termos problemas. Ser pessoa significa aprender a viver com eles. Ter 13 anos não servem como desculpabilização. Quem tem discernimento para magoar os outros tem também para ser por isso responsabilizado.
É que estamos a criar uma geração de gente pequenina, minúscula, insignificante. Gentinha que venera a violência e o desrespeito, e que pensa que pode caminhar pela vida insultando e magoando os outros. Como se isso fosse um direito.
A culpa nem é deles, mas de todos nós. Cada a sociedade tem os adultos que merece. Estas adoráveis criancinhas são os adultos que vamos ter amanhã a governar o nosso mundo. E se há momento para lhes deitar a mão e fazer deles gente minimamente decente é agora, não quando tiverem 30 e tal anos e passaram à frente na fila do McDonalds. É que eu já não tenho disposição para educar putos mimados armados em adultos.

quinta-feira, 25 de março de 2010

O relógio biológico


Tic, tac, tic, tac…
Dizem que as meninas nascem com um relógio biológico cujo ritmo vai aumentando à medida que nos aproximamos dos “inta” sem alguma vez termos disparado cá para fora um novo ser humano.
Não posso confirmar nada. Na verdade, nunca ouvi nenhum tic, tac nos meus ouvidos, nem nas minhas radiografias alguma vez apareceu algum par de ponteiros. Claro que pode ser um daqueles relógios digitais, mas também não houve até ao momento médico que me apontasse um par de dígitos entre as costelas.
Resumindo: tenho para mim que esta história do relógio não passa de um mito urbano inventado por avós ansiosos para que nasça mais gente, porque, afinal, é do aumento populacional que se pagam as reformas. E, claro está, não há avô ou avó que diga que não a outro neto que possam mimar e empanturrar de coisas doces até o puto estar anafado.
Tic, tac, tic, tac…
Dito isto, reconheço porém que me babo à mera visão de um bebé (mesmo dos feios, que esta história de todas as crianças serem bonitas foi certamente inventada por alguém mais míope do que eu). Reconheço que pego nos filhos dos amigos como se fosse pãozinho acabado de sair do forno e que dou por mim a esconder almofadas debaixo da blusa só para confirmar que farei uma grávida bonita. Delicio-me tanto com aqueles pequenos sapatinho tamanho 1 com a mesma excitação que sinto com os meus 37 de salto agulha. E estou em crer que um dia destes até seria capaz de mudar uma fralda!
Claro que as milhentas histórias de amigos papás, sobre criancinhas dos amigos papás, e sobre gravidezes de amigas… me deixam tonta. Tonta e sem fôlego. Não minto. É que não há forma de quem não tem filhos conseguir achar interessante os relatos que envolvem vaginas a dar de si, partos, placentas, diarreias, dentes a romper, viroses, e etc e tal. Recordo um célebre jantar em que o grupo das meninas, todas elas grávidas, já-não-gravidas, ou pré-grávidas-quase-a-ser grávidas, debatiam com avidez a questão das estrias. Minhas senhoras, por favor, podemos antes falar de bikinis e viagens? A certa altura abandonei o grupinho e fui ter com os meninos, que neste momento da minha vida ainda é mais interessante falar de futebol do que de depressão pós-parto. Mas isso é hoje. Ou melhor, era naquela altura. E será porventura amanhã. Só isso. É que eu sou daquelas que não imagino a minha vida sem ter um alguém a quem amar incondicionalmente e que me ame a mim também assim.
Tic, tac, tic, tac…
Ao contrário do que corre por aí este instinto não é tipicamente feminino. Assim, de repente, posso nomear 100 amigas que não vibram com esse desejo e que se sentem plenamente concretizadas como mulheres. Eu respeito. E quase as invejo. Porque quando assim não é, quando por mais que se faça e por mais longe que se vá se sente este vazio, a procura é desgastante.
Tic, tac, tic, tac…
Sobretudo porque esta é uma das poucas coisas que não posso fazer sozinha. Eu sou aquela que mudou de cidade, de país, de vida, tudo sozinha. Que até aprendeu a pregar um prego para sobreviver pelo próprios meios e que, pelo mesmo motivo, trabalha até não abrir mais os olhos de forma a não depender economicamente de ninguém. Mas o baby… bem, a não ser que eu consiga produzir espermatozóides nos meus ovários, o projecto não parece fácil de realizar a solo. Felizmente essas coisas já se doam e se injectam, o que cria alguma esperança àquelas cujo príncipe encantado caiu do cavalo e anda por aí perdido nalguma estrebaria.
Claro que sou assaltada por dúvidas por causa das coisas que terei de abdicar. Ginásio uma vez por semana, se tanto. O que não ajuda nada tendo em conta que as ancas passarão a ter a largura de uma porta e a barriga cairá até aos joelhos (devia ter prestado mais atenção aquela conversa das estrias). O boudget da roupa vai ficar altamente reduzido e as prateleiras livres no roupeiro também. O espaço que os meus iogurtes e o meu leite de soja ocupam agora no frigorífico passará a ser ocupado por boiões com coisas viscosas e repugnantes lá dentro. A minha mala de griffe será substituída por um daqueles sacos gigantes com biberões a sair pela costura. Mas, sabem que mais? Tudo isso vai valer a pena.
Só espero que valha também para ele. Ou para ela. Whatever. Porque no fundo, a questão mais importante é: que tipo de mãe vou eu ser? Autoritária? Permissiva? Mãe-galinha? Lamechas? Uma coisa é certa: não tenho a mínima autoridade moral para lhes proibir tattoos e piercings. Esperemos que sejam bem mais sensatos do que mãe.
Tic, tac, tic, tac…
Alguém em ensina a tirar as pilhas a este maldito relógio? Estou em crer que adiantou a hora.

terça-feira, 23 de março de 2010

A infelicidade das mulheres pensantes


Há uns anos atrás, quando eu vivia outra vida e era quase uma pessoa diferente, um amigo meu libanês (e sabe-se como os árabes gostam das mulheres de cabelo claro) dizia-me, com grande mágoa, que eu poderia ser a mulher da vida dele, se não fosse um grande defeito que me maculava. Engane-se quem pensa que se referia a qualquer aptidão especial pelo dinheiro (I’m not a gold-digger!), a hábitos cleptomaníacos, à carência de cuidados de higiene ou a bizarras práticas sexuais. Esse tremendo defeito, que manchava a minha versão de “mulher ideal” era, afinal, a existência do Tico e do Teco.
“Caríssima (dizia-me ele, de olhar lânguido e triste) tu és a paixão da vida minha, mas tens um defeito que não posso aceitar numa mulher: tu pensas”.
Curiosamente, tive um déjà vu desta cena melodramática no meu último date (e não me refiro apenas ao último que tive, mas também ao último que muito provavelmente terei na minha vida), quando o cavalheiro me informou, no final da noite, que não estava habituado a ter junto a si mulheres como eu. Notem bem: não obstante estar fascinado pela minha pessoa, incomodava-o o facto de eu ser tão… eu (estou a citar a criatura). Pensava demais, era segura demais, havia olhares a mais poisados em mim! Tudo demais, tudo em excesso, como se eu própria transbordasse da sua mísera e insignificante figura.
Relato estas duas histórias para demonstrar o quê? Que a maior infelicidade que pode calhar a uma mulher não é ser gorda, careca ou zarolha, porque as feias eles suportam. É ser pensante. Isto é um pecado que não tem perdão. Aquilo que faria de nós o melhor e mais interessante dos homens torna-nos, na versão “fêmea”, seres pouco cotados na bolsa de valores amorosa.
Nunca vamos poder ser mulheres troféu, porque o mais certo era começarmos a opinar e a ter ideias. E mulher que opina… deve deixar crescer o buço e conformar-se com a sua posição de criatura assexuada. E como eu queria ser mulher troféu. Muitas vezes me arrependo de ter investido tanto em livros, cursos e museus, de ter perdido tanto tempo na universidade e de, ainda agora, me esgotar com teses infindáveis. Mais valia ter aproveitado esse tempo para aprender a dançar no varão, e investido o dinheiro numa operação de aumento mamário, que sempre me daria mais felicidade e reconhecimento entre as hostes masculinas.
A infelicidade das mulheres pensantes é nunca poderem ser mulheres troféu!

sábado, 20 de março de 2010

Histórias de pais


Os pais são criaturas estranhas nas nossas vidas.
Embora nos amem, mas não sabem bem como amar-nos.
Não esqueçamos que nós, os da minha geração, somos filhos de uma geração onde os homens eram homens… seja lá o que for que isso signifique. Mas mesmo que ninguém compreenda o conteúdo nuclear da masculinidade, ainda assim os nossos avós tinham algumas ideias básicas acerca da educação dos filhos (meninos: subentenda-se): um homem não chora, um homem não se lamenta, um homem não se interessa por coisas de mulheres.
Estes meninos cresceram e transformara-se em pais. Eles próprios tiveram meninos e meninas, e alguns continuaram com dificuldades imensas para estabelecer laços afectivos que fossem para além do beijinho de boa noite.
Os pais são assim. Ou melhor, os pais eram assim.
As mães, mesmo as que trabalhavam fora de casa, passavam mais tempo connosco. Já os pais, saiam bem cedo, antes mesmo de o sol nos acordar, e chegavam noite dentro, com pouca paciência para as nossas birras e cheios de vontade de ir para a cama. A sua presença nas nossas vidas era tão escassa que nos nossos primeiros anos quase pensávamos que era algum primo que vivia no estrangeiro e que nos visitava de vez em quando.
Eram bem mais intolerantes do que as mães. Aliás, a ameaça mais aterrorizante das nossas infâncias era, provavelmente, o “se eu conto ao teu pai”, o que nos levou a engendrar mil e quinhentas maneiras de conseguir comprar o silêncio materno.
Eram também menos “modernos”, once again… whatever it means. Implicavam com os nossos devaneios linguísticos (e não é que agora sou eu que fico doida com os “bués” e afins, que mesmo estando no dicionário ainda não me convencem), com as nossas roupas, com as tatuagens e os piercings, com as saídas à noite, e já nem falo das aventuras com o primeiro namoradinho que nos pegou na mão.
O meu pai era assim. Curiosamente, só agora o começo a conhecer melhor e a compreender o homem fantástico que ele é. E procurar para os meus filhos um pai assim.
Desde o final da minha infância, e até terminar os tempos de teen, que a nossa co-existência era tudo menos pacifica. Uma autêntica guerra fria dentro de casa, com as partes beligerantes a explodir à mais pequena provocação, e a minha mãe no meio, como se fosse uma organização de peace keeeping, mas daquelas das NU que não conseguem paz nenhuma.
Agora, como mulher, compreendo o homem que o meu pai é. E as recordações que tenho dele são intensas, profundas e marcantes.
Foi ele que me ensinou a andar de bicicleta sem rodinhas; deu-me explicações de matemática antes do jantar, ainda que isso tenha implicado gritar até ficar rouco porque eu não metia na cabeça as equações; deu-me dinheiro para as minhas primeiras Doc Martens, que abominava, e não se cansava de se martirizar por o ter feito; lançou-me olhares acutilantes quando me atrevi a usar mini-saia ao pé dele, mandando-me mudar de roupa e pregando-me tal sermão que ainda hoje, quando estamos juntos, visto-me como a minha avó; ensinou-me a conduzir ainda que isso lhe tenha custado vários ataques cardíacos; e quando comecei a viajar ia religiosamente ao aeroporto levar-me e buscar-me, percorrendo quilómetros nestas expedições.
Quem o ouvir falar de mim pensa que sou algum prémio Nobel. Esta é uma coisa que nunca esperei, afinal, para quem tanto queria um rapaz (nome escolhido: Ricardo) parece que se dá por bastante satisfeito com a menina.
Eis outra coisa curiosa. Sendo ele da velha-guarda vive cheio de ideias feitas sobre o que as meninas e os meninos podem fazer, mas a verdade é que eu sempre fiquei de fora desses estereótipos. Aliás, das histórias mais carinhosas que guardo dele está a conversa que tivemos quando decidi ir para África. Nós os três, a santíssima trindade familiar, na mesma linha telefónica, tentávamos lidar com a minha decisão da melhor forma que sabíamos. Isto é: eu a falar desalmadamente, a minha mãe a soluçar pela sua menina e o meu pai em silêncio. Pensei que ficaria em estado de choque durante semanas, mas surpreendentemente diz-me: “Vai filha, vai e mostra-lhes que és boa e sabes fazer as coisas bem”. Não precisei de mais nenhum outro incentivo.
Se eu podia viver sem o meu pai? Podia, mas não seria a mesma coisa. Nomeadamente, eu não seria a mesma pessoa.

sexta-feira, 19 de março de 2010

A EQUAÇÃO DO AMOR


Hoje conheci uma mulher. Simpática, creio eu. Não especialmente bonita. Até lhe encontrei alguns traços grosseiros e as pernas feias. No entanto, senti inveja dela. Não que lhe deseje algum mal ou que lhe queria roubar a sua boa-fortuna. Invejo-a porque admiro o que ela tem e queria tê-lo para mim também. Porque aquela mulher era muito amada. This much I know.
Vi-a com o marido. Ouvi a forma como ele falava dela e como a olhava. Vi como lhe dava a mão debaixo da mesa, como o olhar dele procurava sempre o dela. Não viajava sem ela, contou-nos. Foi amor à primeira vista, contou-nos. Soube imediatamente que ela era Ela.
Apesar de ter seguido ciências sociais sempre tive alguma apetência pela matemática. E não querendo tomar o lugar de algum neo-Einstein devo dizer que reduzi o amor a uma equação matemática que penso traduzir com exactidão aquilo que deve suceder:
a dedicação e o compromisso de X, somado à sua paixão e respeito, têm que ser somar o mesmo resultado que o compromisso e respeito de Y, adicionado à respectiva dedicação e respeito.

Se o X for o Eu e o Y for o Ele, então, aquilo que eu lhe dou terá que corresponder àquilo que ele me dá em troca. Já fiz parte de uma equação desacertada. Se há coisa que aprendi é que não funciona. Quando assim sucede - quando de um lado sobrarem milésimas, centésimas, décimas, unidades mesmo, - é porque a equação está incorrecta e aquele suposta meia laranja é apenas uma laranja podre que nos vai acabar por amargar a boca. Solução: substituir aquele Y por outro que permita um resultado perfeito.
Podem filosofar à vontade sobre o amor, mas uma coisa é certa, no finalzinho aquilo que eu dou não pode ser mais (nem menos) do que aquilo que recebo. Matemática pura.
Ou talvez não… afinal, se 2 mais 2 nem sempre são 4, provavelmente no amor nunca são 4… Confesso que já tive dias mais felizes, de modo que hoje não estou na plena posse das minhas faculdades intelectuais. Será que no amor nada é mensurável? Será que se pode viver numa relação em que o meu 100 tem como equivalência um 0 da parte contrária? Será que a lógica matemática deixa escapar as pequenas nuances humanas? Se calhar nada disto é explicável. Não sei. Mas pelo menos uma coisa eu sei: Hoje conheci uma mulher. Era muito amada. E eu senti inveja dela.

terça-feira, 16 de março de 2010

Quem tem medo do ginecologista?


Esqueçam o Papão, o Homem do Saco, o Freddy Kruger. Medo, mas medo a sério, é do ginecologista.
Não sei se é dos quadros que nos rodeiam da sala de espera, autênticas exposições dos vários instrumentos de tortura para nos abrir, fechar, cortar, espremer (digamos que ao pé deste arsenal ginecológico os senhores da Santa Inquisição não passavam de meninos de coro). Também pode ser a visão de nós mesmas sentada na “cadeira”, com o corpo aberto até ao seu máximo limite, quase fazendo crer que vamos escorregar dali a qualquer momento e estatelar-nos no chão. E para culminar com a humilhação máxima recordemos que estamos sem roupa interior. Aliás, este é o ponto crucial. Tenho para mim que o me apavora, aterroriza, amedronta e paralisa é aquela completa sensação de fragilidade. A total perda de intimidade e, quase estou em dizer, de alguma dignidade (difícil de manter quando se tem as cuecas pelos tornozelos). Aquele é, sem dúvida, um dos momentos de maior vulnerabilidade humana.
Segundo ouvi dizer as idas ao urologista não despertam tanto pavor nas hostes masculinas. O que não faz deles heróis. Afinal, o contacto físico resume-me a uma vistoria geral pelas obras e pouco mais. Está ausente aquele grau de intromissão que marca as nossas estadias na tal “cadeira”, só suplantada pela cadeira eléctrica.
Se assim é, porque continuo eu a submeter-me a estes suplícios anuais? Porque por muito que doa e me perturbe, estou rodeada de histórias de mulheres (mães, irmãs, amigas, primas) que se descuidaram, que deixaram passar demasiado tempo, para descobrir tarde demais aquilo que, detectado mais cedo, teria tido um desfecho diferente. Os carcinomas não são só doenças de gente velha, de tias-avós que nunca conhecemos. São doenças de todos nós, e creio que facilmente nos vem à memória a perda de alguém muito querido, tão jovem e aparentemente tão saudável como nos sentimos agora. Mas este é só a ponta do iceberg. Infecções, vírus, nódulos, infertilidades, malformações congénitas, tudo isso nos pode um dia bater à porta. E se bem que alguns destes males são impossíveis de evitar ou de curar, quando mais cedo os detectarmos e controlarmos melhor viveremos com eles.
Por isso eu sigo à risca a regra da visita anual e não perdoo em sermões às amigas que inventam não ter tempo, nem paciência, nem dinheiro, para baixar a cuequinha e tratar do assunto.
Convenhamos, não é muito pior do que ir ao dentista. Digo isto embora eu, em boa verdade, sempre tenha ansiado pela ida ao dentista. É que uma das minhas mais ternas recordações de infância passa pelo Dr. Duarte me fazer uma festinha no cabelo e me recomendar o remédio do costume no final da nossa consulta. O dito remédio era o fabuloso do gelado (na altura só da “Olá”, afinal, temos que recuar mais de duas décadas). Claro que a minha relação com os gelados era bem mais profunda do que aquela fomentada pelas visitas ao dentista. Mas – e nunca percebi bem porquê – o gelado “receitado” pelo médico sabia melhor que qualquer outro, e devorava-o à lambidela como se fosse uma pobre indigente que nunca tivesse comido um na vida.
Tanto assim é que no final da minha última visita ao ginecologista ainda fiquei ali especada, a olhar o médico, depois de ele dar por findo o nosso encontro. Ansiava para que me receitasse um dos tais remédios milagrosos. Não que estivesse à espera que me mandasse comer um gelado. Mas ainda tinha esperança que finalizasse a consulta com um “E agora compre uma carteira” ou “E depois deste tratamento não sabia bem um relógio novo?”. Até dispensava a festinha na cabeça. Mas as minhas expectativas saíram goradas e o máximo que recebi foi um aperto de mão.
Enfim, confesso que não saí totalmente desanimada. Pelo menos, o ego vinha em alta. É que parece que é prática habitual entre os ginecologistas elogiarem alguma parte do nosso corpo. Sem maldade. Só em termos biológico, entenda-se. Um dos elogios mais curiosos que recebi foi o de médico que me disse que eu tinha, cito, “um útero muito bonito”. E eu logo me imaginei a doravante, apresentar-me a potenciados candidatos a Amor da seguinte forma: “Olá, sou a Vera e tenho um útero muito bonito”. De certeza que isto me teria granjeado muitos admiradores. Pelo menos dá novo sentido ao conceito de “beleza interior”.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A DECISÃO INCOMPREENSIVEL DE QUEM POUCO COMPREENDE


Não tenho nada nem contra nem a favor dos gays. Enfim, corrijo, tenho algumas coisas contra. Irrita-me solenemente que os melhore jogadores do campeonato joguem na sua equipa, que sejam os mais bem-vestidos das festas e que tenham um impecável gosto pela decoração. Não poderiam ter isso tudo e ainda assim gostarem de mim também? Se assim fosse, seriam perfeitos. Como não o é, irritam-me solenemente.
Este meu sentimentozinho de vingançazinha está, de resto, bastante difundido na sociedade. Irrita-nos tudo o que não é como nós gostaríamos e todos os que não fazem aquilo que desejaríamos. Assim explico eu que as leis da maior parte dos países impeçam os homossexuais de adoptar e que pais que tenham assumido essa opção sexual nem tivessem sido ponderados para efeitos de poder paternal e, inclusive, judicialmente impedidos de visitar os filhos.
Há uns meses atrás o refugo da silly season brindou-nos com outra notícia para nos fazer pensar nestas coisas: Sir Elton John e o seu companheiro pretendiam adoptar um rapaz de 14 anos, seropositivo, que vivia numa instituição ucraniana, e foi impedido pelo governo do país, que alegou que Elton John não só não tinha família constituída como, além disso, ultrapassava a idade fixada na lei nacional para adoptar.
O segundo argumento vale o que vale. A maior parte dos ordenamentos jurídicos determina uma idade máxima para os adoptantes, que podemos discutir, e que no caso é discutível, porque não me chegam aos ouvidos que pais de idade mais avançada sejam necessariamente inaptos, como aliás o demonstram as inúmeras histórias de crianças educadas por avós.
Já o primeiro argumento esconde na verdade um terceiro, que o governo não disse. Como poderia? Seria politicamente perigoso faze-lo, atendendo aos poderosos lobbies gays que se começam a formar. É que, como ninguém esconde, e muito menos ele, Sir Elton John é gay. Bicha. Laricas. Maricas. Paneleiro. Essas coisas todas simpáticas com que brindamos aquilo que não compreendemos.
Ora, todos sabemos que o melhor critério para aferir um bom pai é a sua orientação sexual. Nem poderia ser de outra forma. Até porque circulam por aí estudos científicos que demonstram comprovadamente que os gays são todos um bando de pedófilos depravados. O problema, meus caros, é que eu nunca tive acesso a nenhum desses estudos nem nunca ninguém me conseguiu demonstrar com argumentos racionais (racionais, note-se, não motivações fundadas em preconceitos religiosos ou de consciência pessoal) que (agora por pontos, à boa maneira jurídica):
i) Pais homossexuais tragam para o mundo filhos homossexuais;
ii) A homossexualidade seja uma doença perniciosa a infectar a sociedade;
iii) Os homossexuais sejam pedófilos.
No dia em que alguém me demonstrar isto eu assino por baixo da decisão do governo ucraniano. Sou uma pessoa razoável (razoavelmente teimosa, diriam alguns) e quando me demonstram que estou errada sou capaz de o reconhecer. Mas enquanto estivermos a falar de duendes, histórias de faz-de-conta e gente maléfica que gosta de pessoas do mesmo sexo, não contem comigo para assinar o que seja. Muitos menos para passar certificados de verdade cientifica e jurídica a convicções fundadas no temor daquilo que ultrapassa as nossas o nosso curto entendimento.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Coisas pelas quais vale a pena chorar


O meu carácter esquizofrénico oscila entre duas personalidades tão opostos entre si como um Óscar e uma Framboesa de Ouro. Uma tem uma enorme dificuldade em chorar e engole as lágrimas das milhentas dores do dia até ao ponto em que abre as comportas como uma barragem e chora baba e ranho até estar prestes a afogar-me. A outra é uma chorona empedernida, que até nos desenhos animados derrama lágrimas, desde o momento em que morre a mãe do Bambi até àquele em que o pequeno dinossauro se perde da sua manada.
Porque sou conhecedora do tema, decidi então meditar um pouco sobre as coisas que nos fazem chorar. E na tentativa de tornar a coisa mais científica levei a cabo um estudo destinado a concluir quais dela valiam a pena e quais eram uma total perda de tempo e de fluidos.
Coisas pelas quais não vale a pena chorar:
i) Por zangas com familiares: os laços de família são altamente sobrevalorizados. O que conta são os laços efectivos, que nos podem ligar a pessoas que não têm connosco nenhuma semelhança genética. Se o avô prefere os outros netos, ou se a tia mesquinha nos acusa de andarmos atrás de heranças, isso é problema deles, não nosso;
ii) Por vicissitudes do trabalho: no trabalho há que ser duros e implacáveis. Olhos inchados não se compaginam com o exímio profissional que todos queremos ser. Por isso, o melhor é fazer das lágrimas força, fúria mesmo, e utilizar toda essa energia para trabalhar pela noite dentro, já+a que chorar na almofada dá dor de cabeça e retira a concentração;
iii) Partir uma unha: as unhas longas estão demodée. Viva as unhas curtas que não nos magoam ao tirar as lentes de contacto;
Coisas pelas quais vale a pena chorar.
i) Perder um amigo: os amigos, tal como os guarda-chuvas, podem ser facilmente perdidos. Não que nos esqueçamos deles em algum lado, simplesmente, esquecemo-nos deles. Ou eles de nós. O que equivale ao nosso próprio guarda-chuva esquecer-se de nós. E assim como as pessoas sem guarda-chuva se molham e podem ficar constipadas, em última instância apanham pneumonia e morrem, também a perda de um amigo mata um bocadinho de nós porque aquela pessoa já se tinha integrado entre a nossa epiderme e a nossa derme;
ii) Estragar um sapato: porque os sapatos são nossos amigos e, por conseguinte, equivale a perder um melhor amigo;
iii) Ganhar 5 quilos: neste caso não choramos apenas pelo facto de nos termos aproximado de mamíferos marinhos, mas também porque chorar deve, certamente, gastar algumas calorias;
Se há coisa pela qual não devemos, de todo chorar, é pela ruptura de uma relação. Claro que é a minha vertente racional a dizer isto, porque em boa verdade quando sou eu a interveniente de um desses dramazecos de filmes de série B, choro como se o mundo fosse acabar naquele mesmo momento. Ora, quando um, ou os dois, decidem terminar uma relação não se está a perder nada, mas sim a ganhar. A ganhar a oportunidade de poder encontrar o verdadeiro amor da nossa vida. Basta que um não esteja bem na relação para tomarmos isso como um sinal de que não é aquilo que andamos à procura. As histórias de amor pelas quais vale a pena chorar são aquelas em que as coisas terminam por motivos completamente alheios à nossa vontade, e isso apenas acontece quando o amor da nossa vida morre. Como nos filmes e nos romances. Como da Dama das Camélias. Aí as coisas terminam de uma forma que não podemos evitar. Em todas as outras situações podemos inventar mil e uma desculpas para as coisas não resultaram, mas, em boa verdade, se não resulta é porque não queremos que resulte, porque as nossas prioridades assim o ditaram. Não é a vida, nem as suas circunstâncias, que nos controla a nós e que decide o nosso destino. Somos nós que orientamos a nossa vida como bem entendermos. Se achamos que um trabalho, um capricho, uma queca, uma noitada com amigos, que tudo isso vale mais do que a relação, então, trata-se de uma decisão nossa. De modo que terminar uma relação não é motivo para lágrimas, mas para esperança por dias melhores e pela possibilidade que se abre de poder encontrar a real meia-laranja. Se ainda assim quiserem derramar umas lágrimas, não chorem por um suposto amor perdido, mas sim pelo tempo que perderam com ele.

quinta-feira, 11 de março de 2010

A BOY’S GIRL


Sempre fui a boy’s girl. Não Maria-rapaz, note-se. Enfim, admito que na minha infância e nos primórdios da adolescência cheguei a ser confundida com um rapazinho. O cabelo curtinho não ajudava (obrigada mãe!), mas a certa altura transformei-me numa Barbie. E digo isto sem vergonha. Vivo na futilidade dos trapos, dos batons e dessas coisas todas que fazem os homens vomitar. Ainda assim – e isto é que é verdadeiramente surpreendente – sempre fui uma menina de meninos. Mais amigos que amigas. E bem mais próximos. A minha melhor amiga foi, e é, um menino, e com isto penso que digo tudo. Não meninos que me acompanham na secreta esperança de tirar uma lasquinha, de algum hipotética romance ou, que mais não seja, umas voltinhas de quando em quando. Nada disso. Falo de meninos que me vêm algures entre “um gajo sem pilinha que vai connosco para todo o lado” e a “irmã mais nova que há que respeitar”.
Nestes termos tenho visto intermináveis jogos de futebol (estou um autêntico Rui Santos… até pelos caracóis…), feito de motorista com o carro cheio de marmanjos bêbados (sendo que todos sabem que no meu carro ninguém vomita), chorado baba e ranho nos seus ombros (e nunca esquecerei aquelas palavras de consolo, que oscilam entre o kitsch/lamechas e o absolutamente destrutivo).
Esta é, provavelmente, a primeira altura da minha vida em que começo a acompanhar mais com mulheres. Até à data a ideia em si mesma dava-me alergia. Não me que falte assunto. Desde logo, sempre posso falar de sapatos, e temos conversa para uma semana. Não que me sinta ameaçada, ou elas por mim. Aliás, se há coisa que aprendi nestes últimos meses é que a tão falada rivalidade feminina é um mito urbano. Não nego a sua existência (yo no creo en bruxas, pero…), mas até aqui só me deparei com mulheres fantásticas que serão sempre, nas suas particularidades, “role models” para mim.
Mas a verdade é que nada disto me faz esquecer os meninos. E por isso mantenho o hábito de passar tempo sozinha com eles. E cada vez que isso sucede fico destroçada pela angústia de nunca me ter apaixonada por nenhum… nem eles por mim. Porque os meus meninos são os melhores homens do planeta. Admito que alguns deles encaixam no protótipo do “filho da puta”, que nem todos foram sempre correctos e gentis para com as mulheres do mundo. Mas em todos eles descubro pedacinhos da minha meia laranja. Será que os posso cortar e cozer, construindo um home-made namorado? Se o Dr. Frankenstein o fez, porque não eu? Será que tenho procurado nos amigos aquilo que não encontro nos outros homens? Mas, nesse caso, porque motivo então nunca houve click com nenhum deles?
Já me chegaram a dizer que a minha excessiva proximidade masculina me prejudica mais do que me beneficia. Porque conheço demasiado os homens (o que nunca impediu que caísse como as outras). Porque coloco a fasquia ao elevadíssimo nível dos meus melhore amigos, que são uns fora de série, e como a maior parte dos homens fica muito aquém desse limiar acabo por ter expectativas demasiado altas que depois saem goradas. Porque estar sempre acompanhada com meninos funciona como repelente para o restante público masculino.
Provavelmente tudo isto é verdade. Pelo menos, dava-me jeito que fosse, e com isso encontrava já uma explicação para muita coisa. Ainda assim, e embora aprecie uma tarde de compras com as amigas, nada bate as noites no meio deles, muitas vezes com a minha integridade física em risco, nas mãos de alguma nina mais ciumenta.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Manifesto contra a calçada portuguesa


Nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, subscrevemos este manifesto contra a calçada portuguesa e insurgimo-nos contra as dores, angústias, temores e perdas que por virtude da dita temos sofrido ao longo da nossa pesarosa existência.
Reconheçamos: poucas coisas são mais agradáveis à vista do que um par de pernas bem torneado, com o gémeo definido, a suportar o peso de um corpo esguio como uma gazela. Infelizmente, a maior parte de nós nasce bem com uma fisionomia bem mais tosca, roliças e gordurentas, ou magricelas e com dois pauzinhos espetados, de modo que seguindo os desígnios da mãe-natureza dificilmente faríamos parar o trânsito ao atravessar a rua. Excepto, claro está, se atravessarmos numa passadeira, o que me estraga um pouco este raciocínio. Mas estou em crer que ainda assim as pernas fazem toda a diferença entre o carro parar gentilmente e o condutor perseguir com o olhar os nossos passos ou, pelo contrário, ouvirmos um guinchar de travões, logo seguido de duas ou três pérolas de gentileza a voar pela janela.
Isto para dizer que, em virtude de algumas incorrecções genéticas, aliadas a um sentimento por vezes vil mas ainda assim muito difundido, chamado vaidade, nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, preferimos encaixar como podemos (e como não podemos também) os nossos chispes em delicados sapatinhos que nos desenham o músculo da perna e nos endireitam a figura, deixando espetado aquilo que sempre assim deveria estar, ou seja, mamas para a frente, rabo para trás.
Este é um anseio mundial. Sucede que nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, arriscamos todos os dias a nossa vida quando saímos para a rua e pisamos com o delicado pezinho de Cinderelas (sim, até aquelas que calçam o 43 cabem nesta designação) na calçada portuguesa. Aí tudo pode acontecer: saltos presos nos buraquinho que separam as pedras, escorregadelas na pedra molhada, tropeções nalguma pedra mais saída, lesões sérias naquelas pedras pontiagudas. Basicamente, tudo de resume às pedras. E não às da vesícula, mas igualmente dolorosas.
Se o incidente “salto preso na calçada” tivesse um final mais feliz, ainda vá que não vá. Suponha-se que perante aquela visão de uma donzela amarrada ao chão, sem poder libertar o seu pezinho delicado, um garboso jovem alto e espadaúdo (preferencialmente argentino e médico, mas , na falta disso, também se aceita tuga e piloto) corre em nosso auxilio, nos pega ao colo com aqueles braços fortes e cheios de bíceps (calores!), nos monta no seu cavalo branco (ou na moto da BMW, o que estiver mais à mão no momento), nos leva para o seu palácio (que é como quem diz, para o apartamento onde vive sozinho e que já pagou ao banco na integra) e faz de nós mulheres felizes. Mas não, que eu saiba, tal nunca sucedeu. O mais parecido com este relato é a abordagem de uma senhora-avó, que chega junto a nós, pergunta se está tudo bem e nos fala de um suposto neto que se ali estivesse muito gosto teria em nos ajudar. Mas o cenário mais frequente é mesmo ter ali 2 ou 3 espécimes masculinos especados no meio da calçada, a olhar para nós como quem não percebe a nossa angústia, alguns perdidos de riso, sem perder a oportunidade de nos tirar as medidas enquanto nos debatemos com a calçada para salvar o sapato, numa operação de salvamento digna de uma força das tropas especiais. E alguns olhares foram de tal forma, digamos, suspeitos (tipo… Norman Bates em Psycho) que só não saí dali a correr descalça porque seria incapaz de deixar o sapatinho ali sozinho.
Cavalheiros, de modo a perceberem a nossa angústia: a dor que sentiriam ao ver o vosso Porsche, o vosso BMW ou mesmo o vosso Renault 5 (não quero discriminar ninguém) transformado num ferro-velho é a mesma que nos assola quando vemos os nossos Manolos, ou os Paulo Brandão, ou mesmo os Zara, esburacados e decepados do seu salto.
Nós, mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm, delatamos aqui as inúmeras vezes em que derrapámos, escorregámos, tropeçámos e torcemos tornozelos. Meus senhores, nós somos vítimas inocentes da violência da calçada portuguesa. Parem este flagelo, por favor.
Atire a primeira pedra (e nunca mais bem dito) aquela que não tem para mostrar um hematoma ou um salto partido. Sim, é que a calçada não exerce a sua violência cruel apenas sobre a integridade física das mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm. É absolutamente impiedosa para os sapatos. A esperança de vida dos pobrezinhos diminui drasticamente nos países adeptos da dita.
Dito isto, termino este manifesto com uma promessa a todas as mulheres portuguesas suficientemente vaidosas e corajosas para nos empinarmos em cima de saltos com pelo menos 10 cm: se um dia eu chegar a Presidente, Primeira-ministra ou Bastonária, a minha primeira medida vai ser tirar todas as pedras da calçada e em seu lugar cobrir tudo de cimento. Cor-de –rosa, claro. Ou não fosse eu quem sou.

sexta-feira, 5 de março de 2010

A alegoria da caverna


“Eu só me vejo com um tipo que ande no ginásio. Olha para mim… achas que me poderia estar com alguém menos activo e mais fraco do que eu?”. Pois… bem pensado… com esse corpo… não te vejo com uma bola de sebo ao lado…
“Verinha, não admito sequer estar com alguém que não possa acompanhar-me aos restaurantes onde gosto de ir e nas férias a que estou habituada”. Mas claro que sim. Pois se tu gostas de comer rabo de boi (já viram o preço do rabo?) em restaurantes de estrelas Michelin e de passar férias em destinos paradisíacos, não me parece justo que te remetas a Mac’s com batas fritas e a uma tenda no parque de campismo de Alguidares de Baixo só porque o teu namorado vive com o salário mínimo.

Tenho pensado naquilo que eu espero da minha meia-laranja. Espero muito. Talvez demais. Mas até ao momento ainda não tinha conseguido individualizar a nota básica, o turn on total, aquilo que me põe de quatro e a arfar. Isto até ao dia em que, no contexto de uma conversa acerca dos meus planos de vida, referi que estranhava que alguns amigos não vissem as virtualidades do meu novo projecto pessoal. Eis senão quando (viciada digo-vos, estou viciada nesta expressão) “ele” se sai com esta: “Isso é como a alegoria da caverna. Eles não estão a ver mais longe”.
STOP
O “ele” referiu a alegoria da caverna??? De repente, o alarme anti-paixões soou na minha cabeça, no corpo todo (if you now what I mean…), na ponta dos pés inclusive. Já é bizarro que alguém conheça a alegoria da caverna. Mais ainda que esse alguém seja um menino. Mas verdadeiramente extraordinário é que seja um menino engenheiro. Sem desprimor para os próprios, note-se. Cerca de 80% do meu círculo de amizades responde por senhor engenheiro (ou senhor licenciado em engenharia, para reviver a encenação no nosso Primeiro). Mas, convenhamos, não são pessoas muito dadas a leituras filosóficas…
Ainda pensei que fosse mera coincidência. Que tivesse ouvido aquilo na rádio ou da boca de alguma miúda em cenário de engate. Mas alguns dias depois atira-me outra à cabeça (e ao coração): o sermão aos peixes do Padre António Vieira.
Fechem a boca. Eu também fechei a minha….depois de apanhar o queixo que na altura me tinha caído ao chão. Primeiro filosofia, agora literatura….o que virá a seguir?
Bailado. Não estou a inventar. Eu, que sou uma apaixonada por ballet clássico, lancei para o ar que gostava muito que ele me acompanhasse a um espectáculo de dança. Quase antevia que o “ele” iria recusar. Não me enganei. Mas recusou explicando que não apreciava ballet, não obstante reconhecer que Nureyev disponha de capacidades físicas extraordinárias. Um soco no estômago não me teria deixado mais abalada. O homem tinha encontrado a ranhura onde meter a moeda que me põe em andamento.

Não me compreendam mal. É claro que eu, que me esforço por combater a lei da gravidade no ginásio, também não me contento com tipos de barriga descaída e duplo queixo. Tão-pouco vejo como provável a assunção do cargo de
“pagadora oficial de contas” ou, em alternativa, conformar a minha vida aos padrões de tasca de 3.º e pensão de lençóis sujos porque o prazer de uma determinada companhia a isso impõe. Mas tudo pode acontecer na vida. Life is just like a box of chocolats, isn’t it?
Ainda assim, por via de princípio, procuro um par de bíceps, cartão de crédito, sentido de humor, 1.90m, experiência de vida, beijos molhados, bons valores sedimentados e tudo mais a que as princesas do conto de fadas têm direito. A este elenco de coisas impossíveis falta, porém, aquele que é o meu turn on fundamental, aquilo que me deixa ofegante e quase tonta: os dois dedos de testa.
As pessoas podem-nos cativar de muitas formas. Quando se fala de príncipes encantados a excitação pode provir dos mais pequenos detalhes, desde o levantar de uma sobrancelha ate um tique nervoso que o faz mexer a boca quando pensa. Tudo isso é lindo. Mas a alegoria da caverna foi o “click”. Nunca Platão imaginou que a sua parábola fosse hoje utilizada como critério identificativo de meias-laranjas. Obrigado por me fazeres sair da escuridão Platão. I see the light now.

O menino da mamã


Imagine que você conhece finalmente o homem da sua vida. Perfeito, como você é. Mais que bonito, lindo. Mais que inteligente, brilhante. Tudo o que sempre sonhou. Porém, e porque para além da sua própria pessoa, verdadeiramente, a perfeição não existe, eis que a criatura padece de um vício que, fosse ele uma lei, o tornaria inconstitucional: é um menino da mamã.
Estou em crer que a principal causa de divórcio hoje em dia não são as infidelidades, nem o cessar da paixão, nem a monotonia, nem os problemas financeiros, nem as incompatibilidades de feitios e de projectos de vida, mas sim aquela algema que continua a prender os homens aos papás e às mamãs.
Não me compreendem mal. Pessoalmente acho muito sexy um homem que respeita e ama os pais. Que trata a mãe como uma rainha. Todavia, não confundamos os papéis que cada um ocupa nesta novela de relações humanas. “Mãe” é a mulher que o gerou, que o deu à luz, que o amamentou, que o educou para que ele seja o homem que é hoje e, por conseguinte, à qual muito agradecemos, caso contrário, ao invés de termos ao nosso lado esse homem limpinho e gentil que nos abre a porta do carro e nos faz o jantar quando chegamos cansadas teríamos um matarruano qualquer, que arrotaria à mesa e tomaria banho de mês a mês. Mas, nós, ai, nós somos nós, ou seja, as mulheres da vida deles. Com quem fazem amor, com quem esboçam planos, com quem têm filhos, com quem irão envelhecer. Por isso, a prioridade temos que ser nós. O que em nada retira ao amor e devoção que têm para com as mães. E para com os pais. E para com os irmãos. E para com as avôs e os avós. E para com a prima em 14.º grau. Simplesmente, cada um tem o seu devido posto. Nós não podemos ser mães. Aquele que procura na sua meia-laranja uma segunda mãe está fadado a ficar sozinho ou, pior ainda, a tornar alguém muito infeliz. É que as mães aturam aos meninos coisas que nós não aturamos, nem temos que aturar, e mal de nós (e do world as we know it) no dia em o fizermos. Para educar, limpar e aturar teremos filhos. Em relação aos nossos homens temos outras funções. Nomeadamente, tornar o seu presente e o seu futuro tão maravilhosos como as respectivas mãezinhas o fizeram no passado.
Falo deste tema confortavelmente e sem pudores porque eu própria sou mimada até à medula. A princesa dos papás. Mas nunca me lembraria de viver uma relação numa espécie de ménage a quatre. Amaremos os pais o resto das nossas vidas. Mas, se eles nos amam também, têm que nos deixar voar, encontrar o nosso rumo, seja ele qual for. Não há maior egoísmo do que pais que se tornam dependentes dos filhos, incutindo neles a ideia de que a sua presença é conditio sina qua non da sua existência. Note-se, da existência de pessoas que nesta altura que se viram livres do embrião/feto/criança/adolescente já deveriam ter encontrado outros interesses.
Este é o meu plano de vida mal deite cá para fora a criança. Ver-me livre dela logo que possível. E se a minha futura nora algum dia me acusar legitimamente algum de um destes pecados desde já a autorizo a detestar-me.
A sogra de uma amiga chorou baba e ranho no dia em que a cria casou, e bradava aos céus o que seria do filhote agora que ela já lá não estava para lhe fazer sopinhas e lhe passar a roupa. Ao que essa minha amiga, expedita e certeira, respondeu que a pobre senhora nada tinha com que se preocupar, pois elazinha não tencionava fazer nada disso pelo marmanjo (que, devo frisar, nasceu com um cérebro, dois braços e duas pernas), de modo que a dita poderia continuar a fazer-lhe as sopas e a engomar-lhe as camisas, já que ela, a minha amiga, tinha uma carreira com que se preocupar.
Nem podia ser de outra forma, digo eu. Não nos vale a pena competir com os inúmeros dotes de fada-do-lar das sogrinhas, do mesmo modo que nos é impossível competir com as nossas mães nesse aspecto. Afinal, levam-nos de avanços anos e anos e anos e anos de experiência. Nem tal nos compete. Para isso mais nos vale trabalhar mais e melhor naquilo em que verdadeiramente somos boas e pagar a uma empregada para tomar conta dos bebés-homens. O que não obsta, penso eu, a um miminho ou outro. Por mim até cozo meias e prepato chazinhos. Mas não queremos substituir nem destronar as mães. Ser-nos-ia impossível. Agora, não nos queiram elas destronar a nós. Nem nos queiram eles passar o final da sua lista de prioridades.
Em suma: é connosco que devem passar a maior parte do tempo disponível. Jantares e almoços em casa dos ascendentes não são para todos os domingos. A nossa vida é isso mesmo, nossa, de modo que não tem porque lhes ser relatada. Qualquer opinião sobre essa vida cabe-nos a nós, não a pessoas que tiveram a nossa idade há 20 ou 30 anos, quando o mundo era outro, desde logo, porque o século era outro.
E, sobretudo, é absolutamente proibido viver com receio de julgamentos paternos. Um homem que não nos assuma perante os pais; que invente histórias mirabolantes para justificar o tempo que passa connosco; que desmarca à última compromissos para não contrariar a vontade paterna; que não nos atende o telefone quando está com eles mas que não hesita em interromper a mais importante das nossas conversas só para prestar vassalagem aos ditos; esse homem não é para nós. Ou melhor, nós não somos para eles. Demasiada areia para uma camioneta tão pequenina.
É que esse homem está destinado a passar aniversários, passagens de anos e dia nos namorados na companhia dos paizinhos, até que estes sejam bem velhinhos. E um dia passá-los-á sozinho. Nunca poderá ser o pai dos nossos filhos, porque para formar uma família é preciso ter previamente estabelecido a fronteira com a família onde nasceu. A promiscuidade nunca foi boa conselheira, muito menos em relações pessoais.
Moral da história: o homem perfeito (se existe) é órfão.